domingo, janeiro 19, 2025

INICIAÇÕES, DE ANDERSON BRAGA HORTA

                                                                                 Introdução


Iniciações, de Anderson Braga Horta, é uma obra de nuances literárias refinadas, que transcende as barreiras convencionais entre a poesia e a prosa. Anderson apresenta um conjunto de poemas-crônicas que, em sua essência, são “mininarrativas em clave de poesia”, nas quais a memória, a formação cultural e o sentimento de pertencimento emergem como protagonistas. Ambientada entre Goiás, Minas Gerais e Brasília, a obra é um testemunho literário da construção de uma identidade pessoal e cultural, que ressoa a universalidade de sentimentos enraizados no cotidiano.

A memória, em Iniciações, não é apenas um registro factual; é uma recriação artística de vivências que ganham novos contornos na escrita. Horta articula o lirismo para transformar paisagens e experiências íntimas em imagens universais. Os cenários da infância e juventude em Goiás e Minas Gerais tornam-se mais do que lugares: são símbolos de um passado que ainda pulsa no presente.

Cada poema revela-se como uma iniciação pessoal e cultural do autor. Horta conduz o leitor por uma jornada que entrelaça vivências individuais a um mosaico coletivo de referências literárias, musicais e históricas. Assim, a formação identitária do autor dialoga com o leitor, despertando reflexões sobre as próprias raízes.

Goiás, Minas Gerais e Brasília, mais do que cenários, são personagens centrais da obra. Horta as retrata com uma sensibilidade que revela tanto o olhar do poeta quanto o do memorialista. As ruas, os rios e as montanhas adquirem um protagonismo que vai além da geografia, refletindo um estado de alma que se perpetua em cada espaço narrado.

O estilo de Anderson Braga Horta em Iniciações mescla habilmente o narrativo e o poético, criando um híbrido literário que fascina pela inovação. Suas “mininarrativas” são construções de rara beleza, onde a musicalidade do verso dialoga com a fluidez da prosa, conferindo à obra uma estrutura atrativa.

A obra é atravessada por referências culturais que vão de clássicos literários a manifestações populares. Horta dialoga com tradições brasileiras e universais, destacando-se como um leitor apaixonado e um escritor erudito, sem perder a conexão com o popular.

Horta constrói seus poemas-crônicas com uma habilidade particular para transitar entre tempos. O passado e o presente coexistem em sua obra, não apenas em termos temáticos, mas também estilísticos, desafiando o leitor a navegar pelas várias camadas temporais que compõem sua narrativa.

A escrita de Anderson Braga Horta não apenas narra; ela canta. A musicalidade de suas palavras é cuidadosamente trabalhada, transformando cada poema em uma experiência quase sinestésica, onde o som e o sentido se fundem para amplificar a emoção.

A infância, como temática central, é abordada com um misto de nostalgia e reverência. Horta resgata suas memórias com o olhar de um adulto que compreende a profundidade desses primeiros anos, celebrando-os como alicerces de sua identidade.

Embora profundamente enraizada em contextos regionais, Iniciações dialoga com o universal. A obra transcende suas particularidades geográficas e históricas para abordar temas como o amor, a perda, o aprendizado e a passagem do tempo.

Iniciações se afirma como um testemunho literário de um Brasil multiforme. Anderson Braga Horta, com sua sensibilidade e maestria, oferece uma obra que convida à introspecção e ao reconhecimento do outro. Através de suas “mininarrativas”, ele reafirma o poder da literatura como espaço de encontro entre memórias e sonhos.

Iniciações é uma celebração da memória, do pertencimento e da linguagem. Anderson Braga Horta nos apresenta um universo literário que é, ao mesmo tempo, íntimo e expansivo, pessoal e universal. É uma obra que encanta pela sutileza, desafia pela profundidade e emociona pela beleza.

 

Estrutura e Forma

 

Iniciações, de Anderson Braga Horta, apresenta-se como um exemplo notável de experimentação literária, reunindo poesia, prosa e ensaio numa estrutura híbrida. Essa composição cria uma tessitura literária que não apenas se movimenta entre gêneros, mas também os funde, criando poemas que ressoam a linguagem do cotidiano e do transcendental. Essa abordagem reflete a inquietude criativa de Horta, cujo estilo desafia classificações tradicionais, promovendo um diálogo dinâmico entre o prosaico e o poético.

O livro, descrito por Ronaldo Cagiano como um “livro-documentário”, opera com uma narrativa que transcende o simples relato. Cada texto capta momentos específicos com uma sensibilidade poética que vai além da descrição, transformando o efêmero em algo atemporal. A obra documenta instantes cotidianos, mas o faz com um olhar que busca o universal no particular, reafirmando o poder da literatura em cristalizar o intangível.

A escolha de Horta pelos poemas-crônicas é estratégica e deliberada. Este formato, que combina a fluidez narrativa da prosa com a carga emocional e estética da poesia, confere ao livro um ritmo singular. As palavras não apenas narram, mas também evocam sensações e estados de espírito, transportando o leitor para um espaço onde forma e conteúdo se entrelaçam profundamente.

Iniciações trabalha com a memória como matéria-prima, mas não se limita a um exercício nostálgico. Pelo contrário, Horta transforma reminiscências em reflexões. Cada cena ou momento capturado no livro carrega uma dualidade: é simultaneamente específico e arquetípico, pessoal e coletivo, abrindo espaço para múltiplas leituras.

Uma das qualidades mais marcantes do livro é a habilidade do autor em elevar o cotidiano à esfera do poético. Pequenos gestos, objetos ou interações são descritos com uma riqueza de detalhes que os torna portadores de significados mais amplos. É como se Horta estivesse constantemente relembrando ao leitor que a transcendência pode ser encontrada nos recantos mais ordinários da vida.

Além de sua sensibilidade poética, Iniciações apresenta uma profundidade filosófica que emerge em suas reflexões sobre o tempo, a finitude e o eterno. Horta propõe, por meio de sua escrita, uma meditação sobre a condição humana, explorando temas que ressoam com a experiência de qualquer leitor.

A linguagem de Anderson Braga Horta é notável por sua musicalidade. Mesmo em passagens mais prosaicas, há um ritmo quase melódico que convida o leitor a saborear as palavras lentamente. Essa cadência literária reforça o caráter híbrido da obra, em que cada texto se torna uma espécie de performance literária, uma celebração do verbo.

Embora Iniciações seja uma obra experimental, ela não ignora a tradição literária. Pelo contrário, o livro estabelece um diálogo com diferentes correntes e gêneros, evocando tanto a poesia clássica quanto as vanguardas. Horta demonstra um profundo respeito pela história da literatura, ao mesmo tempo em que busca expandir seus limites.

Ao transformar cenas cotidianas em peças literárias densas, Horta revela sua capacidade de encontrar o universal no particular. Essa habilidade de extrair significados amplos de situações singulares não é apenas um testemunho de sua maestria literária, mas também de sua visão humanista, que reconhece a beleza e a profundidade em cada fragmento da vida.

Iniciações não é apenas uma obra literária; é também um manifesto sobre o poder transformador da literatura. Ao desafiar categorias e criar um espaço onde gêneros se encontram, Horta nos convida a repensar nossas próprias concepções de arte e narrativa. O livro reafirma o compromisso do autor com a experimentação e a busca por novas formas de expressão, consolidando seu lugar como um dos grandes inovadores da literatura contemporânea brasileira.

 

Memória e Nostalgia

 

Anderson Braga Horta, em Iniciações, entrelaça a profundidade de uma poesia lírica com o resgate de experiências que transcendem o indivíduo e ressoam na coletividade. A memória emerge como o cerne dessa obra, funcionando não como um simples registro do passado, mas como uma teia sensível que conecta o leitor às paisagens, aos sentimentos e às reflexões do autor.

Longe de ser um lamento nostálgico, a saudade em Iniciações torna-se força criadora. Horta revisita seu passado com olhos que buscam no detalhe a essência da experiência humana. O ato de lembrar é carregado de afeto e precisão, destacando a amburana na praça de Vila Boa de Goiás como um exemplo emblemático. Essa árvore, tão enraizada no bioma e na cultura local, é descrita como mais do que um elemento físico: ela é um marco temporal, uma testemunha silenciosa da transição da infância para a maturidade.

A amburana, com sua madeira aromática e presença marcante, adquire em Iniciações um significado simbólico. Sua descrição não apenas celebra a riqueza natural da região, mas também convida o leitor a refletir sobre a passagem do tempo e a inevitável perda da inocência. A árvore transforma-se em metáfora para a fragilidade das lembranças e para a força do que permanece intocado pela corrosão do tempo: as raízes da experiência vivida.

Horta mostra-se um herdeiro da tradição literária brasileira que valoriza o regional sem aprisionar-se nele. O olhar que recai sobre Vila Boa de Goiás e seus elementos naturais revela uma interseção entre o particular e o coletivo. Embora enraizada em contextos específicos, a obra transcende o local ao evocar sentimentos e questões que ressoam em qualquer leitor.

A memória em Iniciações não se limita a uma reconstrução estática de um tempo perdido; é, antes, um resgate afetuoso e dinâmico, onde o passado conversa com o presente. Horta traz à tona lembranças que não apenas narram, mas iluminam: cada palavra, cuidadosamente escolhida, carrega a textura de uma experiência vivida e profundamente sentida.

A saudade em Horta não se traduz em melancolia passiva, mas em um lamento contido que reconhece a perda da inocência como parte essencial do crescimento. Esse reconhecimento atravessa sua obra e dá à nostalgia uma dimensão construtiva: é a partir do que foi perdido que o poeta constrói sua visão madura do mundo.

A presença da amburana e outros elementos naturais em Iniciações reflete uma conexão com o mundo natural. Horta não vê a natureza como cenário, mas como personagem, com papel ativo na formação do eu poético. A árvore é um símbolo de pertencimento, um elo entre a identidade individual e o espaço que a molda.

