sábado, novembro 29, 2008

Clero, nobreza e povo de Sobral

Esta resenha é espaço por demais diminuto para colocar a grandeza de Lustosa da Costa, o cronista, o jornalista e o romancista, e dizer da sua vida e da sua obra, e falar do primor e do encanto de sua prosa. Só agora chega-me às mãos o exemplar do seu belo livro Clero, nobreza e povo de Sobral, acompanhado de generosa dedicatória que fica creditada à sua indulgente bondade. Lustosa é colunista do "Diário do Nordeste", em Brasília. Foi Editor Chefe de "Unitário" e "Correio do Ceará". Em fins de 1974 passou a residir na Capital da República onde militou, por muitos anos, na sucursal de "O Estado de São Paulo" e escreveu crônicas no "Correio Braziliense". Em 2000 elegeu-se para a Academia Brasiliense de Letras e ganhou o Prêmio Ideal de Literatura, com o livro de crônicas "Rache o Procópio". Lançou em 2002, na Embaixada do Brasil em Lisboa, a edição portuguesa de seu romance "Vida, paixão e morte de Etelvino Soares", versão romanceada da atormentada trajetória do jornalista Deolindo Barreto. A obra de Lustosa da Costa representa um marco da nossa tradição literária moderna e a seu respeito já se manifestou a crítica favoravelmente, me parecendo justo destacar o que escreveu o poeta e ensaísta José Alcides Pinto: "O material com que trabalha é o mesmo da ficção – a ficção de vanguarda, a de um Gabriel Garcia Márquez, por exemplo, ou de outros grandes vultos da literatura latino-americana. A caracterização dos personagens é perfeita, e em seu registro história e memorialística se juntam numa grandeza meridional e abrangente". Sobre sua obra ensaios e artigos importantes vêm sendo publicados no correr do tempo, tais aqueles redigidos por Evaristo Linhares, Moreira Campos, Adelto Gonçalves e Paulo Elpídio de Menezes Neto. Segundo Milton Dias, "Lustosa da Costa se inscreve na lista dos melhores cronistas brasileiros – nome respeitado, estimado, admirado; freqüentador diário da imprensa conseguiu um público numeroso e atento que corre ao jornal diariamente, fiel à sua colaboração de todo dia". Acabo de ler seu livro e chego à conclusão de que ele – sobralense a valer nestas crônicas, feitas da mesma composição de seu rincão à beira do Acaraú – se nos apresenta o mais cáustico demolidor de fatuidades e carunchadas reputações, e – o incrível – faz tudo isso envolvido do mais puro senso de humor. Sua capacidade de encadear figuras e fatos em sucessão é o mérito maior do criador de tantos personagens divertidos, às vezes, turbulentos, que lembram as excentricidades dos heróis cômicos de Dickens. Não que seus personagens de carne e osso fossem cômicos – mas que assim nos são apresentados – na recriação fabulosa do cronista que une a psicologia ao estilo numa gota de tinta, com veneno e luz, caricatura da vida urbana-cotidiana da pequena cidade de Sobral, do início do século passado. Sobral é cidade de filhos ilustres – ou que se tornaram interessantes mesmo depois da morte. Terra do filósofo Visconde de Sabóia, Domingos Olímpio, Padre Ibiapina, Dom Jerônimo, Dom José Lourenço, Dom José Tupinambá da Frota, Vicente Loiola, José Sabóia, Cordeiro de Andrade, Deolindo Barreto, que veio de Crateús para viver, lutar e morrer ali. Uma galeria interminável de padres, políticos, jornalistas, escritores e poetas de boa cepa. E tudo começou com uma fazenda de nome Caiçara, de propriedade do Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, cujo nome está ligado à história da cidade pela doação feita ao patrimônio da Matriz. Ao redor da Igreja surgiram as primeiras casas da povoação, quase sempre de tijolos – cobertas de telhas – pertencentes a pessoas de boa linhagem, das quais descende grande parte das famílias sobralenses. Depois do Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, outros sesmeiros vieram ali se estabelecer – Manoel Madeira de Matos, Manoel Vaz de Carrasco, pai das sete irmãs, progenitoras das principais famílias do Vale do Acaraú [estabelecido no atual município de Bela Cruz], Jerônimo Machado Freire, Capitão-mor José de Xerez Furna Uchoa, [estabelecido em Bela Cruz, depois em Sobral], Antônio Alves Linhares, Capitão-mor José de Araújo Costa, meu pentavô, português [estabelecido também em Bela Cruz, casado com d. Brites de Vasconcelos, uma das sete irmãs], Ignácio Gomes Parente, Gonçalo Ferreira da Ponte e, logo em seguida, os Frotas, os Coelhos, os Holandas Cavalcantes, os Rodrigues Limas, os Ferreiras Gomes, os Mendes Vasconcelos, os Paulas Pessoas, os Ximenes de Aragão e tantos outros que adquiriram sesmarias no Vale do Acaraú. Vieram das capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e até mesmo de Portugal. E ali ficaram encantados ou encantoados com as águas do Rio Conoribon, Conoribo, Coruybe, Rio dos Torrões Pretos, Rio das Garças, segundo as diversas denominações que lhe deram seus primitivos habitantes. E foi ali, à beira do rio, que nasceram [viveram suas proezas e escaramuças] as personagens do livro de Lustosa da Costa. Ao encerrar essa desataviada prosa, quero dizer ao ilustre escritor que tive muito prazer em escrevê-la, assim como também experimentei ao ler o seu livro. E o prazer maior é fechá-la com chave de ouro, lembrando o impávido jornalista Deolindo Barreto: "Conte-se o caso como o caso foi, o cão é cão e o boi é boi". Vicente Freitas

