“Não é a barbárie que começa. É a civilização que
termina”
— Georges Duhamel
PRIMEIRA
PARTE
“Todos os Dias São Difíceis na Barbúria”
inicia-se como uma sátira feroz da modernidade burocrática, ambientada num
universo alegórico que funde o grotesco latino-americano com a tradição
kafkiana da opressão institucional. A Barbúria é um território onde o absurdo é
norma, o labirinto é rotina e a sensibilidade humana é sistematicamente
esmagada pela engrenagem dos poderes administrativos.
Márcio
Catunda elege como protagonista o escritor frustrado Crátilo Portela, nome que
carrega ecos filosóficos — referência direta ao pensador grego da linguagem.
Essa escolha não é gratuita: Crátilo é um ser da linguagem encurralado num
mundo onde as palavras perderam o valor e o sentido foi sequestrado pela
máquina do trabalho sem finalidade.
O
percurso geográfico do personagem — que atravessa territórios de nomes
fabulosos e caricaturais como Ilha dos Patrupachas, República das Bananas e
Principado das Trevas — sugere a travessia por múltiplas formas de opressão
política e social. Cada nome carrega consigo um juízo satírico sobre regimes
falidos, repúblicas fictícias de heranças coloniais e distorções ideológicas.
O
ambiente em que Crátilo se insere é uma grande corporação multinacional,
disfarçada de funcionalismo público. A ironia aqui é afiada: sob o pretexto de
progresso e eficiência, o sistema revela-se caduco, arcaico e delirante. O
diretor Cabeça de Vaca — figura simbólica com nome que evoca a exploração
colonial — o obriga a assumir o cargo de “amanuense”, termo anacrônico que
revela o descompasso entre linguagem e realidade.
Ao
resgatar a figura do amanuense, Catunda estabelece uma ponte direta com “O
Amanuense Belmiro”, de Cyro dos Anjos. Mas, se o Belmiro original era
melancólico e filosófico, o Crátilo, de Catunda, é irônico e impotente diante
do poder arbitrário. Ambos, no entanto, vivem o descompasso entre o desejo de
escrever e a imposição da rotina sem alma.
A
crítica ao trabalho alienado é central na narrativa. Crátilo é inserido num
cotidiano repetitivo, esvaziado de sentido, dominado por relatórios sem
importância e reuniões inúteis. A linguagem burocrática — empolada, redundante,
desprovida de conteúdo — funciona como sintoma da decadência cognitiva e moral
de um sistema autorreferente.
Os
nomes dos personagens secundários são caricaturas sonoras e simbólicas:
Giocondo Malaquias (vulgarmente apelidado de “Giocondo Mala”), Ansésimo Saci,
Dionísio Petrúcio, Malufa, Murano. Cada um representa uma deformação social, um
tipo humano grotesco, uma engrenagem disforme dentro da mecânica da opressão.
Giocondo
Mala, em especial, encarna a figura do chefe opressor. Seu corpo deformado e
comportamento cruel remetem à tradição do grotesco físico como reflexo de uma
alma corrompida. Há nele ecos do Ricardo III, de Shakespeare, mas também dos
personagens disfuncionais de Lima Barreto, cujos traços exagerados simbolizam
as patologias do poder.
A
narrativa se desloca também para a “Residência Funcional”, espaço que deveria
representar acolhida, mas que revela-se prisão e claustro. O edifício, com suas
escadas em caracol e compartimentos úmidos, é uma versão moderna do castelo de
Kafka: uma arquitetura do labirinto, onde o sujeito se perde e o tempo se
dissolve.
O
erotismo onírico que surge durante a noite de Crátilo — uma mão feminina que
lhe acaricia o peito — funciona como interlúdio surreal, mas também como
metáfora do desejo reprimido. Trata-se do corpo tentando emergir num espaço
onde tudo é controle, vigilância e medo.
Há,
nesse trecho, uma interessante fusão entre realismo fantástico e sátira
política. A Barbúria parece flutuar num território que não é exatamente o
Brasil, mas que se compõe de suas alegorias mais reconhecíveis: o
autoritarismo, o patrimonialismo, o clientelismo, a insegurança institucional e
o riso nervoso diante do absurdo.
A
crítica também se estende ao mundo da cultura e da escrita. Crátilo, com
aspirações literárias, vê-se constrangido a enterrar seu talento em relatórios
inúteis. O escritor é humilhado, infantilizado, desidratado de sua função. Isso
remete ao lugar do intelectual na sociedade contemporânea: uma peça descartável
num sistema que venera a tecnocracia.
A
hemorragia ocular que acomete Crátilo é um símbolo poderoso. A visão — metáfora
da lucidez, do insight — é sacrificada pela máquina burocrática. O olho sangra
porque vê demais, porque percebe o que não deveria ser visto: o desmoronamento
da racionalidade e a crueldade dos mecanismos impessoais.
Márcio
Catunda mostra habilidade em manipular os registros linguísticos. Sua prosa
transita entre a erudição e o coloquial, entre o riso e o delírio. O resultado
é uma linguagem dúbia, que por vezes encena a própria afetação do discurso
oficial, para então desmascará-lo com sarcasmo.
A
estética do texto é de resistência. Cada frase parece lutar contra o
empobrecimento do espírito que o sistema impõe. Há no romance um elogio
implícito à dúvida, à reflexão, à poesia — mesmo que sufocada. O narrador exibe
consciência crítica, mas sem concessões sentimentais: a derrota é narrada com
lucidez implacável.
A
solidão de Crátilo é uma solidão do pensamento. Ele está cercado de figuras
estéreis, incapazes de diálogo autêntico. É o drama do sujeito pensante numa
era de automatismos: cada tentativa de sentido esbarra no vazio de respostas
pré-fabricadas e de relações reificadas.
O
tempo na Barbúria é circular, como o da escada em caracol. Nada avança de fato.
O trabalho se repete, os relatórios se repetem, os absurdos se renovam. Essa
circularidade angustiante é um traço essencial do romance: o tempo se torna
prisão, e não promessa.
A
ironia, no entanto, não é mero ornamento, mas instrumento de crítica. Catunda
recorre à sátira para mostrar a degradação das instituições e a falência da
comunicação humana. É por meio do riso que o romance fere e denuncia.
Há
também, sob a superfície cômica, uma melancolia que remete ao exílio interior
do escritor. Crátilo é um desterrado em sua própria língua, um estrangeiro em
seu próprio ofício. A Barbúria é também o Brasil de hoje, sob novas máscaras:
um país onde a inteligência é suspeita, e a burocracia é arma de controle.
Em suma, a primeira parte de “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria” oferece uma crítica mordaz à sociedade contemporânea, ao mesmo tempo em que atualiza a tradição do romance de formação frustrada. Márcio Catunda compõe, com sua ironia aguda e imaginação simbólica, um retrato contundente do intelectual em tempos de mediocridade triunfante.