Em Iniciações, Anderson Braga Horta confirma-se como um mestre da poesia da memória. Sua habilidade em transformar elementos do cotidiano é uma das grandes forças de sua obra. Cada página é uma janela para um passado que se faz presente, cada palavra, uma ponte.

A obra de Horta, em sua complexidade e delicadeza, reafirma a importância da literatura como espaço de preservação e ressignificação da memória. Iniciações não é apenas um livro sobre o passado, mas um convite a revisitar o que nos torna humanos: nossas raízes, nossos afetos e nossa capacidade de transformar a saudade em poesia.

Com Iniciações, Anderson Braga Horta nos lembra que, embora o tempo passe e a inocência se perca, as lembranças, como a amburana em Vila Boa, permanecem como testemunhas silenciosas de nossa trajetória.

 

Formação da Identidade

 

Anderson Braga Horta, em Iniciações, nos conduz por um caminho profundamente humano e poético, onde a construção de sua identidade emerge como tema central. A obra se apresenta como um mosaico de experiências, leituras, memórias e reflexões, cada elemento cuidadosamente disposto para revelar os contornos de sua formação enquanto ser humano e artista.

Logo nas primeiras páginas, a relação de Horta com a literatura se revela essencial. Ele não apenas descreve sua interação com os textos, mas os situa como agentes transformadores, verdadeiros marcos de iniciação em sua jornada pessoal e criativa. O impacto de “Pequenino Morto”, de Vicente de Carvalho, exemplifica isso de maneira tocante. O poema, com sua carga emocional e reflexiva, transcende a mera leitura e se torna um portal para a descoberta do poder da palavra poética. Horta reconhece, naquele instante, que a poesia não é apenas uma forma de expressão, mas também um caminho para compreender a existência em toda a sua complexidade.

Iniciações também é uma reflexão sobre a herança literária e cultural que molda o autor. As leituras que cruzam sua formação, desde os clássicos da poesia brasileira e universal até os pequenos fragmentos da sabedoria popular, ressoam ao longo da obra. No entanto, Horta não se contenta em ser um eco de seus predecessores; ele reivindica sua voz própria, como quem, ao dialogar com o passado, constrói uma ponte para o futuro.

Os poemas-crônicas, como Horta a apresenta, é um gênero híbrido e singular, um reflexo de sua busca por liberdade formal e expressiva. Nesse formato, ele integra narrativa e lirismo, memória e invenção, o cotidiano e o eterno. É nessa interseção que se manifesta sua identidade autoral, uma síntese de influências externas e a internalização de experiências.

Em Iniciações, a literatura não é apenas uma prática estética, mas também um processo de formação do mundo interior. Ao mergulhar em textos literários, Horta descobre novas perspectivas e reorganiza sua visão de si mesmo e da realidade que o cerca. A literatura torna-se uma espécie de bússola, um instrumento que orienta sua trajetória.

A escolha de Anderson Braga Horta por Vicente de Carvalho como marco em sua formação não é casual. O tom humanista e melancólico de “Pequenino Morto” encontra eco em sua sensibilidade, e a reflexão sobre a transitoriedade da vida ali presente parece inaugurar um processo de amadurecimento poético. Essa conexão entre leitor e texto demonstra como a literatura pode ser tanto espelho quanto janela: um reflexo de quem somos e uma abertura para o que podemos nos tornar.

Iniciações é mais do que um livro; é um testemunho de como a arte molda o indivíduo e de como o indivíduo, por sua vez, se reinventa através da arte. Anderson Braga Horta constrói uma narrativa lírica que transcende o pessoal e dialoga com o universal.

Ao longo de suas páginas, Horta nos convida a refletir sobre nossas próprias iniciações: quais obras nos moldaram? Quais experiências foram fundamentais para nos tornarmos quem somos? E, talvez o mais importante, como continuamos a nos formar, dia após dia, à medida que novas leituras e experiências nos atravessam?

Iniciações nos lembra de que a literatura é, antes de tudo, uma jornada. Uma jornada de descoberta, transformação e, acima de tudo, humanidade.

 

O Lúdico e o Afetivo

 

No livro Iniciações, Anderson Braga Horta revisita as memórias da infância com um lirismo que cativa pela leveza. A atmosfera afetiva de momentos como brincadeiras com os irmãos e viagens pelo entorno da casa é narrada com tal sensibilidade que transcende a mera nostalgia. Essas passagens revelam a riqueza das experiências simples, mostrando como os laços familiares moldam a percepção do mundo. Horta consegue transformar cenas do cotidiano em pequenos atos poéticos que celebram a vitalidade da infância.

A abordagem de Horta enaltece as coisas simples, capturando com precisão os detalhes do cotidiano. Ele encontra poesia em gestos rotineiros e paisagens comuns, como se cada fragmento do passado contivesse uma epifania oculta. Essa habilidade de ressignificar o banal demonstra a capacidade do autor de transformar o ordinário em algo extraordinário, aproximando o leitor de suas próprias memórias afetivas.

Em Iniciações, o tempo não é apenas um pano de fundo, mas um personagem ativo que dialoga com o eu lírico. Horta reflete sobre sua passagem, explorando a coexistência do presente com os ecos do passado. Esse recurso oferece uma profundidade temporal que confere à obra uma dimensão quase filosófica, levando o leitor a contemplar sua própria relação com o tempo e a memória.

A natureza é uma presença constante em Iniciações, ora como cenário, ora como metáfora. As descrições de paisagens e elementos naturais são pintadas com um vocabulário rico e sensorial, conferindo às cenas uma qualidade quase pictórica. Essa interação entre o eu lírico e o mundo natural reflete o papel do ambiente na construção da subjetividade, um tema recorrente na poesia de Horta.

A obra se destaca pela cadência de sua escrita, com versos que fluem de forma natural e melodiosa. Anderson Braga Horta demonstra um domínio técnico notável, equilibrando forma e conteúdo. Essa musicalidade é essencial para o tom nostálgico da obra, reforçando o caráter lírico das reminiscências e criando uma experiência de leitura imersiva.

O imaginário infantil em Iniciações é tratado com uma autenticidade que encanta. As fantasias, medos e descobertas da infância são descritos com um olhar genuíno, sem perder de vista a complexidade emocional que os acompanha. Horta celebra a ingenuidade e a curiosidade do olhar infantil, mostrando como essas qualidades moldam a percepção do mundo adulto.

Os laços familiares são um dos pilares da obra, apresentados como fontes de aprendizado, afeto e pertencimento. Anderson Braga Horta escreve sobre os vínculos familiares com um respeito e uma ternura que contrastam com os retratos frequentemente ásperos encontrados na literatura contemporânea. Essa perspectiva calorosa reforça a ideia de que a infância é, em grande parte, definida por essas conexões.

Embora profundamente pessoal, Iniciações atinge uma universalidade que permite ao leitor se identificar com as experiências narradas. Anderson Braga Horta explora sentimentos e situações que transcendem as particularidades de sua própria vivência, tornando a obra acessível e tocante para um público amplo.

A simplicidade aparente dos poemas-crônicas de Iniciações oculta uma profundidade que só se revela na leitura atenta. Horta utiliza uma linguagem clara e direta, mas rica em significados implícitos e nuances emocionais. Essa dualidade reflete a complexidade da memória, reafirmando o talento do autor em equilibrar forma e conteúdo.

Iniciações é uma celebração da infância, da memória e das relações humanas. Anderson Braga Horta nos lembra da importância de valorizar os momentos simples e os afetos que nos moldam. A obra se estabelece como um testemunho poético. Por meio dela, o leitor é convidado a revisitar suas próprias iniciações, enriquecendo-se com a beleza da palavra e a profundidade do sentir.

 

A Natureza como Personagem

 

Anderson Braga Horta constrói em Iniciações um universo em que a natureza não é apenas cenário, mas uma entidade viva, pulsante. O autor evoca os sentidos com maestria, como no sabor marcante do pequi e no aroma do doce de buriti, transcendendo a materialidade e transportando o leitor para uma experiência sinestésica. Essa escolha estilística não apenas enriquece a narrativa, mas também insere a natureza como uma força que molda a identidade e a memória.

O rio Bagagem emerge como um protagonista simbólico e real na obra. Suas águas são testemunhas das transições e ritos que compõem o enredo, ao mesmo tempo em que refletem a grandiosidade e a fragilidade do ambiente natural. Anderson Braga Horta utiliza o rio como metáfora da continuidade e transformação, reforçando o caráter cíclico das experiências humanas em harmonia com o mundo natural.

Na obra, a natureza é também o depositário de saberes ancestrais. Os elementos naturais, como o buriti e o cerrado, carregam histórias e tradições que conectam os personagens ao passado e ao território. Horta celebra essa relação íntima, ao mesmo tempo em que alerta para a perda de memória cultural que acompanha a degradação ambiental.

Com evidente influência do regionalismo brasileiro, Anderson Braga Horta não apenas retrata os cenários do cerrado, mas também os vivifica, conferindo-lhes um dinamismo que rivaliza com os personagens. O autor dá voz às paisagens, permitindo que a natureza se expresse e influencie a narrativa.

O pequi, fruta emblemática do cerrado, assume um papel quase místico em Iniciações. Seu sabor intenso é descrito de forma tão vívida que se torna uma experiência quase tátil para o leitor. Ao focar nesse fruto, Horta realça a complexidade da interação entre o homem e a natureza, transformando o simples ato de comer em um rito de pertencimento.

Horta enfatiza a interdependência entre os personagens e o ambiente que os cerca. A natureza não é apenas um cenário estático, mas um organismo vivo que responde às ações humanas. A obra reflete uma filosofia ecocêntrica, em que o equilíbrio entre os dois mundos é essencial para a preservação de ambos.

O cerrado brasileiro, com sua vegetação retorcida e beleza austera, é representado como um espaço de iniciação espiritual e transformação. Ao posicionar o cerrado como o núcleo da narrativa, Horta captura a essência de um bioma que é simultaneamente rico e ameaçado, enfatizando sua importância ecológica e cultural.

