quarta-feira, agosto 22, 2007

Clero, nobreza e povo de Sobral

Esta resenha é espaço por demais diminuto para colocar a grandeza de Lustosa da Costa, o cronista, o jornalista e o romancista, e dizer da sua vida e da sua obra, e falar do primor e do encanto de sua prosa. Só agora chega-me às mãos o exemplar do seu belo livro "Clero, nobreza e povo de Sobral", acompanhado de generosa dedicatória que fica creditada à sua indulgente bondade. Lustosa é colunista do "Diário do Nordeste", em Brasília. Foi Editor Chefe de "Unitário" e "Correio do Ceará". Em fins de 1974 passou a residir na Capital da República onde militou, por muitos anos, na sucursal de "O Estado de São Paulo" e escreveu crônicas no "Correio Braziliense". Em 2000 elegeu-se para a Academia Brasiliense de Letras e ganhou o Prêmio Ideal de Literatura, com o livro de crônicas "Rache o Procópio". Lançou em 2002, na Embaixada do Brasil em Lisboa, a edição portuguesa de seu romance "Vida, paixão e morte de Etelvino Soares", versão romanceada da atormentada trajetória do jornalista Deolindo Barreto. A obra de Lustosa da Costa representa um marco da nossa tradição literária moderna e a seu respeito já se manifestou a crítica favoravelmente, me parecendo justo destacar o que escreveu o poeta e ensaísta José Alcides Pinto: "O material com que trabalha é o mesmo da ficção – a ficção de vanguarda, a de um Gabriel Garcia Marquez, por exemplo, ou de outros grandes vultos da literatura latino-americana. A caracterização dos personagens é perfeita, e em seu registro história e memorialística se juntam numa grandeza meridional e abrangente".Sobre sua obra ensaios e artigos importantes vêm sendo publicados no correr do tempo, tais aqueles redigidos por Evaristo Linhares, Moreira Campos, Adelto Gonçalves e Paulo Elpídio de Menezes Neto. Segundo Milton Dias, "Lustosa da Costa se inscreve na lista dos melhores cronistas brasileiros – nome respeitado, estimado, admirado; freqüentador diário da imprensa, conseguiu um público numeroso e atento que corre ao jornal diariamente, fiel à sua colaboração de todo dia". Acabo de ler seu livro e chego à conclusão de que ele – brasileiro a valer nestas crônicas, feitas da mesma composição de seu rincão à beira do Acaraú – se nos apresenta o mais cáustico demolidor de fatuidades e carunchadas reputações, e – o incrível – faz tudo isso envolvido do mais puro senso de humor. Sua capacidade de encadear figuras e fatos em sucessão é o mérito maior do criador de tantos personagens divertidos, às vezes, turbulentos, que lembram as excentricidades dos heróis cômicos de Dickens. Não que seus personagens de carne e osso fossem cômicos – mas que assim nos são apresentados – na recriação fabulosa do cronista que une a psicologia ao estilo numa gota de tinta, com veneno e luz, caricatura da vida urbana-cotidiana da pequena cidade de Sobral, do início do século passado. Sobral é cidade de filhos ilustres – ou que se tornaram interessantes mesmo depois da morte. Terra do filósofo Visconde de Sabóia, Domingos Olímpio, Padre Ibiapina, Dom Jerônimo, Dom José Lourenço, Dom José Tupinambá da Frota, Vicente Loiola, José Sabóia, Cordeiro de Andrade, Deolindo Barreto, que veio de Crateús para viver, lutar e morrer ali. Uma galeria interminável de padres, políticos, jornalistas, escritores e poetas de boa cepa. E tudo começou com uma fazenda de nome Caiçara, de propriedade do Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, cujo nome está ligado à história da cidade pela doação feita ao patrimônio da Matriz. Ao redor da Igreja surgiram as primeiras casas da povoação, quase sempre de tijolos – cobertas de telhas – pertencentes a pessoas de boa linhagem, das quais descende grande parte das famílias sobralenses. Depois do Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, outros sesmeiros vieram ali se estabelecer – Manoel Madeira de Matos, Manoel Vaz de Carrasco, pai das sete irmãs, progenitoras das principais famílias do Vale do Acaraú [estabelecido no atual município de Bela Cruz], Jerônimo Machado Freire, Capitão-mor José de Xerez Furna Uchoa, Antônio Alves Linhares, Capitão-mor José de Araújo Costa, meu pentavô, português [estabelecido também em Bela Cruz, casado com d. Brites de Vasconcelos, uma das sete irmãs], Ignácio Gomes Parente, Gonçalo Ferreira da Ponte e, logo em seguida, os Frotas, os Coelhos, os Holandas Cavalcantes, os Rodrigues Limas, os Ferreiras Gomes, os Mendes Vasconcelos, os Paulas Pessoas, os Ximenes de Aragão e tantos outros que adquiriram sesmarias no Vale do Acaraú. Vieram das capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e até mesmo de Portugal. E ali ficaram encantados ou encantoados com as águas do Rio Conoribon, Conoribo, Coruybe, Rio dos Torrões Pretos, Rio das Garças, segundo as diversas denominações que lhe deram seus primitivos habitantes. E foi ali, à beira do rio, que nasceram [viveram suas proezas e escaramuças] as personagens de Lustosa da Costa.
Ao encerrar essa desataviada prosa, quero dizer ao ilustre escritor que tive muito prazer em escrevê-la, assim como também experimentei ao ler o seu livro. E o prazer maior é fechá-la com chave de ouro, lembrando o impávido jornalista Deolindo Barreto: "Conte-se o caso como o caso foi, o cão é cão e o boi é boi". Vicente Freitas