SEGUNDA
PARTE
A
segunda parte do romance “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria”, de Márcio
Catunda, aprofunda a travessia existencial de Crátilo, personagem que se
inscreve na linhagem dos intelectuais errantes da literatura brasileira, como o
Paulo Honório, de São Bernardo, ou o Macabéa, de A Hora da Estrela, mas com uma
inflexão própria: um exílio estético em pleno campo minado da realidade social.
A obra, nesse trecho, assume ares de diário filosófico, um itinerário da
consciência crítica que se debate entre a beleza e a barbárie.
A
praia de Copacabana emerge como espaço de suspensão do peso cotidiano, uma
miragem hedonista onde o corpo feminino e o mar se tornam instrumentos de fuga
lírica. Essa topografia do desejo, no entanto, é contaminada quase
imediatamente pelo jornal, objeto que simboliza a intrusão brutal do real.
Márcio Catunda constrói, assim, uma geografia contrastiva: o prazer do mar se
opõe à crueza das manchetes. Trata-se de uma Copacabana crepuscular, onde o
devaneio é sempre ameaçado pela distopia nacional.
A
presença do jornal funciona quase como um personagem antagônico. Nele se
condensam os sinais da decadência: corrupção, assassinatos, desemprego. Crátilo
não apenas lê as notícias — ele as sofre. Essa leitura é sintomática de uma
sensibilidade que não consegue mais se proteger da banalização da violência. A
Barbúria é um espaço onde a empatia está esgarçada, e onde a brutalidade se
tornou paisagem.
A
linguagem de Catunda adota um lirismo que resiste à desumanização. Há uma
tentativa de salvar o mundo pela contemplação, pela sensibilidade, mesmo que
este gesto esteja fadado ao fracasso. O texto oscila entre a crônica do
presente — com referências diretas ao colapso social — e uma prosa poética
densamente subjetiva. Essa mistura remete a um tipo de literatura brasileira
que encontra eco nos cronistas líricos do século XX, como Rubem Braga e
Fernando Sabino, mas com uma gravidade filosófica própria.
O
nome do protagonista é um acerto simbólico notável. Crátilo, discípulo de
Heráclito, acreditava que “não se entra duas vezes no mesmo rio” — tudo flui, e
a linguagem falha ao tentar fixar o mundo. Essa ideia perpassa toda a segunda
parte do romance: Crátilo é alguém em trânsito permanente, nunca plenamente
inserido, sempre em descompasso. Seu mal-estar é ontológico, mas também
linguístico: não há palavra que o redima da Barbúria.
As
figuras que orbitam Crátilo — Major Otacílio, Alonso, a moça na praia, os
mortos do jornal — não têm função dramática clássica; são vetores de forças
contraditórias que pressionam o protagonista. Otacílio encarna a tradição e a
política oligárquica; Alonso, a vigilância social da cidade grande; a moça na
praia, o erotismo perdido; os concursandos, o automatismo da sobrevivência.
Todos convergem para reforçar a impossibilidade de plenitude.
O
Rio de Janeiro é apresentado como um cenário ambíguo: espaço de sonho e de
ruína. Não é o locus da libertação, mas da ilusão da libertação. A cidade, com
sua beleza e hostilidade, torna-se um espelho da condição brasileira: uma
promessa constantemente traída. Já Teresina, a cidade natal, é apresentada como
um simulacro de paz — sem assaltos, mas também sem livrarias, metáfora aguda da
ordem sem espírito.
A
crítica à meritocracia percorre a obra como um subtexto corrosivo. Crátilo,
embora filho da elite política, recusa o destino burocrático e busca uma forma
de vida autoral. Essa recusa não é ingênua; é trágica. Não há saída clara. Nem
o concurso nem o sonho. O romance revela a armadilha de um sistema que neutraliza
o desejo pela via da exigência de produtividade. A literatura, nesse contexto,
é um gesto de recusa, mas também de condenação.
As
figuras femininas do passado — a mãe e Maria das Dores — são evocadas como
reservas afetivas, territórios de completude já inacessíveis. Elas não têm
agência narrativa, mas carregam um peso simbólico intenso: a infância, o
erotismo, o cuidado. São fragmentos de um paraíso perdido que alimentam a
melancolia do protagonista.
A
busca pela escrita, pelo “tornar-se escritor”, é o horizonte utópico de
Crátilo. Mas mesmo essa busca é atravessada por dúvidas. A arte pode salvar do
automatismo, mas não do caos externo. O dilema é profundo: mas escrever é uma
forma de resistência. O romance parece afirmar que o gesto estético ainda vale
— mas como quem atira pedras contra um tanque.
Mais
do que um lugar, Barbúria é uma condição do espírito. É o Brasil em seu colapso
ético e institucional, mas também é o mundo do qual não se escapa. Catunda não
oferece consolo — oferece lucidez. A segunda parte de “Todos os Dias São
Difíceis na Barbúria” é um tratado poético sobre o desencanto, escrito com a
urgência de quem ainda acredita que a literatura pode nomear, senão
transformar, a realidade.
TERCEIRA
PARTE
A
terceira parte do romance “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria”, de Márcio
Catunda, é um mergulho claustrofóbico nas engrenagens opressoras de um sistema
burocrático que mistura diplomacia, distopia e miséria. Através da figura do
amanuense Crátilo, o autor constrói uma poderosa sátira do mundo do trabalho,
mostrando como o exílio, a alienação e o adoecimento são partes integrantes da
experiência profissional moderna, especialmente nos bastidores das relações
internacionais em países subdesenvolvidos ou fictícios como a Barbúria.
Centrado
na figura de Crátilo, o romance assume contornos de tragédia contemporânea. Ele
não é apenas um homem cansado, mas um símbolo da inteligência sacrificada pela
lógica perversa da produtividade. O protagonista é impedido de gozar suas
férias, coagido a trabalhar mesmo doente, e sofre constantes humilhações por
parte de seu chefe, o Diretor Giocondo Malaquias. O esgotamento físico e mental
de Crátilo é a metáfora da cegueira simbólica de uma era que não enxerga mais a
dignidade do trabalhador.
O
país fictício da Barbúria funciona como espelho deformado de tantas nações
reais. A precariedade urbana, a ineficiência dos serviços, o caos no trânsito —
tudo compõe um quadro grotesco e perturbador. Catunda utiliza a caricatura como
estratégia crítica, criando um espaço onde o absurdo é a norma, e o rígido
formalismo institucional mascara o atraso, a corrupção e a desumanidade.
Giocondo
é mais do que um chefe autoritário. Ele é um arquétipo do poder tirânico
revestido de tecnocracia. Seu discurso sobre eficiência esconde um profundo
desrespeito pelos limites humanos. Sua tirania se manifesta não apenas em
ordens desmedidas, mas também em ironias, ameaças veladas e manipulação
emocional. É o tipo de chefe que acha normal ligar no fim de semana e ver um
trabalhador adoecer, como fraqueza.