Água, terra, fogo e ar desempenham papéis significativos em Iniciações. Cada elemento contribui para a formação do ambiente e para o desenvolvimento dos personagens. Horta utiliza essa narrativa elementar para construir uma mitologia própria, em que a natureza é tanto refúgio quanto desafio.

Apesar da celebração da natureza, Horta também alerta para sua fragilidade frente às ameaças humanas. A degradação do cerrado e a exploração desmedida de seus recursos são mencionadas com uma preocupação que ressoa a consciência ambiental contemporânea. A narrativa combina lirismo e crítica, instigando o leitor a refletir sobre seu papel na preservação do meio ambiente.

Iniciações é uma obra que exige do leitor uma postura ativa de contemplação. Anderson Braga Horta utiliza a linguagem como ferramenta para reaproximar o homem da natureza, resgatando um vínculo que, em tempos modernos, parece cada vez mais tênue. A obra celebra a beleza do natural, mas também clama por um compromisso ético com sua preservação. Assim, o leitor não apenas lê Iniciações; ele é iniciado numa nova forma de enxergar e sentir o mundo.

 

A Influência Familiar

 

No cerne de Iniciações, Anderson Braga Horta revela o papel fundamental da família como alicerce de suas vivências e construções poéticas. Os pais, avós e tios não apenas oferecem apoio emocional, mas também são guardiões de histórias, tradições e memórias que moldam a visão do narrador. As narrativas orais, contadas em noites acolhedoras, não são apenas entretenimento; elas atuam como elos entre gerações, mantendo viva a essência do passado enquanto se insinua no presente do autor.

A descrição das paisagens de Goiás, estado natal de Horta, transcende o mero cenário. Elas se tornam personagens vivas, imbuídas de alma e significados, refletindo tanto as influências externas quanto os estados internos do narrador. Montes, rios e vales dialogam com a sensibilidade do autor, criando um vínculo quase espiritual entre homem e natureza. Esse elemento reforça a ideia de que o ambiente é também um tutor no processo de iniciação da vida e da poesia.

Horta equilibra magistralmente a tradição e a modernidade, um traço marcante em sua escrita. Em Iniciações, ele navega entre as memórias de uma infância enraizada nos costumes locais e a aspiração por horizontes mais amplos e universais. A dicotomia entre o antigo e o novo não é conflitante, mas antes complementar, tecendo uma narrativa que celebra o passado sem abandonar a necessidade de transformação.

A obra se destaca pela busca de identidade e pela formação do eu poético. Cada experiência narrada — seja a primeira leitura de um poema, o encantamento com uma obra de arte ou a descoberta de uma ideia filosófica — é uma peça do mosaico que constitui o artista e o ser humano. Anderson Braga Horta expõe, com delicadeza, como cada fragmento de sua vivência contribui para o fortalecimento de sua voz.

Em Iniciações, a linguagem é elevada ao status de ritual. Horta trata cada palavra com reverência, conferindo-lhe um poder quase místico. A escolha de termos precisos e imagens vívidas transforma a leitura em uma experiência sensorial e transcendental. Nesse contexto, a escrita se torna tanto um meio de expressão quanto uma forma de iniciação espiritual e intelectual.

A obra também explora as heranças culturais e literárias que influenciam o autor. Referências à literatura brasileira e universal pontuam o texto, demonstrando como Horta se coloca em diálogo com grandes nomes do cânone. No entanto, ele não se limita a reverenciar essas influências; em vez disso, recria e personaliza suas lições, produzindo algo genuinamente original.

A memória, um tema recorrente na literatura de Horta, é central em Iniciações. O autor revisita o passado com uma nostalgia que é ao mesmo tempo doce e reflexiva. Ele não se limita a idealizar suas recordações, mas também as analisa criticamente, encontrando nelas as raízes de suas ansiedades, paixões e convicções.

As experiências singulares do autor — sua infância, seus dilemas e suas descobertas — ressoam com qualquer leitor que já buscou compreender seu lugar no mundo. Essa conexão é um dos aspectos que tornam a obra tão envolvente e atemporal.

A musicalidade da escrita de Horta é notável. Os ritmos e pausas, cuidadosamente orquestrados, ressoam a melodia da vida que ele descreve. Essa cadência confere à obra uma qualidade poética inegável, mesmo nas passagens mais prosaicas, sublinhando a ideia de que a poesia não está restrita ao verso, mas atravessa toda a existência.

Iniciações não é apenas um relato de formação; é um convite ao leitor para trilhar sua própria jornada de autodescoberta. Ao compartilhar suas vivências, Horta inspira a reflexão sobre os elementos que moldam cada indivíduo. Assim, a obra transcende as fronteiras de uma autobiografia literária para se tornar um espelho da experiência do autor.

Em resumo, Anderson Braga Horta entrega em Iniciações uma obra que é ao mesmo tempo íntima e universal, celebrando a complexidade da vida e a beleza das iniciações que a compõem.

 

Aventura e Descoberta

 

Anderson Braga Horta, em Iniciações, retrata a juventude como um período marcado por uma ânsia de aventura e pela descoberta de si mesmo. As lições de natação no Poço da Carioca são mais do que memórias de infância; elas simbolizam o enfrentamento dos desafios que moldam a transição para a vida adulta. O mergulho nas águas cristalinas e imprevisíveis se torna uma metáfora para a imersão nos mistérios da existência, traduzindo o fascínio do autor pela superação de limites.

As águas do Poço da Carioca não são apenas um cenário, mas também um símbolo da fluidez da vida e da constante mudança que caracteriza o amadurecimento. Braga Horta utiliza esse espaço físico como um ponto de partida para refletir sobre o fluxo das experiências humanas, onde cada mergulho representa um salto de fé, uma busca pela compreensão e pela coragem.

A narrativa sugere que a juventude é um período de iniciação, no qual os episódios de exploração se tornam ritos de passagem essenciais. As aventuras de Braga Horta, descritas com detalhes, são momentos de aprendizado, onde os medos são enfrentados e as habilidades são desenvolvidas. Isso ressoa com a universalidade da experiência juvenil, fazendo com que o leitor se identifique com as emoções retratadas.

O autor revela sua capacidade de transformar momentos cotidianos em reflexões profundas. As lições de natação, descritas com um olhar poético, ganham um caráter quase mítico, demonstrando como Braga Horta constrói sua narrativa com uma linguagem rica e simbólica. A simplicidade dos eventos é elevada à complexidade da existência.

Braga Horta explora a temática da superação de limites como uma constante em Iniciações. As águas profundas do Poço da Carioca, inicialmente intimidantes, são conquistadas pelo jovem. Este momento de vitória pessoal ressoa como uma celebração do esforço em superar obstáculos e, ao fazê-lo, descobrir mais sobre si mesmo.

O cenário do Poço da Carioca é apresentado como um personagem vivo, cuja presença é quase palpável. Braga Horta descreve com minúcia a beleza natural do local, mas também destaca sua dualidade: o poço é ao mesmo tempo acolhedor e desafiador, refletindo a própria dualidade da vida e dos desafios que ela impõe.

Em Iniciações, a infância não é apenas um período a ser lembrado, mas a fundação sobre a qual se constrói a vida adulta. As lições de natação, os jogos e as primeiras aventuras moldam o caráter e definem as escolhas futuras. Para Braga Horta, revisitar esses momentos é um exercício de entendimento e gratidão.

Iniciações é mais do que uma obra sobre aventuras juvenis; é um convite à introspecção. Braga Horta nos lembra da importância de olhar para trás, não com nostalgia, mas com o objetivo de compreender como os primeiros mergulhos nas águas da vida moldaram quem somos. O texto é um tributo à força do espírito e à beleza da descoberta.

 

A Musicalidade da Linguagem

 

A obra Iniciações, de Anderson Braga Horta, é um convite à imersão em uma poética profundamente musical. Desde o primeiro verso, a cadência rítmica e a escolha cuidadosa das palavras remetem à oralidade, evocando não apenas o som, mas também o espírito das canções populares que moldaram a infância do autor. Essa musicalidade transcende o texto, funcionando como um elo entre o leitor e as raízes culturais que o autor tão habilmente traduz em poesia.

Horta revisita as memórias sonoras de sua infância com uma delicadeza que ressoa em cada estrofe. A presença de ritmos e melodias populares, como ecos de cantigas e folguedos, confere ao texto um aspecto nostálgico. Ao fazer isso, ele transforma essas referências em elementos estruturais de sua poesia, provando que a musicalidade não é apenas um adorno, mas um pilar da construção poética.

Um dos traços mais marcantes de Iniciações é a integração do verbo com o som. A escolha das palavras, os jogos de aliteração e a repetição são utilizados de forma a criar composições que mais parecem partituras. Esse trabalho meticuloso transforma o poema em uma experiência sensorial, onde o leitor é conduzido não só pela significação, mas também pelo ritmo e melodia implícitos no texto.

As canções populares, que atravessam a memória coletiva brasileira, aparecem em Iniciações como uma matriz poética. Horta apropria-se de suas estruturas e cadências para explorar temas universais como o amor, a morte e o tempo. A simplicidade dessas formas, no entanto, é elevada a um nível de sofisticação artística.

Em Iniciações, a musicalidade não está confinada à ornamentação estilística; ela funciona como uma estrutura narrativa. O ritmo do texto imita os altos e baixos das emoções, enquanto as mudanças de tom e compasso espelham a fluidez das experiências de vida. Essa estratégia narrativa amplia a ressonância emocional da obra, criando um diálogo íntimo entre texto e leitor.

Além da oralidade e da influência popular, Horta também dialoga com formas clássicas da poesia. Sonetos, versos decassílabos e outras estruturas tradicionais são revisitados com um frescor que combina tradição e inovação. Essa ressureição formal demonstra não apenas o domínio técnico do autor, mas também seu desejo de unir passado e presente em um único fluxo melódico.

