quinta-feira, junho 12, 2008

Adeus a José Alcides Pinto (1923-2008)

Para José Alcides Pinto, assim como para Baudelaire, o artista é um indivíduo superior que a massa dos “salsicheiros” tenta constantemente abafar, esmagar, aniquilar. O seu destino: a solidão e a incompreensão. A única defesa: o desprendimento, o desprezo pela regra comum. Esse poeta e ficcionista, dos maiores do mundo, mereceu, em vida, ter recebido um tratamento todo especial, o mesmo que dispensamos aos Verlaines, Mallarmés, Rimbaud’s e Lautréamont’s. Não que ele tenha nada a ver com esses poetas, mas pelo valor de sua obra, independente deste ou daquele grupo. Na verdade, não podemos filiá-lo a qualquer movimento literário. Ele era muito independente e pessoal em seu processo criativo, assim como o foi – um Gerardo Mello Mourão e tantos outros consagrados, mesmo aqui da província.

Poeta, ficcionista, teatrólogo, ensaísta, crítico literário, memorialista, artista plástico, jornalista, José Alcides Pinto nasceu na antiga aldeia do Alto dos Angicos, em São Francisco do Estreito, Ribeira do Acaraú, no Ceará.

Estreou em livro, em 1950 (em parceria com Ciro Colares e Raimundo Araújo) com a Antologia dos Poetas da Nova Geração (prefácio de Álvaro Moreira). No ano seguinte organizou a Antologia da Moderna Poesia Brasileira (prefácio de Aníbal Machado). Em 1952, publicou seu primeiro livro individual, Noções de Poesia & Arte. Outros se seguiram e ele continuou escrevendo até o dia 30 de maio de 2008, quando sofreu um acidente de trânsito: romance, novela, conto, poesia, teatro, ensaio e crítica literária, sendo considerado um poeta de vanguarda e experimental.

Jornalista profissional, ingressou na imprensa muito jovem. Colaborou nos Suplementos Literários do “Diário Carioca”, “Diário de Notícias”, “Correio da Manhã” e toda a imprensa de Fortaleza. Diplomou-se em jornalismo, pela Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil e em Biblioteconomia, pela Biblioteca Nacional. Foi ainda redator do Ministério da Educação e Cultura, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Ceará, cargos dos quais pediu dispensa para dedicar-se à sua fazenda no interior cearense e elaborar sua obra literária.

Considerado por muitos o maior poeta cearense da contemporaneidade, José Alcides Pinto faleceu às 12h50, do dia 02 de junho de 2008, em decorrência de politraumatismo, depois de permanecer por dois dias na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital São Mateus, em Fortaleza. Alcides foi internado no último sábado, após ser atropelado, nas proximidades de sua casa, no Centro de Fortaleza, por um motociclista que trafegava em alta velocidade.
Ironicamente, segundo a irmã mais nova do escritor, Maria da Conceição, o poeta foi colhido pela motocicleta quando saíra de casa para postar, nos correios, seus dois livros mais recentes, que seriam enviados a amigos. As obras, um livro de poesia e outro de pequenos trechos de prosa poética, tinham lançamento previsto para o próximo mês de agosto. Ambos os volumes foram lançados com o selo "Jamaica Editora", homenagem do escritor a uma de suas filhas.

Quem interessar saber mais da vida e da obra do Poeta, Márcio Catunda publicou, e nós recomendamos, “Na Trilha dos Eleitos” (Editora Espaço e Tempo, Rio, 1999), onde faz com maestria a biografia literária de José Alcides Pinto e Gerardo Mello Mourão. Neste livro o Poeta Márcio Catunda diz que “louvar os visionários da poesia, os eleitos da inspiração é uma forma de reconhecer o mérito daqueles que nos ofertam os prêmios da arte e as benesses do encantamento”. Adiantando que “José Alcides Pinto é um poeta, cuja dedicação e serviços prestados a causa da poesia merecem destaque; com uma obra que abrange todos os gêneros literários e que soma mais de uma centena de livros, em que se realçam a criativa, o estilo inconfundível, a marca pessoal de uma visão própria da realidade humana, José Alcides Pinto se tornou uma personalidade admirada e cultuada, não apenas pela intelectualidade cearense e brasileira de sua geração, mas, sobretudo, pelos jovens escritores, sempre sequiosos de novas idéias e de autores cujo processo de criação literária apresente o maior suporte possível de experiências inovadoras”.

E é do Poeta Márcio Catunda – que nos envia de Lisboa – o poema (In Memoriam) que ora publicamos em primeira mão, para ilustrar nossa homenagem ao Poeta:


JOSÉ ALCIDES PINTO



Ninguém sabe o quanto eu gostava de você

E como me arrependo de não tê-lo visto nas recentes vezes que fui a Fortaleza.

Foi você quem disse que eu não fosse à sua casa.

Mas você que era um gênio, sabia que eu sou humano.

Você que tinha o dom da palavra, e tudo o que dizia era poesia.

Meu querido amigo,

Se eu estivesse perto, aquela moto não o teria atropelado.

Mas como estar sempre perto, se vivo tão longe das Terras do Dragão?

(Longe só na distância física).

O André Seffrin e Nirton Venâncio me deram o susto da notícia.

Você não imagina o que tenho sofrido por conta disso!

Quanto aprendi com você!

Seu senso de humor, sua irreverência,

sua facilidade de resumir tudo em poucas palavras.

Essa fatalidade terá sido a sua travessura final?

Uma peripécia para expressar a angústia existencial?

Quanta vez você me falou da sua abjeção pelo momento terrível!

No entanto, como esteve próximo dele em diversas ocasiões!

Que Deus o receba de braços abertos.

Você merece as dádivas divinas, José.

Ah, e onde quer que você esteja, fique certo de que vou procurá-lo um dia.


José Alcides Pinto era meu amigo. Meu incentivador nos caminhos da literatura. Meu primeiro poema a aparecer na imprensa foi publicado por ele. E ele fez questão de destacar: Poeta Vicente Freitas, descoberto por José Alcides Pinto. Sempre que publicava um livro, logo me enviava via Correios. Às vezes, antes mesmo do lançamento. E é com muito orgulho que conservo em minha estante suas obras e suas cartas. Adeus, Alcides. Até breve.


Bibliografia básica

A obra de José Alcides Pinto é extensa, contando aproximadamente uma centena de títulos. Entre os principais se destacam "Manifesto Traído", "O Dragão", "Os Verdes Abutres da Colina", "João Pinto de Maria: Biografia de um Louco", "A Divina Relação do Corpo" e "O Amolador de Punhais" (romances); "O Criador de Demônios" (novela), "Editor de Insônia" (contos), "As Tágides", "Relicário Pornô", "Fúria", "20 Sonetos de Amor Romântico e Outros Poemas", ”Acaraú, biografia do rio” e "Guerreiros da Fome" (poesia); "Equinócio" (teatro) e "Política da Arte" - Volumes I e II (crítica literária).



VICENTE FREITAS