A
doença ocular de Crátilo não é apenas um problema médico. É uma síntese
simbólica do adoecimento generalizado causado pelo ambiente de trabalho hostil.
A impossibilidade de enxergar torna-se metáfora do cansaço psíquico, da perda
de horizonte, da ausência de futuro. A ida a Madri, em busca de cura, resulta
em decepção: nem mesmo os médicos europeus são capazes de devolver-lhe a
lucidez.
Apesar
do clima opressor, Catunda lança mão do humor. Um humor ácido, muitas vezes
melancólico, que busca na hipérbole e no absurdo uma forma de resistência
simbólica. Situações como a da óptica que vende dois óculos quando foi
encomendado apenas um, ou da entrevista patética do Diretor na TV Barbúria, são
exemplos de como o grotesco revela as falácias do cotidiano institucional.
Os
telefonemas a Alonso e Raimunda mostram a face subjetiva da narrativa. Ali,
Crátilo reencontra um elo com o Brasil e sua própria história. As conversas
telefônicas misturam humor, dor e memória, funcionando como contraponto humano
ao ambiente desumano da Barbúria. A morte de Raimunda o mergulha em reflexão,
não apenas sobre o passado, mas sobre o tempo que lhe resta.
A
linguagem do romance mimetiza o jargão tecnocrático da diplomacia e da gestão
empresarial. Memorandos, relatórios, contratos, atas e relatórios substituem o
diálogo autêntico. Essa escolha estilística revela como a linguagem também
adoece, tornando-se instrumento de opressão.
Tal
como o protagonista, a instituição Ventura é cega. Cega ao sofrimento de seus
funcionários, cega à realidade dos países onde se instala. Interessa-se apenas
em manter aparências e estender seus tentáculos sobre mercados periféricos.
Crátilo, ao tentar dialogar, é ignorado, isolado e descartado.
Barbeville,
capital da Barbúria, é descrita como um lugar fétido, ruidoso, onde a
civilização parece ter regredido. O autor associa o lugar a um inferno
cotidiano. A cidade encarna o caos urbano das periferias globais, onde tudo é
difícil e nada funciona como deveria.
A
perda de peso de Crátilo, sua cegueira progressiva e os colapsos físicos
simbolizam o efeito destrutivo do trabalho quando este é pautado pelo sadismo
gerencial. Seu corpo é violentado pelas exigências de produtividade, como o de
um escravo moderno.
Mesmo
em meio ao caos, Crátilo procura o refúgio da cultura. A leitura, a memória, a
visita ao Parque do Retiro em Madri são breves momentos de reconexão com a
beleza. São respiros numa atmosfera de asfixia.
A
atuação do Dr. Judas González, mais preocupado com honorários do que com a
cura, critica a mercantilização da medicina. O profissionalismo é substituído
por pragmatismo. O paciente não é um sujeito, mas um cliente em série.
As
querelas familiares de Alonso, suas disputas por herança e suas lembranças da
juventude revelam um país dividido, doente e carente de afetos duradouros. O
velho Alonso torna-se espelho do futuro temido por Crátilo.
O
romance é repleto de cenas hilárias, mas estas são acompanhadas por um gosto
amargo. Rimos porque reconhecemos a verdade cruel escondida no absurdo. O riso
funciona como luto pela civilidade perdida.
A
todo momento, vemos a impossibilidade do diálogo real. Seja entre Crátilo e seu
chefe, seja entre o personagem e os barbúrios, ou mesmo com os médicos. A
linguagem é atravessada por ruídos, mentiras e manipulações.
Ao
fim, percebe-se que a Barbúria não é apenas um país, mas um estado mental.
Representa a sensação de estar aprisionado num sistema irracional, sem
escapatória, onde cada dia é mais insuportável que o anterior.
A
volta de Crátilo à Barbúria, após o tratamento, é mais trágico do que sua ida.
Sem visão adequada, sem óculos funcionais, e com novos encargos acumulados, ele
é jogado de volta às engrenagens de um sistema que o quer apenas como máquina.
Catunda
não escreve um romance de redenção. Sua obra é crônica de um naufrágio. A cada
passo, Crátilo afunda mais na areia movediça da Barbúria. A ironia do título é
devastadora: todos os dias são difíceis porque a existência perdeu o sentido.
A
terceira parte de “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria” é mais que uma
crítica ao funcionalismo ou à diplomacia internacional. É uma meditação sobre o
exílio, a alienação, o sofrimento e a resistência. Márcio Catunda nos entrega
uma obra dolorosa, mas profundamente verdadeira, sobre o que é sobreviver em um
mundo que insiste em nos cegar.
QUARTA
PARTE
A
quarta parte do romance de Márcio Catunda revela-se como uma crônica vigorosa
da exaustão contemporânea, na qual a experiência da barbárie institucionalizada
se espelha na vida cotidiana de Crátilo, protagonista e alter ego do autor,
funcionário expatriado em um país fictício e inóspito, que amalgama traços do
Terceiro Mundo pós-colonial.
O
romance investiga os aspectos mais íntimos e mais públicos da condição humana
em situações de opressão e exílio. Crátilo vive entre a alienação política e o
desencanto familiar, exposto a microviolências burocráticas, traições
interpessoais e à inclemência de um cotidiano hostil e estagnado.
Desde
os primeiros parágrafos, o narrador apresenta a violência endêmica da Barbúria
com detalhamento jornalístico — atentados terroristas, repressão militar,
autoritarismo estatal — criando uma moldura em que o absurdo se naturaliza e a
brutalidade cotidiana se torna norma.
A
figura de Giocondo, superior hierárquico de Crátilo, representa a autoridade
arbitrária e mesquinha, dotada de um poder miúdo e persecutório, uma caricatura
trágica dos chefes medíocres que povoam os escritórios coloniais da Ventura,
essa organização global, corrupta e autoindulgente.
As
relações interpessoais no ambiente de trabalho são marcadas por um teatro de
intrigas, vaidades e dissimulações. Márcio Catunda constrói com notável ironia
uma galeria de personagens burocráticos cujas relações são moldadas pelo
assédio moral, inveja e subserviência.
O
humor ácido que perpassa os episódios — como o da boate clandestina com o
diálogo surreal “Do you girl?” / “Imitation...” — revela o grotesco da
diplomacia e da hipocrisia social num país arruinado, onde até a prostituição é
institucionalizada sob a máscara do folclore local.
A
crítica à Ventura é uma crítica ao imperialismo corporativo e à ilusão
multicultural das ONGs e multinacionais que, sob pretexto de ajudar, perpetuam
formas sofisticadas de dominação, humilhação e desumanização.
A
sátira se intensifica na descrição da festa do escritório, ocasião em que os
funcionários simulam entusiasmo, reverência e competência, mas o que se vê é a
encenação farsesca de um cerimonial grotesco, orquestrado por Giocondo e suas
cortesãs subalternas.