A musicalidade de Iniciações não é puramente técnica; ela é profundamente emocional. A sonoridade das palavras reflete e amplifica os sentimentos evocados pelo texto, criando uma simbiose entre forma e conteúdo. Essa fusão faz com que cada poema se torne uma experiência completa, em que som e significado se entrelaçam de maneira inseparável.

Ao explorar a tradição oral, Horta recupera um patrimônio poético que muitas vezes é negligenciado na literatura contemporânea. Ele demonstra que o poder da palavra falada, com sua música, pode ser tão impactante quanto a palavra escrita. Em Iniciações, a poesia oral é celebrada e perpetuada, garantindo sua relevância no presente.

A musicalidade de Horta reflete não apenas sua sensibilidade como poeta, mas também seu ouvido apurado para as nuances do som. Ele sabe exatamente quando acelerar ou desacelerar o ritmo, quando usar uma rima inesperada ou uma pausa estratégica. Esse domínio técnico é o que torna Iniciações uma obra tão rica e envolvente.

Iniciações nos lembra da universalidade da música como linguagem. Braga Horta, ao incorporar musicalidade em sua poesia, transcende barreiras linguísticas e culturais, tocando algo profundamente humano. Sua obra nos convida a escutar, a sentir e a vivenciar a poesia não apenas com os olhos, mas com todo o ser, como uma sinfonia que ressoa dentro de nós.

 

A Complexidade da Identidade Brasileira

 

No cerne de Iniciações, de Anderson Braga Horta, encontra-se a tentativa de compreender o Brasil em sua multiplicidade. A obra transforma-se em um espaço ritualístico de reflexão e autodescoberta, onde o poeta explora a interseção de ancestralidades indígenas, africanas e europeias. Cada verso carrega o peso de tradições, memórias e vozes coletivas que se mesclam para formar a essência da identidade nacional.

Horta demonstra uma profunda reverência às raízes indígenas do Brasil, evocando imagens de mitos e cosmologias que constituem o fundamento espiritual do território. Sua poesia transcende o descritivo, promovendo uma experiência sensorial. A relação com a natureza é central, tanto como espaço físico quanto como dimensão sagrada, destacando a visão holística dos povos originários.

A presença africana na obra de Horta manifesta-se não apenas nos temas abordados, mas também na musicalidade e no ritmo de seus versos. A melodia de suas palavras lembra os tambores e cantos das tradições afro-brasileiras, enquanto os temas de resistência e sobrevivência ressoam como pilares da identidade negra no Brasil. Há uma celebração da força criativa dessa herança, que atravessa a cultura nacional.

Embora profundamente enraizado na especificidade brasileira, Horta também explora a influência europeia como parte integrante da identidade nacional. Ele dialoga com a tradição literária ocidental, mas não de maneira subserviente; ao contrário, apropria-se dela para ampliar sua própria voz poética. Esse equilíbrio entre o local e o universal confere à sua obra um caráter abrangente.

Um aspecto fascinante de Iniciações é como o poeta navega entre passado, presente e futuro, criando uma poética de temporalidades interligadas. O passado ancestral é frequentemente invocado como fonte de sabedoria, enquanto o presente é examinado como um espaço de tensões e desafios. O futuro, por sua vez, é insinuado como uma possibilidade de renovação.

A poesia de Horta apresenta o Brasil como um palimpsesto, onde camadas de culturas distintas coexistem e se sobrepõem. Ele rejeita narrativas unívocas, preferindo celebrar a complexidade e a contradição. Esse enfoque permite uma leitura mais rica do que significa ser brasileiro, afastando-se de estereótipos simplistas.

A escolha lexical de Anderson Braga Horta revela uma sensibilidade linguística notável. Sua poesia incorpora termos, cadências e imagens que refletem a diversidade cultural do país. Essa atenção ao detalhe linguístico reforça a conexão entre forma e conteúdo, tornando sua obra um microcosmo da identidade brasileira.

No mundo contemporâneo, marcado por fragmentações identitárias, a obra de Horta surge como uma tentativa de síntese. Ele reconhece as divisões históricas e culturais do Brasil, mas busca pontos de convergência que possam unir as diferentes facetas do país. Esse esforço confere à sua poesia um tom esperançoso e transformador.

A espiritualidade desempenha um papel central em Iniciações, não como dogma, mas como um convite ao transcendente. Horta cria uma conexão entre as dimensões espirituais das culturas indígenas, africanas e europeias, demonstrando que, apesar de suas diferenças, todas compartilham a busca pelo sagrado.

Na era da globalização e da crescente polarização cultural, a obra de Anderson Braga Horta permanece atual e necessária. Iniciações não é apenas uma celebração da diversidade, mas também um chamado à reflexão e à ação. Ela nos lembra que a identidade brasileira não é uma questão de homogeneidade, mas de convivência harmônica entre múltiplas vozes e histórias.

 

Considerações Finais

 

Iniciações emerge como um tributo à memória e à força universal da poesia. Anderson Braga Horta transforma aspectos do cotidiano em peças artísticas imbuídas de lirismo e sensibilidade. Seu texto transcende os limites tradicionais de gênero literário, consolidando-se como uma obra multiforme.

Horta utiliza a memória como estrutura central de Iniciações. Não se trata apenas de recordar momentos, mas de recriar sensações e estados de espírito. Essa abordagem confere uma dimensão atemporal à obra, que se situa entre o passado e o presente, ampliando o impacto emocional sobre o leitor.

Em Iniciações, Anderson Braga Horta não só dialoga com a modernidade, mas também com as grandes tradições da poesia. Sua escrita resgata influências clássicas e modernas, amalgamando-as em um estilo que é ao mesmo tempo erudito e acessível. Essa intertextualidade enriquece a obra, conferindo-lhe camadas interpretativas múltiplas.

A linguagem em Iniciações é cuidadosamente trabalhada, revelando o apuro técnico e a sensibilidade de Horta. Ele manipula as palavras como um alquimista, transmutando-as em imagens poéticas que reverberam muito além da página. A musicalidade dos versos e a cadência do texto revelam um domínio absoluto do ritmo.

O próprio título da obra sugere um convite à descoberta, uma jornada iniciática pelo universo da poesia e da reflexão. A leitura de Iniciações é uma experiência transformadora, que instiga o leitor a explorar novos territórios internos e externos, sempre mediada pela palavra poética.

Embora profundamente enraizada em experiências individuais e na cultura brasileira, Iniciações transcende fronteiras geográficas e temporais. A universalidade dos temas tratados por Horta amor, perda, memória, natureza garante à obra uma relevância perene, independentemente do contexto em que seja lida.

Horta revela-se um cronista do invisível, capaz de captar nuances e detalhes que passam despercebidos na correria do cotidiano. Essa atenção ao que está além do óbvio confere à sua obra uma qualidade contemplativa, que convida o leitor a também olhar para o mundo com mais profundidade.

A relevância de Iniciações vai além de seu valor estético; a obra é também um testemunho da capacidade da literatura de registrar, preservar e transformar experiências. Anderson Braga Horta reafirma o poder da palavra escrita como meio de resistência cultural e afirmação identitária.

Iniciações ergue-se como um testemunho da plenitude criativa de Anderson Braga Horta, cristalizando em suas páginas a síntese entre a experiência artística e a profundidade existencial. Mais do que um livro, é uma travessia poética que pulsa com a essência da arte e da memória. Sua leitura reverbera no espírito do leitor, deixando-o envolto em um convite perene à contemplação e à celebração da vida. 

 

Vicente Freitas Liot

 

HORTA, Anderson Braga. 𝘐𝘯𝘪𝘤𝘪𝘢çõ𝘦𝘴. Brasília: Tagore Editora, 2023.

 

 

quarta-feira, janeiro 08, 2025

SINFONIA ITALIANA, DE MÁRCIO CATUNDA

          Relato poético e memorialístico

 

A obra Sinfonia Italiana, de Márcio Catunda, é uma incursão singular pela tradição literária de relatos de viagem, combinando elementos poéticos e memorialísticos em uma estrutura que remete à forma musical. Como uma verdadeira sinfonia, o livro está dividido em “movimentos”, cada um deles dedicado a uma cidade italiana. Essa organização confere à obra um ritmo e uma harmonia que ressoam a própria experiência estética das viagens descritas.

Catunda transforma suas observações em versos que capturam não apenas a paisagem física, mas também a atmosfera emocional e cultural de cada lugar visitado. Ele não é apenas um viajante, mas também um observador sensível e um poeta que transforma cada experiência em uma reflexão. Ao descrever Florença, por exemplo, Catunda não se limita a exaltar a beleza do Duomo ou das águas do Arno; ele explora também a dimensão histórica e a herança cultural da cidade, conectando-as às emoções que despertam no viajante.

O autor alia a poesia a uma perspectiva memorialística que rememora não apenas os lugares visitados, mas também os encontros e as experiências que moldam a jornada. Em Veneza, por exemplo, Catunda narra a magia dos canais e das gôndolas, mas também reflete sobre a passagem do tempo, tal como representada pela cidade que parece flutuar sobre águas instáveis.

O relato poético é enriquecido por reflexões estéticas e históricas que demonstram o vasto repertório cultural do autor. Em Roma, por exemplo, Catunda explora o contraste entre a monumentalidade das ruínas antigas e a vitalidade da cidade moderna, utilizando essa dicotomia como uma metáfora para a própria vida. As referências à arte e à literatura italianas atravessam o texto, proporcionando ao leitor um mergulho em um universo cultural rico e multiforme. 

A escolha de estruturar a obra como uma sinfonia não é apenas um artifício estético; é também uma manifestação da musicalidade que envolve a escrita de Catunda. Cada “movimento” tem um tom e um ritmo próprios, que refletem a personalidade da cidade abordada. Assim, Nápoles aparece vibrante e cheia de energia, enquanto Assis se apresenta como um local de contemplação espiritual.