Ao cair da tarde

Recebi ontem o precioso livro “Ao cair da tarde” [Editora ABC, Fortaleza] de Lustosa da Costa, e de uma sentada, ou melhor, deitada [mania que tenho de ler num velho tucum de embira de carnaúba] consumi as 96 crônicas enfeixadas nesse mimoso volume de 150 páginas. “Ao cair da tarde”, pelo título, já é um poema, um verso de cinco sílabas, quer nas crônicas do cotidiano, quer no perfil de amigos ou inimigos, quer nas suas observações de viagem – o livro se banha com a unção de um lirismo encantador. Suas crônicas parecem esconder uma complexidade pressentida sob límpida naturalidade, numa prosa divagadora de quem conversa distraído, passando o tempo, sem se preocupar com o jeito de falar. E, no entanto, uma prosa cheia de achados de linguagem – uma sintaxe livre e flexível – propiciando poesia num ritmo leve e doce que nem caldo de cana espremida. Uma experiência que se transmite por estórias, que parece vir de outros tempos e retomar o fio da tradição oral, tal qual os contadores de causos espalhados por estes rincões de Maria Bonita e Lampião. Lustosa da Costa, cronista hoje consagrado, começou no jornalismo, ainda nos anos 50, no Correio da Semana, da sua querida e sempre lembrada fidelíssima cidade Januária do Acaraú. Época da popularização dos veículos de comunicação de massa, quando o jornalismo conquistava enormes contigentes de leitores – promovia o consumo, suicídio de presidente, destituía ministros e cassava deputados, como hoje. Era, enfim, o chamado “quarto poder”. Ou é. Como afirmou Mário de Andrade, que conto é aquilo que o autor do conto afirma ser conto, tal definição se aplica ainda com mais propriedade à crônica moderna brasileira. Por ela se poderá verificar o quanto é variável de um para outro o conceito desse gênero literário que engloba tudo: lembranças de infância, flagrantes do cotidiano, considerações literárias, notas de viagem, tipos inesquecíveis, páginas de memórias, bricabraque e tal. Lustosa da Costa merece o nosso carinho e a nossa admiração, no momento em que lança mais um livro, dando continuidade, assim, à sua vocação literária, numa terra em que a crônica tem excelentes cultores, nas obras de um Ribeiro Ramos, Rachel de Queiroz, Milton Dias, Ciro Colares, João Clímaco Bezerra, João Jacques, Osmundo Pontes, Padre Antônio Vieira, Airton Monte e tantos expoentes da literatura cearense. O que nos deixa sorumbáticos [sorumbáticos?] é que a maioria deles já viajou pra cidade dos pés juntos. Então, que viva. Viva muito. Viva Lustosa. Entre, amigo leitor, ao cair da tarde, no mundo mágico de Lustosa. Estas crônicas – poesia do cotidiano – a partir de agora em forma de livro, passam a ser um bem comum de todos nós. Venha participar dessa festa da inteligência, que é a convivência com Lustosa da Costa. VICENTE FREITAS - licenciado em história e geografia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA. É autor de vários livros e escreve artigos e ensaios para jornais, revistas e internet.

sábado, novembro 22, 2008

Adeus ao Padre Aureliano Diamantino Silveira (1929 - 2008)