A
viagem de Crátilo ao Brasil, mais especificamente ao Rio de Janeiro, cria um
contracampo nostálgico e melancólico. A cidade, longe de ser um paraíso, é
apresentada como um espaço em ruínas morais, embora ainda preserve algo da aura
perdida de uma civilização em colapso.
O
reencontro com amigos poetas, como Celso e Damásio, permite ao romance respirar
lirismo e filosofia, numa série de diálogos sobre arte, decadência urbana,
ética e memória. Esses momentos líricos agem como válvulas de escape num texto
tomado pela desesperança.
Damásio,
com seu humor libertino e irreverente, funciona como contraponto à rigidez do
mundo institucional. Seu discurso sexualizado e provocador devolve a Crátilo o
prazer de rir, ainda que seja um riso nervoso, meio histérico, em face da
miséria espiritual que os rodeia.
A
metáfora do eclipse lunar — em que “a lua míngua e cresce de novo em poucas
horas” — sugere o eterno retorno da tragédia, um tempo cíclico onde a esperança
e a catástrofe se sucedem em ritmo ritualístico, sem qualquer possibilidade de
redenção.
A
presença do velho Alonso, “o Patriarca de Copacabana”, introduz um novo núcleo
narrativo de profundo lirismo. Ele encarna o cansaço do mundo, a velhice traída
pela família, a lucidez humilhada pela decrepitude física.
Alonso,
com seu humor sarcástico, esconde sob as ironias a dor de se tornar invisível
para os que antes dependiam dele. Sua figura é ao mesmo tempo trágica e cômica,
um símbolo da fragilidade da memória e da inutilidade da experiência acumulada.
As
mulheres da família — Judite, Juana, Auxiliadora, Bruna — compõem um coro
doméstico que tanto ampara quanto disputa o legado do velho, evocando comédia
italiana e tragédia grega num mesmo gesto, alternando cuidado e interesse.
A
crítica social se adensa nas descrições de Teresina e Copacabana, entre a
ostentação provinciana e o luxo decadente das cidades brasileiras. A
frivolidade das sobrinhas e a disputa pelo apartamento tornam-se emblemas da
corrupção familiar.
Crátilo
oscila entre o papel de observador e o de agente, cada vez mais impotente
diante da deterioração dos laços afetivos. Seu sentimento é o de exílio
existencial, mesmo quando está “em casa”.
O
acidente de carro marca um momento de viragem narrativa. Ali, o caos urbano e a
injustiça institucional se tornam experiência corporal e traumática. Crátilo é
confrontado com a violência bruta da Barbúria, onde ser estrangeiro é estar
permanentemente em desvantagem.
A
negociação fraudulenta com Jaser é uma alegoria da corrupção sistêmica, onde a
vítima é forçada a pagar para sobreviver, num teatro kafkiano de chantagens,
documentos apócrifos, ameaças veladas e manipulações da verdade.
Satur,
o proprietário da casa alugada, representa a classe de oportunistas nativos,
que lucram com a desgraça dos outros. Oferece a fraude como solução natural,
expondo a falência ética generalizada.
A
omissão do Escritório da Ventura diante do sofrimento de Crátilo é um dos
momentos mais pungentes da crítica do autor. A frieza da empresa é denunciada
sem panfleto, apenas pela narrativa dos fatos.
A
relação com Ivonete evolui para a coabitação, mas é marcada pelo descompasso:
suas baratas, seus móveis em excesso, sua ocupação dos espaços domésticos,
apontam para a saturação simbólica e a impossibilidade de conciliação plena.
O
retorno ao trabalho, com Giocondo à espreita e exigente, sela a sensação de que
nada mudou. O ciclo se reinicia. A Barbúria continua sendo um campo de provas
da resistência do espírito humano à degradação.
O
sonho com o manicômio, o cachorro feroz e o banheiro sem portas revela a
linguagem simbólica do trauma: Crátilo, submetido à opressão, tem sua
privacidade violada, sua integridade ameaçada, sua dignidade exposta ao
ridículo.
A
presença do personagem Pancrácio, o novo Vice-Diretor, insinua a continuidade
das estruturas de poder e da cultura do favor. O sistema se renova, mas a
lógica de dominação permanece inalterada.
A
Barbúria é uma distopia tropical, espelho deformado da realidade pós-colonial.
Sua paisagem moral é povoada por homens pequenos com grandes poderes, por
cidades em ruínas e por uma burocracia que se nutre do sofrimento humano.
Márcio
Catunda investe no romance de formação às avessas. Em vez de crescimento ou
iluminação, o protagonista acumula cansaço, frustração e resignação. É um homem
em erosão.
O
estilo do autor combina humor corrosivo, lirismo urbano e observação
sociológica, alternando entre o olhar documental e o devaneio poético. A
oralidade das falas e a verossimilhança dos episódios conferem à narrativa um
sabor de realidade vivida.
“Todos
os dias são difíceis na Barbúria” é, mais que um romance, um testamento moral.
A quarta parte é o clímax desse testamento, em que as esperanças individuais
sucumbem sob o peso da opressão coletiva e da falência das instituições.
Neste
romance-labirinto, Crátilo permanece como um Ulisses sem Ítaca, um viajante sem
destino, que só encontra repouso no olhar poético com que observa o mundo,
mesmo quando este mundo insiste em lhe devolver apenas o absurdo, a injustiça e
a solidão.
QUINTA
PARTE
Na
quinta parte do romance “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria”, Márcio
Catunda tece com minúcia amarga o retrato de um exílio burocrático em terras
estrangeiras, onde a vida se esfarela entre o absurdo institucional, a desordem
do cotidiano e a humilhação sistemática. Esta parte específica assume contornos
kafkianos e rabelaisianos, em que a sátira serve à denúncia e o grotesco se
insinua como linguagem dominante. Trata-se, acima de tudo, de uma crônica
pungente da alienação do servidor público expatriado — aqui representado por Crátilo
— e da falência ética das estruturas que sustentam esse sistema.
Barbúria
não é apenas um país fictício: é a alegoria da disfunção. Sua representação
adquire contornos dantescos, de um purgatório secular onde nada funciona, nem o
Estado, nem a moral, nem o espírito humano. A cidade de Barbeville, sede das
ações, parece existir apenas como cenário de um prolongado suplício
administrativo. A descrição da espera em bancos, das marmitas frias, das
valetas que engolem calçadas, tudo compõe um cenário de decadência onde
Crátilo, o protagonista, se vê esmagado.
O
episódio da marmita servida a Crátilo durante o banquete oficial é emblemático.
Trata-se de um gesto pequeno que capsula a exclusão institucional e a forma
velada de violência simbólica à qual o funcionário é submetido. As palavras
“comida de operário” ressoam como denúncia social e colocam em cena um conflito
de classes silencioso. A burocracia aqui não é apenas ineficaz: ela é
humilhante, hierárquica, tribal.