Sinfonia Italiana insere-se em uma rica tradição de literatura de viagem que inclui autores como Goethe, Byron e Stendhal, mas com uma identidade própria. Catunda não busca apenas descrever paisagens ou relatar experiências; ele as transforma em poesia, utilizando uma linguagem rica em imagens e simbolismos que elevam o texto a um patamar artístico singular.

Embora o foco esteja na Itália, a obra também dialoga com temas universais, como a busca por significado, a relação entre passado e presente, e a própria natureza da arte. Catunda convida o leitor a refletir sobre como as experiências estéticas moldam nossa compreensão do mundo e de nós mesmos.

Sinfonia Italiana é mais do que um relato de viagem; é uma experiência literária que celebra a beleza, a história e a cultura da Itália, enquanto oferece ao leitor uma jornada interior de reflexão e contemplação. Márcio Catunda confirma, com essa obra, seu lugar entre os grandes poetas e memorialistas contemporâneos, entregando ao leitor uma verdadeira sinfonia de palavras e emoções.


A Jornada do Viajante-Poeta

 

Na obra Sinfonia Italiana, Márcio Catunda emerge como um viajante-poeta que transforma a experiência da viagem em um concerto literário. Combinando a sensibilidade de um poeta com a acurácia de um cronista, Catunda nos conduz por paisagens italianas repletas de história, arte e cultura. Este híbrido entre poesia e prosa revela uma narrativa rica, onde o êxtase estético e os detalhes prosaicos coexistem em harmonia.

Catunda inicia sua jornada com um olhar atento à beleza natural e às manifestações artísticas. Roma, Florença e Veneza são pintadas com palavras, quase como se o autor fosse um pintor impressionista, capturando nuances de luz e cor. Em suas descrições, o leitor percebe um respeito profundo pela arquitetura e pelo cenário humano, como se cada esquina guardasse um segredo a ser desvendado.

Mais do que paisagens e monumentos, Catunda registra também os detalhes aparentemente banais, mas essenciais, do cotidiano. Em passagens que descrevem mercados, praças e encontros casuais, a narrativa ganha uma textura singular. Esta atenção às pequenas coisas revela a preocupação do autor com a totalidade das suas observações.   

A arte italiana, em sua expressão mais monumental, é um dos eixos centrais de Sinfonia Italiana. Catunda dialoga com obras de Michelangelo, Leonardo da Vinci e Botticelli, transcendendo o simples relato para oferecer interpretações pessoais e emotivas. Essa interação revela não apenas um profundo conhecimento, mas também uma conexão espiritual com o legado artístico.

Se as ruas de Veneza ou os campos da Toscana são o palco externo da narrativa, é no interior do viajante-poeta que se dá a verdadeira transformação. Catunda reflete sobre questões universais — tempo, memória e transcendência — utilizando a viagem como metáfora para a busca do autoconhecimento. Este aspecto filosófico confere profundidade à obra, tornando-a mais do que um simples relato de viagens.

Um dos elementos mais marcantes de Sinfonia Italiana é o uso híbrido da linguagem, onde a poesia e a prosa se encontram. Os poemas intercalados à narrativa criam momentos de pausa reflexiva, quase como interlúdios musicais numa sinfonia. Essa alternância confere ritmo e dinâmica à obra, mantendo o leitor envolvido.

Embora a obra seja profundamente italiana em sua ambientação, Sinfonia Italiana transcende as fronteiras geográficas ao explorar temas universais. A experiência do viajante se torna um espelho para o leitor, que também é convidado a refletir sobre suas próprias jornadas, sejam elas literais ou metafóricas.

Sinfonia Italiana é mais do que um relato de viagens; é uma obra que celebra a beleza e a complexidade da arte. Márcio Catunda, com sua combinação de observador e ensaísta, nos oferece uma sinfonia literária que ressoa muito além das paisagens italianas. Esta jornada do viajante-poeta é uma prova do poder transformador da literatura.

 

Primeiro Movimento (Serenade): Veneza, A Rainha do Adriático

 

Márcio Catunda, em Sinfonia Italiana, celebra Veneza com uma sensibilidade que transcende a mera descrição turística para apresentar a cidade como uma metáfora existencial. Neste “primeiro movimento”, a poesia do autor transforma a cidade em um universo de símbolos e memórias, imortalizando-a como um espaço onde o efêmero e o eterno se encontram.

O lirismo de Catunda eleva Veneza à condição de personagem viva, capturando sua essência etérea. Nos canais sinuosos e nas pontes que parecem flutuar sobre a água, o poeta encontra reflexos da transitoriedade da vida. A cidade não é apenas o pano de fundo; é o cerne de uma reflexão poética que dialoga com o tempo, a memória e a impermanência.

A escolha de elementos arquitetônicos — com ênfase nos estilos gótico e renascentista — confere uma profundidade histórica à obra. Enquanto o gótico evoca a busca pelo transcendental e a inquietação espiritual, o renascentista celebra a renovação criativa e a valorização do humano. Essa dualidade se torna um alicerce temático, ressaltando a convivência entre o passado glorioso de Veneza e sua beleza fugidia.

A musicalidade dos versos de Catunda é um aspecto marcante. Suas palavras possuem um ritmo que emula o fluxo das águas venezianas, enquanto imagens e sons são entrelaçados numa sinfonia lírica. Ler Sinfonia Italiana é como ouvir uma composição onde cada nota ressoa a complexidade da cidade, envolvendo o leitor numa experiência estética imersiva.

Mais do que um tributo visual, Catunda também explora a dimensão filosófica de Veneza. A cidade emerge como um símbolo da fragilidade humana diante do tempo, com suas águas em constante movimento e suas edificações que desafiam a lógica de permanência. A poesia transforma essa dualidade numa meditação.

Catunda se destaca ao transformar suas impressões individuais em reflexões universais. Embora seus versos partam de experiências pessoais, eles transcendem a subjetividade para ressoar com o leitor, apresentando Veneza como um espaço de memórias coletivas e sonhos intangíveis. Sua abordagem é original, evitando o lugar-comum e celebrando a cidade com uma visão fresca e introspectiva.

A obra dialoga com a tradição literária de escritores que também encontraram em Veneza uma fonte de inspiração, como Lord Byron e Thomas Mann. No entanto, Catunda imprime sua marca, explorando a cidade não apenas como ícone cultural, mas como um microcosmo da condição humana. Essa abordagem reforça a relevância de sua “sinfonia” em um contexto contemporâneo.

Outro ponto de destaque é a interação entre a arquitetura de Veneza e o universo introspectivo do autor. As igrejas, praças e canais descritos nos versos e na crônica de Catunda não são meros cenários, mas metáforas que refletem a busca por transcendência e a conexão entre o mundano e o divino. Essa visão confere à obra uma camada adicional de profundidade.

A prosa de Catunda possui um caráter pictórico que lembra as pinceladas de um pintor renascentista. Ele captura a luz, as cores e os detalhes da cidade com precisão, permitindo que o leitor visualize cada cena como se estivesse percorrendo as ruas e canais de Veneza. Esse apelo imagético reforça o impacto sensorial da obra.

Os temas abordados por Catunda — memória, transitoriedade e beleza — têm ressonância universal. Veneza, como retratada em Sinfonia Italiana, transcende sua geografia para se tornar um símbolo. É um lugar onde história e subjetividade convergem, criando um espaço de contemplação e significado.

Em seu “Primeiro Movimento”, Catunda não apenas descreve Veneza; ele a vivencia. Suas palavras ressoam como uma serenata dedicada à cidade, capturando sua alma e convidando o leitor a participar dessa celebração poética. É uma obra que une a sensibilidade do poeta à eternidade do cenário que ele descreve.

Ao longo do “Primeiro Movimento”, Márcio Catunda demonstra uma notável habilidade de transformar o cotidiano em arte. Ele reconhece em Veneza não apenas sua beleza arquitetônica, mas também sua capacidade de despertar sentimentos e reflexões que transcendem o tangível. Assim, a cidade se torna um palco onde a poesia encontra a filosofia.

Sinfonia Italiana é, acima de tudo, um convite para contemplar Veneza como uma metáfora do próprio viver. Catunda transforma a cidade numa partitura literária, onde cada verso é uma nota e cada imagem uma melodia. Sua escrita ressoa com a universalidade da poesia, tornando a obra uma experiência memorável.

Dessa forma, Márcio Catunda perpetua a “Rainha do Adriático” em versos que celebram sua fragilidade e grandeza. Sua “sinfonia” é uma ponte entre o passado e o presente, entre a história e o sonho, oferecendo ao leitor não apenas um vislumbre de Veneza, mas uma profunda reflexão sobre os fluxos da existência.

 

Segundo Movimento (Allegro Vivace): Florença, Patrimônio Artístico e Espiritual

 

Márcio Catunda, com sua obra Sinfonia Italiana, convida o leitor a um passeio lírico por Florença, uma cidade que ele transforma em mais que um cenário histórico: um verdadeiro personagem renascentista. A narrativa transborda da rica cultura e arquitetura que a cidade oferece, refletindo um encontro íntimo entre a arte, a história e o observador.

Florença, a “capital” do Renascimento, emerge como um microcosmo do gênio humano na escrita de Catunda. Sua descrição das formas renascentistas e das cores vibrantes dos afrescos e esculturas transmite uma simetria quase divina. Ao falar das catedrais e palácios, o autor demonstra um olhar de admiração que transcende a superfície, destacando o diálogo constante entre o humano e o divino. Essa relação é um tema central da obra, uma ponte entre a espiritualidade da criação artística e o êxtase humano ao contemplá-la.

Ao longo da narrativa, Catunda evoca figuras fundamentais da cultura florentina, como Dante Alighieri, Giovanni Cimabue e Michelangelo. Ele recria não apenas a imagem de Florença como um núcleo de inovação, mas também sua importância como matriz de uma linguagem estética universal. É fascinante como o autor associa a literatura à arquitetura e à pintura, traçando paralelos que elevam a cidade a uma dimensão simbólica, quase mitológica.