VICENTE FREITAS Aureliano Diamantino Silveira – Padre. Professor. Advogado. Escritor, – vem desenvolvendo ao longo da sua vida, intensa atividade intelectual. E o faz revelando três cousas fundamentais: honestidade de propósitos, base cultural e espírito de justiça. Ainda muito moço emigrou para a cidade, em busca de vida nova. Mas, durante sua permanência distante do torrão natal – sua querida Bela Cruz foi sempre a evocação de todos os momentos. Pois foi ali que ele nasceu, na fazenda Lagoa Seca, distrito de Santa Cruz. Logo o menino Diamantino entrou em contato com as vilas de Santa Cruz, Cruz, Marco, e outras cidades como Camocim, Acaraú, Santana do Acaraú e Sobral. Em Correguinho, aprendeu a carta de A B C, com dona Amélia, sua primeira professora; em Camocim, assimilou as primeiras letras, com sua tia Mundica; em Lagoa do Mato, com o professor Raimundo Major, desenvolveu a leitura; em Santa Cruz, ingressou na escola municipal, cursando o primário, com a professora – sua prima – dona Geralda Lopes Araújo. Em Sobral, fez o ginásio e o segundo grau, no Seminário São José. Finalmente, em Fortaleza, conclui o curso de Filosofia e Teologia, na Prainha. Além da formação acadêmica em Teologia, ainda concluiu o bacharelado em Direito e a licenciatura pedagógica, o que lhe proporcionou habilitação para exercer o magistério universitário em algumas instituições de ensino superior, no Rio de Janeiro, onde redigiu os livros, que tenho agora a honra de apresentar ao público. Sua dedicação incansável à palavra escrita estendeu-se igualmente à palavra falada. Tanto gosta de escrever, quanto de discursar. Seus discursos geralmente são breves, e agradam pela naturalidade com que profere a frase abundante e expressa o pensamento espontâneo. Aprecia tanto a conversa amena e simples das rodas de amigos, quanto a formalidade solene das preleções e conferências. São seus lazeres prediletos a prática da oratória, o exercício da literatura e a arte de fazer amigos. Por ser homem dedicado ao uso da palavra – a principal mediação da comunicação e do relacionamento humanos – , não é estranho que pertença, como sócio, a várias instituições culturais e academias, locais onde a fala é sempre farta e as letras abundantes. Ele escreve, simplesmente, como quem fala e fala, simplesmente, como quem escreve. Prefere a frase comum, usual, acessível a todos. E isto lhe conta em crédito, pois nada mais fácil do que escrever difícil. Por tudo isso, não é escritor de aprimorar o estilo com palavras bem ajustadas ou construir períodos com excessiva pureza de linguagem. O que lhe importa é transmitir o que pensa, como quem se desobriga de um dever sagrado. Diga-se mais que é assíduo escrevedor de cartas, sendo proverbial a pontualidade em enviá-las e respondê-las. É grande a correspondência que mantém com entidades e homens de letras de vários pontos do Brasil. Dizia o grande pregador Pe. Antônio Vieira, que o melhor retrato de um homem é aquilo que ele escreve, pois “o corpo retrata-se com o pincel; a alma com a pena”. Se é assim, o nosso escritor já se fotografou a si mesmo, e superabundantemente. O grande destaque de sua produção de escritor, é seu trabalho enciclopédico, – UNGIDOS DO SENHOR na Evangelização do Ceará (Premius Editora, 2004), onde faz o registro de todos os sacerdotes que nasceram no Ceará ou vieram de outros estados e/ou países para cumprirem aqui o seu papel evangelizador. Um trabalho minucioso de pesquisa que resultou em 3 volumes, com mais de 1500 páginas, e que fornece informações preciosas sobre a Igreja Católica e seus padres, em nosso Estado. Pois o autor trabalhou incansavelmente durante doze anos e visitou centenas de bibliotecas e arquivos, para recolher o rico acervo de dados e informações que conseguiu reunir para compor este livro de indiscutível utilidade histórica e de multiforme serventia biobibliográfica. Hoje é, sem dúvida, um dia memorável para Bela Cruz, porque um de seus filhos mais ilustres, lança dois livros simultaneamente: “O Olhar que Fala” e “Eu Sou o Pão Vivo Descido do Céu”. Frutos do estudo, da experiência, da perseverança e da pertinácia, do nosso escritor. Pois ele tem a convicção de que a parceria entre o tempo e o trabalho transforma uvas em vinho, trigo em pão, argila em tijolos, palavras em poemas, histórias em livros. Assim tem sido a vida do professor Aureliano Diamantino Silveira, meu primo e amigo. Nosso conterrâneo. Para ele os nossos parabéns e nossos aplausos. Muito obrigado. O Padre e Professor Aureliano Diamantino Silveira, faleceu no dia 20 de novembro de 2008, e foi sepultado em Bela Cruz, Ceará, sua terra natal. Obs. Acima a apresentação do autor e seus livros, feita por Vicente Freitas, lançados no Instituto Imaculada Conceição, em Bela Cruz, Ceará, dia 12 de dezembro de 2006. Na foto: da esquerda para a direita: Irmã Adriana, Vicente Freitas, Aureliano Diamantino e Francisca das Chagas.