Giocondo,
Pancrácio e outros chefes representam o carreirismo, a ambiguidade e a
mesquinharia típicas de ambientes corporativos corrompidos. O sistema de
promoções com base em favores sexuais ou estéticos, o jogo de bajulações e
traições, e a constante tensão entre aparência e competência criam um
microcosmo de degradação moral.
A
repetição das tarefas, a cobrança cínica de produtividade, os bilhetinhos de
ordens e os relatórios refutados transformam o cotidiano em uma sequência de
microviolências. A leitura à noite, a lembrança das viagens com Alonso, são os
poucos recursos de resistência afetiva e estética de Crátilo. A vida
burocrática impõe um tipo de cativeiro existencial que o romance descreve com
precisão dolorosa.
A
longa rememoração das viagens a Paris e Veneza, com Alonso, ocupa parte
considerável da quinta parte. Essas memórias contrastam com a aridez do
presente. No entanto, mesmo as viagens são perpassadas por conflitos,
mesquinharias e desconfortos. Alonso, figura tragicômica, oscila entre a
avareza, a devoção religiosa e a nostalgia. A viagem torna-se também metáfora
da perda: da juventude, do afeto, do mundo que se desfaz.
A
morte de Egberto, irmão de Alonso, fecha este arco narrativo com um tom de
desolação. A impossibilidade de comunicar a morte sem devastar revela o grau de
fragilidade dos laços familiares e a inadequação dos gestos diante da finitude.
O luto, aqui, é menos sobre a perda de alguém, e mais sobre a dissolução de uma
era, de uma geração, de qualquer pertencimento.
Embora
Barbúria seja um país estrangeiro, ela é um espelho, com traços grotescos e
caricaturais, do Brasil. A corrupção, o clientelismo, a precariedade das
instituições, o assédio sexual, a hipocrisia dos chefes e a ineficácia do
Estado — tudo compõe um retrato ácido do serviço público brasileiro e da
diplomacia em tempos de decadência.
Catunda
recorre ao humor corrosivo, ao sarcasmo, à anedota e à observação caricata como
instrumentos de crítica social. O grotesco do corpo (gripe, flatulências,
urina, salivas) aproxima a narrativa de Rabelais e de Lima Barreto. Mas o humor
aqui não é libertador — é denúncia, desconforto, agonia.
O
protagonista é uma figura quase camusiana: lúcido, impotente e desgastado. Sua
resignação frente ao absurdo, sua desesperança e sua dependência de pequenas
rotinas e memórias o tornam uma personagem trágica. Não há heroísmo, mas um
cansaço existencial. Crátilo é a consciência em meio ao entorpecimento geral.
A
quinta parte de “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria” opera, finalmente,
como documento ético e político. É uma crônica da barbárie institucional e da
falência dos afetos em tempos de autoritarismo velado. Márcio Catunda constrói
um romance que não apenas denuncia, mas convida o leitor à empatia crítica, ao
reconhecimento do cotidiano como campo de batalha ética.
SEXTA
PARTE
Na
Sexta Parte do romance “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria”, Márcio Catunda
transforma a literatura em crônica corrosiva do Brasil em ruínas. Acompanhando
a trajetória de Crátilo — funcionário público expatriado, observador irônico e
protagonista cético — o autor entrelaça o colapso político da nação brasileira
com a decadência moral de seus agentes, retratando um mundo onde os poderes se
corrompem, as instituições se desintegram e o cotidiano mergulha no grotesco. A
Barbúria é o espaço ficcional que encarna essa distorção: um país estrangeiro,
símbolo do exílio ético, onde a vida se converte em paródia. Neste ensaio,
analisaremos como Catunda constrói essa crítica político-literária, mesclando
sátira, existencialismo e desespero silencioso.
A
narrativa se ancora em um momento preciso da história: o processo de
impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em 2016. Ao não esconder o nome de
figuras reais — Michel Temer, Eduardo Cunha, Lula, Aécio Neves, Gilmar Mendes —
Catunda adota um realismo cru, que dialoga diretamente com o leitor brasileiro
contemporâneo. O romance é, portanto, documento e denúncia, ao mesmo tempo em
que subverte essa factualidade pelo filtro da ficção.
Crátilo
não é herói no sentido tradicional. É um servidor cansado, expatriado e
sarcástico, cuja maior arma é a observação implacável. Ele não atua: resiste,
comenta, ironiza. Sua passividade ativa é uma forma de crítica: o homem lúcido
numa sociedade insana é, inevitavelmente, espectador do absurdo.
A
Barbúria é uma invenção literária, mas suas características são reconhecíveis.
A descrição dos habitantes — deformados, barbudos, desdentados — e do ambiente
urbano — fétido, desorganizado, sombrio — remete a um país alegórico, onde a
decadência estética espelha a degradação moral. A Barbúria é a anti-utopia
tropical, onde a civilização é uma farsa.
A
empresa Ventura representa o Estado desmoronado. Seus problemas administrativos
refletem os impasses do governo: atrasos, cortes, demissões, confusões
hierárquicas. Os personagens vivem a crise institucional em sua forma mais
íntima — a ameaça do desemprego, o esvaziamento das funções, o colapso do
planejamento.
A
Sexta Parte é marcada por episódios de humor corrosivo: o entupimento do
banheiro, o funcionário que exibe dejetos como troféu, a chave do sanitário
entregue a uma secretária, os taxistas que barganham com o passageiro. Catunda
usa o riso como forma de denúncia. O cômico serve para expor o insuportável.
O
impeachment é descrito como um show farsesco. Os discursos vazios, os gestos
teatrais, os insultos, os slogans — tudo compõe o espetáculo da degradação. O
Congresso é palco de uma ópera bufa, onde a democracia se desfaz na encenação
grotesca.
Cansado
da rotina absurda, Crátilo inventa uma gripe e passa o dia em casa organizando
a biblioteca. Sua recusa do expediente é uma forma de protesto íntimo. Na
Barbúria, a sanidade exige afastamento. O exílio do trabalho é o último reduto
da dignidade.
Os
diálogos da obra funcionam como editoriais políticos. Damásio, Celso, Giocondo,
Alonso: cada personagem representa um espectro do pensamento nacional, do
anarquismo ao ceticismo absoluto. Nenhum acredita na salvação. O que os une é a
certeza do fracasso.
O
episódio em que o Diretor Giocondo despreza “Os Lusíadas” é emblemático. O
tecnocrata ignora o valor da literatura e da tradição. Essa rejeição à cultura
erudita simboliza a ascensão da ignorância como valor institucional. Em
contraste, Crátilo reafirma a permanência de Camões e a efemeridade dos medíocres.