Catunda ainda dedica atenção ao legado dos Médici, família que moldou o espírito cultural de Florença. Sob sua análise, os Médici não são apenas mecenas de obras-primas; são arquétipos de um tempo em que a arte e o poder coexistiam em um equilíbrio frágil, mas produtivo. Ao descrever a sinagoga de Florença e seu papel no multiculturalismo da cidade, Catunda lança luz sobre a harmonia e a diversidade que Florença representa até os dias de hoje.

O poeta também reflete sobre o contraste entre a Florença renascentista e sua representação no mundo moderno. Sua análise contempla as tensões entre o turismo massivo e a preservação da alma histórica da cidade. Ele questiona até que ponto o legado cultural de Florença está sendo protegido ou diluído por uma visão comercial, mas sem perder o tom de reverência pela grandiosidade do lugar.

Sinfonia Italiana não é apenas uma exaltação de Florença como lugar físico, mas um chamado à redescoberta da sensibilidade renascentista no mundo contemporâneo. Márcio Catunda escreve com o olhar de um viajante-poeta, alguém que não apenas vê as formas e as sombras da cidade, mas também sente suas pulsações internas. Seu texto nos lembra que Florença não é um relicário estático, mas uma sinfonia viva que continua a ressoar através do tempo e do espaço.

Com essa obra, Catunda reafirma seu papel como intérprete do sublime, um arauto da beleza que encontra na história e na cultura um terreno fértil para sua poética. Sinfonia Italiana é uma leitura indispensável para aqueles que buscam na literatura um meio de reviver a magnificência de uma das cidades mais inspiradoras do mundo.

 

Terceiro Movimento (Andante): Roma, Três Milênios de Civilização

 

Em Sinfonia Italiana, Márcio Catunda celebra Roma como um organismo vivo, pulsante e em constante diálogo com sua própria história. Catunda imerge o leitor em uma experiência sensorial e espiritual, revelando a Cidade Eterna como uma entidade que transcende o tempo. Aqui, Roma é não apenas um espaço físico, mas um palimpsesto de eras, ecoando as vozes de latinos, etruscos e sabinos, que moldaram sua essência ao longo de quase três milênios.

A abordagem poética de Catunda não se limita à descrição monumental de Roma. Ao contrário, ele traz uma reflexão mais profunda sobre a cidade como símbolo da civilização ocidental e cristã. Roma torna-se, então, o espelho da humanidade, com suas glórias e contradições, seus templos e ruínas.

A obra de Catunda explora as camadas de Roma como um arqueólogo poético, desvendando não apenas as estruturas físicas, mas também os significados que elas carregam. Do Capitolino às Sete Colinas, ele captura a essência da cidade que se tornou o centro do Reino, da República e do Império Romano. Cada pedra e cada ruína revelam uma história, conectando passado e presente numa teia de simbolismos.

Catunda também destaca a transição de Roma após a queda do Império Romano do Ocidente, quando a cidade passou a orbitar em torno do poder papal e se transformou em um centro artístico durante o Renascimento. Essa capacidade de renascimento e reinvenção é, para Catunda, o que torna Roma eterna.

Em Sinfonia Italiana, Catunda explora a relação íntima entre a arte e a espiritualidade presentes em Roma. Ele nos leva a igrejas barrocas e praças renascentistas, onde o sagrado e o humano se encontram. Para o autor, a beleza arquitetônica e os tesouros artísticos de Roma não são meros artefatos; eles são expressões de uma busca coletiva pela transcendência.

Catunda adota o conceito de “Caput Mundi” para celebrar Roma como um farol cultural e político. Ele argumenta que Roma não é apenas uma cidade, mas uma ideia — um ponto de convergência onde o passado informa o presente. Seja como centro do Império Romano, sede da Igreja Católica ou berço do Renascimento, Roma sempre desempenhou um papel central na formação do mundo ocidental.

Catunda também reflete sobre o papel de Roma como um dos destinos turísticos mais populares do mundo. Ele discute como o turismo, embora essencial para a economia local, também representa um desafio para a preservação de seu patrimônio. A obra questiona se é possível equilibrar o afluxo de visitantes com a necessidade de proteger as camadas históricas da cidade.

Catunda revela como Roma inspirou escritores e poetas ao longo dos séculos. De Virgílio a Goethe, de Byron a Shelley, a Cidade Eterna serviu de musa para mentes criativas. Em Sinfonia Italiana, Catunda entra nessa tradição, capturando a essência de Roma com uma voz singular e contemporânea.

A Sinfonia Italiana não é apenas um retrato de Roma; é um diálogo com a eternidade. Catunda convida o leitor a refletir sobre a história de Roma. Assim como a cidade, a humanidade também carrega suas ruínas e suas glórias, seus erros e suas reinvenções.

O poeta utiliza a paisagem urbana de Roma como uma metáfora para explorar questões mais amplas sobre a memória, o tempo e a identidade. Ele transforma praças, ruínas e fontes em personagens de sua narrativa, criando uma obra que é ao mesmo tempo pessoal e universal.

Roma, em Sinfonia Italiana, representa a resistência cultural frente às forças do esquecimento. Catunda celebra a cidade como um monumento à persistência. Apesar das invasões, guerras e transformações, Roma continua a ser um símbolo de continuidade e renascimento.

Em Sinfonia Italiana, Márcio Catunda compõe uma ode à Cidade Eterna, utilizando a poesia como linguagem para capturar sua alma. A obra é uma celebração de Roma. Ao final, o leitor se sente transportado para as ruas e colinas da cidade, envolto na música das palavras do poeta. Sinfonia Italiana não é apenas uma experiência literária, mas também um convite a redescobrir Roma como um espaço de história, arte e inspiração.

 

Quarto Movimento (Sonata Inacabada): Bolonha, A Beleza da Arquitetura Medieval

 

Márcio Catunda, em sua obra Sinfonia Italiana, entrelaça palavras e imagens como um maestro conduzindo uma sinfonia, em que cada nota é uma celebração da história e da alma da Itália. Dentre as paisagens que ele retrata, Bolonha emerge como uma protagonista cheia de vida e mistério. A cidade, com sua arquitetura medieval, suas torres imponentes e sua vitalidade que desafia o tempo, torna-se mais do que um cenário: é um espelho da tradição e da modernidade entrelaçadas no coração da Europa.

Bolonha carrega em suas pedras a história de milênios. Fundada pelos etruscos, em 510 a.C., a cidade evoluiu de colônia romana a centro bizantino, passando pelo domínio dos Estados Pontifícios e pelos tumultos das guerras modernas. Catunda reflete sobre a capacidade da cidade de se transformar sem perder sua essência, um paradoxo que define Bolonha como um símbolo de resistência e renovação. Suas ruas, palácios e igrejas não são apenas marcos arquitetônicos, mas testemunhos vivos de uma trajetória que atravessa eras.

A narrativa de Catunda enfatiza como a cidade se tornou um ponto de encontro de culturas e ideias. A Universidade de Bolonha, a mais antiga do mundo, é apresentada como um epicentro intelectual que moldou mentes brilhantes, de Dante Alighieri a Petrarca. Para o autor, Bolonha é mais do que um espaço físico; é uma ideia, um conceito que pulsa com o dinamismo do conhecimento.

Catunda descreve a arquitetura de Bolonha como uma partitura visual, onde as torres Asinelli e Garisenda são notas graves que dialogam com os pórticos elegantes, oferecendo refúgio e continuidade. Ele destaca a singularidade da Praça Maior e da Basílica de São Petrônio, monumentos que não apenas testemunharam séculos de história, mas também abrigaram dramas cotidianos e celebrações populares.

Para o autor, os pórticos de Bolonha são mais do que uma característica arquitetônica; são metáforas para a proteção e a continuidade da cultura italiana. As sombras dos pórticos evocam a passagem do tempo, enquanto os espaços abertos entre eles simbolizam a liberdade de expressão e o encontro de ideias.

Embora Catunda valorize o passado, ele não ignora a vibrante modernidade de Bolonha. A cidade é apresentada como um centro de inovação, conectando tradições agrícolas e industriais a uma pulsante cena cultural. Ele descreve os mercados e feiras de Bolonha como microcosmos da diversidade italiana, onde sabores, aromas e vozes se misturam numa sinfonia sensorial.

A narrativa também explora a Bolonha socialista e comunista do pós-guerra, ressaltando como a cidade se tornou um símbolo de resistência e engajamento político. Catunda observa que essa herança política moldou o espírito coletivo da cidade, mantendo viva a chama da luta por justiça e igualdade.

Na obra de Catunda, os monumentos de Bolonha ganham vida própria. A Torre dos Asinelli, com sua imponência, torna-se um símbolo de perseverança. A fonte de Netuno é vista como um testemunho da fusão entre arte e utilidade pública. Cada igreja, praça e palácio é retratado como um personagem que contribui para a narrativa maior da cidade.

Em Sinfonia Italiana, Bolonha não é apenas um ponto geográfico, mas um microcosmo da complexidade italiana. Catunda utiliza a cidade como uma lente para explorar os paradoxos da Itália: tradição e modernidade, resistência e adaptação, local e universal. Sua abordagem é profundamente poética, mas também informativa, convidando o leitor a redescobrir Bolonha como uma joia cultural e histórica.

Márcio Catunda, com sua habilidade de transformar paisagens em poesia, revela Bolonha como uma cidade que vibra com a alma da Itália. Sua obra celebra não apenas a beleza tangível da cidade, mas também sua essência, capturada nas páginas de Sinfonia Italiana. Bolonha, com seus pórticos, torres e praças, é apresentada como um lugar onde o passado encontra o presente numa melodia eterna, ressoando no coração de cada leitor.

 

Quinto Movimento (Minueto): Milão, A Capital da Lombardia


Márcio Catunda, com sua obra Sinfonia Italiana, nos convida a percorrer uma jornada pela alma cultural, histórica e artística da Itália, e, em especial, pela vibrante Milão. Através de uma lente poética e erudita, o autor mescla reflexões líricas com uma rica tecedura de referências históricas, artísticas e culturais, capturando o espírito de uma cidade que, por séculos, permaneceu no cerne da modernidade europeia.

Milão emerge nas páginas de Catunda como um espaço de convergência entre tradição e modernidade. A cidade é apresentada como uma sinfonia de contrastes, onde a grandiosidade gótica do Duomo se entrelaça com a sofisticação contemporânea da Galleria Vittorio Emanuele II. O autor destaca o dinamismo da metrópole, com sua pulsante vida cultural e econômica, mas sem jamais perder de vista a história que ressoa em cada esquina.

Catunda explora com profundidade as raízes históricas de Milão, desde sua fundação como Mediolano pelos celtas até sua ascensão como capital administrativa do Império Romano Ocidental. Esse pano de fundo histórico não é apresentado como uma sucessão de fatos, mas como uma rica crônica que informa o presente da cidade. A obra sugere que Milão é, ao mesmo tempo, uma cidade de memória e um espaço de reinvenção constante.

Um dos momentos mais brilhantes da Sinfonia Italiana é a abordagem do Renascimento milanês. Catunda ilumina o legado de figuras como Leonardo da Vinci e a importância de Milão como epicentro de produção artística e intelectual. A narrativa poética evoca o esplendor da corte dos Sforza, mas também reflete sobre as contradições e as sombras que atravessavam essa era de ouro.

Milão, em Sinfonia Italiana, é retratada como um mosaico de influências culturais. Desde a música operística do Teatro alla Scala até a vibrante moda contemporânea, a cidade é celebrada como um palco onde as mais variadas formas de expressão encontram espaço. Márcio Catunda habilmente integra essas referências, criando uma composição harmônica que celebra a diversidade da metrópole.

O termo “modernidade clássica” utilizado por Catunda sintetiza a essência de Milão. A cidade é simultaneamente símbolo de inovação e guardiã de tradições seculares. Em sua abordagem, Catunda reflete sobre como essa coexistência é crucial para entender o papel de Milão como um dos principais centros globais de cultura e economia.

Sinfonia Italiana não é apenas uma homenagem à grandiosidade de Milão, mas também uma meditação sobre o tempo. Márcio Catunda utiliza a cidade como metáfora para explorar temas universais, como a impermanência e a renovação. A passagem dos séculos, marcada por conquistas e destruições, é evocada de forma lírica e introspectiva.

A linguagem de Márcio Catunda é simultaneamente erudita e acessível, convidando o leitor a mergulhar em um universo de detalhes históricos e artísticos sem perder a sensibilidade poética. Sua habilidade em combinar descrições vívidas com reflexões filosóficas torna a leitura uma experiência enriquecedora.

O autor também captura o caráter cosmopolita de Milão, evidenciado por sua diversidade populacional e sua influência global em áreas como moda, design e finanças. Catunda ressalta a abertura da cidade ao mundo, enfatizando sua capacidade de incorporar o novo sem perder a conexão com suas raízes.

Ler Sinfonia Italiana é embarcar em uma viagem. Catunda guia o leitor pelas ruas, praças e monumentos de Milão, mas também pelos labirintos de sua história e cultura. A obra é um convite para redescobrir a cidade não apenas como um lugar, mas como uma ideia viva e em constante transformação.

Com Sinfonia Italiana, Márcio Catunda reafirma seu lugar como um dos grandes intérpretes poéticos da paisagem cultural europeia. A obra transcende o simples retrato de uma cidade, oferecendo ao leitor uma reflexão profunda sobre o diálogo entre passado e presente, tradição e modernidade.

Sinfonia Italiana é mais do que um livro; é um convite à contemplação e ao deleite. Márcio Catunda nos entrega uma obra que ressoa como uma verdadeira sinfonia — rica, complexa e inesquecível.

 

Sexto Movimento (Intermezzo-Impromptus): Bérgamo, A Pérola dos Vales Alpinos

 

Em Sinfonia Italiana, Márcio Catunda faz um exercício de captura sensorial, quase pictórico, ao evocar a cidade de Bérgamo, na Lombardia, Itália. Ao invés de recorrer a uma mera descrição turística ou histórica, Catunda parece sintonizar-se com a essência de Bérgamo, retratando uma paisagem que dialoga diretamente com o imaginário dos leitores. A cidade alpina, com suas duas faces — a medieval e a moderna — torna-se o palco de uma reflexão mais ampla sobre os contrastes, os tempos e as identidades de uma cidade que soube fundir o passado com o presente.

Bérgamo, ou Bèrghem no dialeto local, é tratada não apenas como um local geograficamente situado, mas como um ponto de convergência de memórias, transformações e conflitos. A cidade, fundada pelos lígures ou etruscos, e marcada ao longo dos séculos pela presença romana, lombarda e veneziana, é desenhada com a mesma complexidade e pluralidade de sua história. A cidade divide-se, de maneira física e simbólica, entre a Città Alta e a Città Bassa, o centro histórico medieval e a parte moderna, respectivamente. Essa divisão entre o antigo e o novo é refletida na escrita de Catunda, que alterna momentos de serenidade e reminiscências.

No entanto, o que se destaca de forma singular em Catunda é a maneira com que ele traduz o território e o tempo. A cidade alpina, com sua paisagem serrana e suas construções históricas, adquire em suas palavras uma sonoridade própria, como se a paisagem tivesse o poder de produzir uma “sinfonia” que se insere no ritmo da vida cotidiana de seus habitantes. O dinamismo da Città Bassa, entra em contraste com a serenidade da Città Alta, cercada por muralhas, num jogo de tensão entre o urbano e o natural, o moderno e o tradicional.

Ao descrever as diversas camadas de Bérgamo — desde os vestígios da Roma Antiga até o domínio veneziano, passando pelas instabilidades políticas e econômicas que marcaram a cidade — Catunda parece capturar o espírito de um lugar que se reconfigura continuamente, ora sob a ótica dos lombardos, ora sob a orientação dos viscondes de Milão. Porém, a reflexão do autor vai além da simples evolução histórica: ele questiona o próprio significado da continuidade e da ruptura, como se cada aspecto da cidade fosse um reflexo de um constante “renascimento” simbólico.

A escolha de Bérgamo como pano de fundo para esta obra não é, portanto, fortuita. Catunda entende que a cidade, com seu histórico de conquista e reconfiguração, sintetiza não só as vivências de seu povo, mas as inquietações do homem moderno, frente ao confronto entre memória e transformação. A partir de uma breve visita, o autor consegue destilar a intensidade de um local que, apesar de aparentar serenidade, é profundamente marcado pela história e pela tensão do novo que busca, incessantemente, ocupar o espaço do velho.

O retrato de Bérgamo, em Sinfonia Italiana, é ao mesmo tempo íntimo e grandioso. O autor aproxima-se da cidade como um observador atento, quase um amante da arquitetura e da paisagem natural, ao mesmo tempo em que, no fundo, revela sua preocupação existencial com o destino das cidades e dos homens que nelas habitam. Há, em sua escrita, um certo lirismo que conecta a imensidão das montanhas ao delicado curso das histórias humanas que se entrelaçam na urbe.

Portanto, Sinfonia Italiana não apenas nos oferece uma representação de Bérgamo, mas propõe um questionamento sobre o que é preservar uma identidade em tempos de mudança, como a memória histórica pode ser reconfigurada por novos arranjos sociais e, sobretudo, como o espírito de uma cidade resiste às exigências da modernidade. A “pérola alpina” que Catunda evoca é, afinal, um mosaico de instantes, vozes e sons que, como uma verdadeira sinfonia, se entrelaçam e ressoam no coração da Lombardia.

 

Sétimo Movimento (Estro Armonico): Nápoles, Fascínio e Mistério

 

Em Sinfonia Italiana, Márcio Catunda oferece um retrato poético de Nápoles, uma cidade onde a história se mistura com o ardor da vida cotidiana, e onde o presente reverbera através das memórias de um passado imortal. Nápoles, com seu caos encantador e a constante presença do Vesúvio, é mais que um simples cenário: é um personagem que pulsa, ferve e se reinventa a cada olhar. A cidade, em sua complexidade, se torna o centro de uma sinfonia literária que busca captar as sutilezas e os contrastes de uma região rica em cultura, tradição e conflito.

O Vesúvio, imponente e ameaçador, não é apenas um vulcão, mas um símbolo recorrente no texto de Catunda. Ele representa tanto o fogo literal que consome as terras ao seu redor como o fogo metafórico da paixão napolitana. A erupção de 79 d.C. que destruiu Pompeia e Herculano parece ressurgir na escrita do autor, ressoando as cicatrizes da cidade e seu constante renascimento. Catunda, ao descrever o Monte Vesúvio, não faz apenas uma descrição geográfica, mas cria uma figura que condensa séculos de história, mitos e tragédias. O Vesúvio é um lembrete constante de que, em Nápoles, a beleza e o caos caminham lado a lado, e a história está sempre prestes a se reiniciar.

A cidade, com suas ruas labirínticas, mercados vibrantes e praças saturadas de vida, é descrita com uma intensidade que faz com que o leitor sinta o cheiro do mar, o calor da terra, e a pulsação de suas vielas. Catunda mergulha nas complexidades sociais e culturais de Nápoles, fazendo uso de uma linguagem que transita entre o lírico e o prosaico. Ao falar da cidade, o autor a transforma em uma entidade quase mística, onde o fogo do Vesúvio, as fachadas desgastadas pelo tempo e os rostos calejados pela luta cotidiana se entrelaçam numa sinfonia.

A cultura napolitana, rica em sua diversidade, é retratada em suas múltiplas camadas: a música, a gastronomia, o folclore, e, claro, a própria língua. Nápoles é mais que um centro urbano; é um microcosmo da Itália, uma terra onde o passado nunca se desliga completamente do presente, onde o peso da história é sentido nas vibrações das ruas e no canto dos músicos que ainda entoam as canções de um tempo remoto.