Ao
fim da leitura, torna-se evidente que a Barbúria é o Brasil, deslocado no
espaço para melhor ser revelado. A Sexta Parte é um espelho deformado, onde
cada feiura é hipérbole do real. Catunda constrói uma alegoria mordaz, em que o
grotesco não é exagero, mas método.
Márcio
Catunda, nesta Sexta Parte de “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria”, produz
uma obra de poderosa força crítica. Ao combinar elementos do romance político,
da sátira e do drama existencial, o autor nos oferece uma anatomia da
decadência nacional, narrada por um protagonista exausto e lúcido. A Barbúria é
o país que nos tornamos, ou o país que sempre fomos — mergulhado em corrupção,
desorientado, entregue ao riso nervoso de sua própria miséria. Entre a
caricatura e o realismo, entre a ironia e o desalento, o livro se impõe como um
testemunho indispensável da tragédia brasileira contemporânea.
SÉTIMA
PARTE
Na
tradição literária que vai de “Gargântua e Pantagruel” a “O Processo”, passando
por “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, a sátira se torna ferramenta de
desnudamento do real. Em “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria”, romance de
fôlego, de Márcio Catunda, a sátira atinge seu grau corrosivo, na Sétima Parte,
onde o protagonista Crátilo, amanuense em missão internacional, tenta escapar,
ainda que brevemente, da opressão de uma república fictícia chamada Barbúria. A
Sétima Parte, com seus múltiplos registros — político, existencial, burlesco,
lírico — funciona como um espelho deformante que reflete, no entanto, a imagem
fiel de uma distopia realista.
Ao
narrar a trajetória de Crátilo entre a Barbúria, o Rio de Janeiro e Madri,
Catunda costura uma crítica ao autoritarismo institucional, à decadência moral
da burocracia, à mediocridade política e ao desencanto ideológico. Este ensaio
propõe-se a explorar os principais aspectos estéticos e políticos desse
segmento do romance, revelando como nele se condensa uma visão amarga e lúcida
do nosso tempo.
A
figura de Crátilo pode ser lida como um novo Bartleby, ou um Gregor Samsa sem
metamorfose visível, mas igualmente sufocado por um mundo desumano. Intelectual
burocratizado, vive em tensão entre a necessidade do sustento e o desejo de
entrega à literatura. A primeira cena da Sétima Parte, em que ele é impedido de
embarcar por repetidas exigências do chefe Giocondo, resume sua condição: um
exílio interno, em que a alma é constantemente contrariada pelo dever alienado.
A
Barbúria é mais do que cenário: é um personagem. Sua descrição em tons
hiperbólicos — ruas fétidas, carros desgovernados, gritaria, carniça, e
motoristas assistindo pornografia — constrói uma alegoria de estados falidos,
de instituições à deriva. A Barbúria é a anti-cidade, o anti-país, um lugar em
que a podridão física espelha a corrupção moral. Trata-se de uma distopia não
futurista, mas enraizada no presente — uma versão ficcional da decadência
contemporânea de diversos regimes políticos e sociais.
Se
a Barbúria é o inferno, o Rio de Janeiro surge como uma pausa paradisíaca,
ainda que tingida de contradições. Ali, Crátilo reencontra Damásio, seu amigo
anarquista, com quem compartilha debates acalorados, caminhadas em Ipanema e o
lançamento de uma antologia poética. A praia, o sol, o mar e a convivência
sugerem a possibilidade de um Brasil mais solar, mais leve, que se opõe ao peso
da máquina institucional barburiana. No entanto, a política e a crise emergem
mesmo neste espaço, mostrando que a utopia é sempre efêmera.
Damásio,
personagem de presença vibrante, encarna o ceticismo radical. Ele ataca tanto a
esquerda quanto a direita, ridiculariza a política institucional e se refugia
no hedonismo e na anarquia estética. É uma figura rabelaisiana, que alterna o
sarcasmo político com a lascívia desbragada. Sua figura tensiona o romance entre
a crítica lúcida e a postura destrutiva. Em seu discurso durante o lançamento do
livro, define a poesia como “uma anti-regra”, revelando o ethos libertário do
autor.
O
lançamento da antologia no Pen Clube é o contraponto à desumanização
barburiana. Trata-se de uma celebração da palavra e da amizade. Crátilo,
Damásio e Celso são apresentados como espíritos livres, e sua defesa da
liberdade poética é, por extensão, uma defesa da liberdade política e
existencial. O romance, portanto, faz um elogio da literatura como território
de resistência simbólica.
O
debate político entre os amigos é tratado com ironia. A discussão sobre Dilma,
Temer, Lula, Moro, a Lava Jato e os escândalos da Petrobras, revela o impasse
ideológico do país. Cada personagem representa uma visão (progressista,
anarquista, moderada), mas nenhuma delas é completamente suficiente. A política
surge como espetáculo, teatro de máscaras, onde todos gritam, mas ninguém
escuta.
Madri
é o intervalo poético. Ao vagar pelo Parque do Retiro e escrever poemas,
Crátilo se reconecta com sua essência criadora. É uma espécie de respiro entre
duas atmosferas sufocantes — a Barbúria e o Rio — e confirma que a poesia,
mesmo solitária, é refúgio e possibilidade de reinvenção subjetiva.
O
retorno de Crátilo à Barbúria é marcado pela suspeita: seus pen-drives
desapareceram. O escritório, lugar de intrigas, vigilância e mediocridade,
torna-se metáfora do Estado como máquina opressiva. A vida ali é dirigida pelo
medo, pela fofoca e pela competitividade degradante.
O
episódio do diretor Inocêncio Furtado é uma sátira feroz da psicopatia
institucional. O cão que se excita sexualmente com o chefe, a cartomante que
decide sobre a gestão pública e o corpo do pai enterrado no jardim — todos são
elementos que fazem da Netalâmia um espaço de necropolítica burlesca.
A
greve dos servidores, limitada a meio dia, é uma farsa. Serve apenas para
mostrar a impotência dos trabalhadores diante do aparato estatal. A caricatura
da greve sugere o esgotamento das formas clássicas de luta e a necessidade de
novos caminhos de resistência.
Conflitos
entre funcionários, traições, ciúmes e ressentimentos revelam a erosão das
relações humanas em ambientes tóxicos. O caso entre Palmira e Nemésia, ou o
atrito entre Pancrácio e seu namorado, são indicativos de um mal-estar
estrutural que vai além da política.
A
crítica à corrupção não se limita à Barbúria: ela é sistemática. Empresas
internacionais processam o país, funcionários são espionados, chefes manipulam,
e a única constante é a impunidade. A frase “os barbúrios vendem a mãe e fazem
a entrega em domicílio” resume esse etos cínico.
Petrúcio,
o africano injustiçado, surge como voz marginal e denúncia do racismo
estrutural. Sua exclusão e pobreza revelam que a Barbúria é também palco de um
apartheid não oficial. Seu pedido de dinheiro, ainda que modesto, é um grito de
ajuda.