No entanto, o que realmente diferencia Sinfonia Italiana é o elemento do mistério. Nápoles, ao contrário de outras grandes cidades europeias, não é apenas um lugar de turistas e comerciantes; é uma cidade enigmática, onde o quotidiano é atravessado por uma aura de magia e superstição. Em suas vielas estreitas e em seus mercados, a vida se mistura com o sobrenatural, e as lendas de bruxas e espíritos pairam no ar. Catunda não hesita em incorporar esse aspecto da cidade em sua escrita, dando a Nápoles uma qualidade quase transcendental, onde o espaço físico e o espiritual se fundem de maneira natural.

O autor, através de suas descrições vibrantes e sensoriais, parece nos convidar a entrar em um espaço onde o sagrado e o profano coexistem, onde cada esquina esconde um segredo, cada sorriso é um enigma. Nápoles se revela, assim, como uma cidade de contradições, onde a beleza e a decadência, a luz e a sombra, o amor e a morte se encontram em perfeita harmonia.

Catunda também não deixa de lado o legado cultural de Nápoles, uma cidade que foi berço de grandes nomes da história da arte e da filosofia, desde o poeta Giambattista Vico até o compositor Eduardo di Capua. O autor insere, em seu relato, as figuras que ajudaram a moldar a identidade cultural da cidade, pintando um quadro vívido de uma terra que nunca deixa de inspirar os seus habitantes e os visitantes.

O fato de Nápoles ser uma cidade reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Mundial reflete a sua importância histórica e cultural. Mas, ao mesmo tempo, Catunda nos lembra que, embora a cidade tenha sido conquistada por romanos, bizantinos e normandos, ela continua sendo uma terra profundamente ligada ao seu próprio espírito. O autor nos convida a não apenas ver Nápoles, mas a senti-la, a vivê-la, a experienciá-la de uma maneira visceral e imersiva.

Em Sinfonia Italiana, Márcio Catunda não apenas descreve Nápoles, ele a transforma em uma obra de arte literária, imbuída de uma musicalidade que ressoa em cada palavra. Nápoles, com sua história de destruição e renascimento, com sua vida pulsante e seu mistério indomável, é mais que uma cidade — é uma sinfonia de emoções, sons, cores e significados. E como toda boa sinfonia, ela é algo que se ouve e se sente, sendo impossível compreender sua totalidade sem ser tocado por ela.

Assim, Márcio Catunda não só captura a essência da cidade, mas também nos faz perceber que, em Nápoles, o fogo do Vesúvio e a poesia da vida se entrelaçam, criando uma experiência que é, ao mesmo tempo, aterrorizante e sublime, incompleta e eterna.

 

Epílogo: Allegro Finale

 

A obra de Márcio Catunda, Sinfonia Italiana, é mais do que um livro; é uma jornada sensorial e intelectual que nos conduz pelas ruas, monumentos, e paisagens da Itália. Com uma sensibilidade rara, o poeta-diplomata transforma as impressões do olhar e do pensamento em poesia, transcendendo o relato de viagem convencional. Neste texto, propomos uma análise crítica dessa obra singular que, como uma verdadeira sinfonia, harmoniza história, arte e literatura.

Desde Dante até os viajantes modernos, a Itália é um destino que cativa e fascina. Catunda abraça essa tradição e, com um olhar que une erudição e emoção, nos conduz por cenários históricos que são também íntimos. O poeta não apenas percorre os caminhos conhecidos de Veneza, Florença, Roma e Nápoles; ele reconfigura esses espaços, tornando-os espelhos de sua subjetividade criativa.

Catunda é herdeiro da tradição baudelairiana do flâneur, mas seu deambular não se limita à observação melancólica. Ele interage com as paisagens, mergulha nas texturas das cidades e transforma a experiência urbana em um encontro com a alma do passado. A cada passo, o poeta busca “a alma das paredes”, como o poeta José Eduardo Degrazia observa, traduzindo o silêncio monumental em música literária.

O autor articula um diálogo profundo entre o presente e o passado. Monumentos, pinturas, esculturas e sinfonias tornam-se interlocutores vivos, criando um caleidoscópio de vozes que enriquecem a experiência do leitor. Catunda não se contenta com a simples descrição; ele revitaliza as obras que encontra, trazendo-as para o campo do sensível e do poético.

A estrutura de Sinfonia Italiana é, em si, uma composição. Cada cidade visitada é como um movimento de uma grande obra musical, com variações de ritmo e tonalidade. Há momentos de grandiosidade, como em Roma, e de delicadeza, como nas descrições de Veneza. Essa abordagem reflete uma sensibilidade musical que atravessa toda a obra, fazendo jus ao título.

Viajar, para Catunda, não é apenas deslocar-se geograficamente, mas mergulhar na alteridade. A Itália, com sua rica história e cultura, é um território de encontro com o outro, mas também com o eu. Essa tensão entre o externo e o interno confere à obra um caráter introspectivo, tornando-a tanto uma narrativa de viagem quanto uma meditação poética.

Marcio Catunda não se limita a descrever o que vê; ele evoca sabores, cheiros, sons e texturas. A Itália de Sinfonia Italiana é uma experiência sinestésica que convida o leitor a vivenciar a viagem com todos os sentidos. Essa riqueza sensorial é um dos aspectos mais marcantes da obra.

O livro insere-se numa longa tradição de relatos de viagem, mas com um diferencial: a profundidade poética. Enquanto muitos autores documentam suas jornadas com objetividade, Catunda nos oferece uma visão subjetiva que eleva a experiência a um plano artístico. Ele une a erudição de um viajante culto à sensibilidade de um poeta.

Como observa o poeta José Eduardo Degrazia, Sinfonia Italiana é uma extensão natural de Paris e seus poetas visionários. Se o primeiro livro explora a capital francesa como uma metrópole literária, este nos leva ao coração da cultura italiana, ampliando o escopo do autor e consolidando-o como um cronista das cidades e suas almas.

A obra captura a essência da Itália. Cada cidade, cada monumento é uma peça de um grande mosaico cultural que Catunda monta com maestria. A leitura é, portanto, uma viagem através do tempo e do espaço, guiada por um autor que compreende a complexidade e a beleza da diversidade.

A poesia de Márcio Catunda, com sua capacidade singular de evocar paisagens e sentimentos universais, encontra em Sinfonia Italiana uma expressão apoteótica do lirismo cultural e da nostalgia histórica. Este epílogo, intitulado “Allegro Finale”, sintetiza não apenas a exploração de temas profundamente enraizados na experiência italiana, mas também a indissociável ligação entre a cultura italiana e a identidade brasileira. A obra, em seus versos finais, realiza um ápice de ritmo e intenção poética, projetando no leitor uma sensação de transcendência.

Catunda, com sua prosa poética, desenha um panorama da contribuição italiana à formação da cultura brasileira. Ele referencia não apenas os descendentes de imigrantes que aportaram em terras brasileiras na segunda metade do século XIX, mas também os traços culturais que se enraizaram no cotidiano: na gastronomia, na música, na linguagem e na arquitetura. Como um maestro de palavras, o autor organiza uma verdadeira sinfonia de imagens e alusões, onde o encontro de mundos se torna a melodia condutora.

No Allegro Finale, Márcio Catunda revisita a memória dos pioneiros italianos que, vindos de Caserta, Pozzuoli, Calábria e Puglia, moldaram regiões brasileiras como São Paulo e Santa Catarina. Sua escrita ressoa o testemunho de Rubens Ricupero em “Alcântara Machado: testemunha da imigração”, conectando o fato histórico à pulsão emotiva de quem observa a herança cultural com gratidão e fascínio.

A visão de Márcio Catunda é ao mesmo tempo celebrativa e contemplativa. Em sua descrição da “alma brasileira que recebeu a marca da Itália”, ele encontra na arte e na memória uma ponte entre o ontem e o hoje. Essa fusão é simbolizada pela culinária rica e colorida, pelas árias apaixonadas e pelos dialetos italianos que se fundem ao sotaque paulistano, como se os ecos do passado ainda ressoassem nas ruas do Brás e do Bexiga.

O epílogo culmina em uma ode às joias culturais da Itália: suas catedrais, palácios, e a transcendência que emerge das paisagens mediterrâneas. As imagens evocadas pelo poeta são de uma beleza quase pictórica, com “Lua clara, de auréola luzente” e “Arte colorida de esplendores”. Essas descrições não são meramente descritivas; são incursões na alma de um lugar que irradia significado e inspiração.

O uso do ritmo — refletido no título Allegro Finale — é essencial na construção deste último movimento literário. As palavras de Catunda fluem como uma sinfonia, em crescendos e decrescendos que guiam o leitor por paisagens emocionais. Este recurso sublinha não apenas a experiência do texto como um tributo à Itália, mas também como uma celebração da capacidade da literatura de transcender fronteiras geográficas e temporais.

Sinfonia Italiana é uma homenagem não só ao país da península, mas à ideia da arte como elo entre culturas. Márcio Catunda ilumina a ligação profunda e afetiva entre Brasil e Itália, um vínculo que, como sua poesia, é eterno e inesgotável. O Allegro Finale não é apenas uma conclusão; é um chamado ao leitor para ouvir a melodia infinita das heranças compartilhadas e das histórias que continuam a ser contadas.

Márcio Catunda, com sua Sinfonia Italiana, reafirma-se como um mestre na arte de transformar a viagem em poesia. Seu olhar atento e sua escrita elegante nos fazem redescobrir a Itália, não como um lugar distante, mas como um território de sensações e significados universais. O livro é, sem dúvida, uma obra-prima que merece um lugar de destaque na literatura contemporânea.

 

Vicente Freitas Liot

 

CATUNDA, Márcio. 𝘚𝘪𝘯𝘧𝘰𝘯𝘪𝘢 𝘐𝘵𝘢𝘭𝘪𝘢𝘯𝘢. Rio de Janeiro: Ventura Editora, 2024.