A
recusa de Giocondo em ir à recepção da Embaixada da França, por medo de
atentado, mostra como o medo se tornou régua das ações públicas. A política, na
Barbúria, é a política da covardia, da omissão e da autopreservação.
Ir
a um restaurante e não ser atendido, cruzar uma rua fedendo a peixe podre e
fezes, caminhar sob a fumaça dos carros e escapar de bolas de futebol — o
cotidiano é composto de microagressões, onde cada gesto é um insulto ao
espírito.
Catunda
não descreve apenas uma nação fictícia, mas um sintoma global. A Barbúria é
qualquer lugar onde a dignidade foi devorada pelo autoritarismo, a técnica, a
ignorância e o ressentimento. É a distopia do presente.
A
Sétima Parte é profundamente cômica, mas de um riso que fere. A sátira não
alivia, mas denuncia. O grotesco, o escatológico e o burlesco funcionam como
instrumentos de desmascaramento. O riso, aqui, é sempre político.
Crátilo
caminha pelas ruas sujas da Barbúria com um pano no rosto. É uma figura
pós-apocalíptica. Sua resistência é o cansaço. O que resta, no fim, é o desejo
de partir, mesmo sem saber se haverá algum lugar possível.
A
Sétima Parte de “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria” é, ao mesmo tempo,
espelho e crítica. Catunda faz da ficção um instrumento de combate. Sua sátira
é um antídoto contra o embrutecimento, sua poesia, um grito contra a anestesia.
Em tempos em que a barbárie tenta se disfarçar de normalidade, Todos os Dias...
se impõe como leitura necessária, feroz e atualíssima.
OITAVA
PARTE
Nesta
oitava parte do romance “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria”, Márcio
Catunda ergue um retrato impiedoso da degradação moral, intelectual e ética de
uma instituição pública brasileira encravada em terra estrangeira, símbolo de
um Brasil que perdeu o rumo e dissemina, mesmo fora de si, os vírus do
compadrio, da hipocrisia e da corrupção. Catunda monta, com paciência de
entomólogo, o cenário de um microcosmo infernal onde o tempo não avança e onde
a burocracia devora o espírito humano.
Crátilo
é a consciência crítica do texto, figura à margem do sistema, um homem culto
aprisionado entre práticas indignas e personagens caricaturais que povoam o
Escritório da Ventura. Seu nome evoca o filósofo platônico, sinalizando sua
inquietação com a linguagem e com a realidade que o cerca. Seu desejo de fuga
da Barbúria, repetido como mantra, é menos geográfico que existencial: escapar
da mediocridade e da mesquinharia é seu verdadeiro objetivo.
A
cidade fictícia de Barbúria é descrita com um exotismo degradante: ruas sujas,
jardins trancados, parques tomados por quartéis. É o espaço da clausura, da
opressão silenciosa, onde o militarismo e a política corrupta fundem-se em uma
máquina de controle e paralisia. Essa Barbúria é tanto uma cidade estrangeira
quanto um reflexo deformado do Brasil contemporâneo — a globalização da inépcia
institucional.
A
Ventura é apresentada como uma comédia trágica, um “teatro de sombras” onde se
encenam rituais de adulação, traições e golpes administrativos. A troca de
mensagens entre Crátilo e os colegas da Matriz revela o esvaziamento das
relações humanas, substituídas por protocolos e frases ornamentadas que ocultam
a covardia institucional. A Ventura não promove nem recompensa o mérito: sobrevive
da politicagem, da cumplicidade e do cinismo.
As
personagens femininas — Nemésia, Palmira, Ivonete e Djanira — cumprem papéis
diversos, da crítica à caricatura. Nemésia é uma figura grotesca e autoritária,
mas também vítima e sobrevivente de um sistema masculino opressivo. Ivonete
surge como contraponto sensato e ternamente solidário a Crátilo, oferecendo a
única voz de lucidez emocional. Já Djanira, alvo de desprezo e desejo,
personifica o preconceito e o julgamento social velado.
O
detalhe grotesco da sarna que se alastra pelo corpo do Diretor Giocondo é uma
metáfora evidente da decadência moral do poder. O chefe bajulado, que manipula
tudo em torno de si com teatralidade e duplicidade, está fisicamente corroído
por dentro. A doença que começa “na bunda” e chega ao rosto assinala a
impossibilidade de esconder por muito tempo os efeitos da corrupção interna.
O
episódio da carne doada pela Gomoloc é emblemático. A promessa de cinquenta
quilos se transforma em trinta, e depois em coisa alguma para os convidados. A
carne simboliza a partilha da riqueza (ou sua ausência), a má-fé
institucionalizada, o fracasso das festividades públicas e privadas. A Ventura
celebra o novo governo com pão e frango fritos, enquanto seus líderes escondem
os melhores pedaços para si.
A
festa de despedida de Nemésia e celebração do novo governo não é senão um sarau
de imposturas. A comemoração revela-se indigente, dissimulada e vaidosa. É o
símbolo do “Estado-espetáculo”, onde tudo é encenação. Crátilo e Ivonete,
lúcidos, retiram-se cedo — preferem pão com ovo à farsa oficial. É o gesto
silencioso de resistência: não compactuar.
A
conversa de Crátilo com o primo Alonso representa o único oásis de humanidade e
memória na narrativa. Alonso, com sua voz de quase centenário, fala de saudade,
de morte e de um Brasil que se perdeu. Esse diálogo suspende a crueza da
burocracia e introduz uma delicadeza reflexiva: a vida é breve, e o que
permanece são as histórias, as canções e as viagens — como a primeira ida ao
Rio de Janeiro, no Loyd Brasileiro.
A
transferência de Crátilo para São Paulo, por fim concedida, é narrada com
júbilo e alívio. Mais que uma promoção, é uma fuga do inferno kafkiano da
Barbúria. A última imagem, de Crátilo aplicando creme protetor nas costas de
Ivonete, ao sol da varanda, é o prenúncio de uma nova existência, mais livre,
mais digna — uma vida em que o amor, a leitura e a lucidez substituam a farsa
burocrática.
A
oitava parte de “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria” é uma das mais
vigorosas críticas literárias da burocracia brasileira já escritas. Márcio
Catunda constrói, com ironia fina e indignação controlada, um mosaico da
podridão institucional, dos mecanismos de alienação e da resistência silenciosa
do indivíduo pensante. Crátilo, figura quixotesca e lúcida, representa o homem
que, mesmo vencido, escolhe preservar sua dignidade. Seu êxodo é o grito do
espírito que recusa a servidão.
NONA
PARTE (FINAL)
A
Nona Parte de “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria” constitui o fecho
melancólico e desabusado de uma longa travessia existencial. Trata-se de um
epílogo marcado pelo desencanto, onde a saída da Barbúria não representa
exatamente uma libertação, mas antes uma continuidade transformada da
experiência do exílio. O protagonista, Crátilo, retorna ao Brasil apenas para
descobrir que a neurose do sofrimento acumulado se naturalizou em sua vida
cotidiana. Essa parte final revela que a Barbúria não era apenas um espaço
geográfico, mas uma condição do espírito, um estado de corrosão civilizatória
que se interioriza.
A
decadência física de Crátilo — a cegueira incipiente, a dor nos olhos, o
hematoma — traduz simbolicamente o desgaste da alma. A Barbúria custou-lhe,
literalmente, “os olhos da cara”. O esfacelamento da visão é também metáfora da
crise do entendimento: o mundo que o rodeia torna-se cada vez mais opaco e
caótico. A degradação do corpo de Crátilo dialoga, mais adiante, com o corpo de
Giocondo, corroído por uma sarna incurável, e com o de Alonso, definhado pela
morte. É a anatomia da barbárie que se inscreve nos corpos.
O
grotesco permeia a despedida de Crátilo. O surrealismo da performance cultural
no Museu do General Putishanal — com serras elétricas, faíscas e um bailarino
de cuecas — traduz o esvaziamento do sentido artístico e político na Barbúria.
A tragicomédia prossegue nos jantares de despedida, onde o chá salgado de
cominho e os quibes vencidos funcionam como laxante literal e simbólico: é a
purgação final de uma convivência insuportável. O riso aqui é ácido, beirando o
asco.
O
retorno ao Brasil não proporciona à relação de Crátilo e Ivonete o repouso
esperado. Ao contrário: o desgaste do exílio revela-se irremediável. A
separação do casal é o epílogo emocional de uma convivência marcada por desejos
desalinhados e concepções divergentes de vida. O afastamento da afetividade é
apresentado como consequência inevitável da incompatibilidade de projetos: um
homem enclausurado na leitura e na escrita, e uma mulher em busca de diversão e
leveza.
A
crítica à Barbúria se estende à sociedade brasileira. A fala de Celso, sobre a
falência do sistema educativo e o abandono social, revela que os traços da
Barbúria estão presentes também no Brasil. Crátilo e seus amigos, mesmo de
volta ao lar, ainda discutem a brutalidade do mundo, a alienação da mídia, a
ignorância generalizada. A utopia civilizatória é constantemente frustrada.
A
morte de Alonso, figura tutelar e paternal para Crátilo, adquire uma dimensão
profundamente simbólica. Representa o fim de uma era, o apagamento da memória
afetiva, e o colapso das últimas ilusões. A recusa de Crátilo em assistir ao
funeral, sua ausência diante do sofrimento do primo, evidencia o esgotamento
emocional do personagem. O hospital, descrito como “câmara de tortura”,
sintetiza a visão niilista do fim da vida numa sociedade que banaliza a dor.
A
última cena do romance é marcada pela imagem do mar de Copacabana, onde Crátilo
caminha solitário, contemplando a névoa. É uma cena de epifania trágica: não há
redenção, apenas um lento caminhar sobre as ruínas da experiência. A névoa
simboliza a incerteza, o esquecimento, o cansaço do mundo. O arco dos
edifícios, do Leme ao Forte de Copacabana, é também o arco da existência que se
fecha.
Nesta
parte final, Márcio Catunda desloca a crítica da Barbúria exterior para a
Barbúria interior. A experiência da alienação não desaparece com a mudança de
país, pois o trauma se internalizou. A crítica social dá lugar a uma crítica
ontológica: o mundo moderno, burocrático, violento, desprovido de
sensibilidade, é irredimível. E o homem contemporâneo é apenas um espectador
passivo da sua própria decadência.
Mesmo
nos momentos mais sombrios, o texto conserva um humor cáustico e um tom
satírico refinado. Seja na descrição da sarna de Giocondo ou nos maneirismos de
Pancrácio e Reginan, o riso serve como forma de resistência, de denúncia, de
lucidez. O humor de Catunda lembra-nos que a ironia é talvez o último refúgio
do espírito crítico diante do absurdo.
A
Nona Parte de “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria” é, enfim, um testamento
da desilusão. Crátilo é uma figura exaurida, que sobreviveu a uma experiência
de opressão simbólica e afetiva, e que emerge dela transformado — não em herói.
O romance termina sem esperança, sem reconciliação, sem epifania. A literatura,
nesse contexto, é o gesto derradeiro de um homem que lê e escreve para não
sucumbir à barbárie.
CONCLUSÃO
Este
ensaio analisa o romance “Todos os Dias São Difíceis na Barbúria”, de Márcio
Catunda, sob o prisma da literatura do exílio e do desencanto moderno. Através
de uma leitura crítica da obra, investiga-se a consolidação do absurdo, a
decomposição do corpo e da linguagem, o fracasso do afeto, e o uso do grotesco
como estética da denúncia. O estudo destaca como a Barbúria, símbolo de
alienação geopolítica e existencial, persiste além do espaço físico, como
estado permanente de esvaziamento civilizacional.
Na
Nona Parte (Final) de Todos os Dias São Difíceis na Barbúria, Márcio Catunda
conclui a trajetória de Crátilo com uma nota profundamente melancólica. O
retorno à pátria não significa libertação, mas prolongamento do exílio em novos
contornos. Como afirma Said (2003), “o exílio é estranhamento irreversível”, e
é justamente este sentimento que prevalece no epílogo da obra. A Barbúria, ao
fim e ao cabo, é menos um território estrangeiro e mais um estado de corrosão
do espírito humano diante de uma civilização em colapso.
O
corpo de Crátilo, marcado por lesões oculares e exaustão nervosa, torna-se
metáfora direta daquilo que a Barbúria provoca nos sujeitos que por ela
transitam. A cegueira progressiva e o ardor nos olhos indicam não só o cansaço
físico, mas uma erosão da capacidade de ver, entender e tolerar. A literatura
moderna recorre, com frequência, ao corpo enfermo como espelho da alma
atormentada — e aqui, Catunda filia-se a essa tradição, à maneira de Bernhard
(1991) ou Beckett (1952), onde o corpo, já não sujeito, torna-se sintoma.
A
cena no “Museu do General Putishanal” constitui uma condensação paródica do
desvario institucional: dança em cuecas, serras elétricas, tintas nas pernas e
fogos cruzados de faíscas compõem um ritual que se aproxima do teatro do
absurdo — evocando Ionesco ou Arrabal. O grotesco, como sugere Bakhtin (1987),
não é apenas uma técnica de deformação, mas uma forma de resistência e
denúncia. A Barbúria, nesse aspecto, não é um país, mas uma farsa, um palanque
de horrores cotidianos, onde o riso é o último refúgio possível da lucidez.
O
retorno ao Brasil revela um cenário ainda mais desolador: a relação entre
Crátilo e Ivonete desmorona sob o peso da incomunicabilidade. A separação,
longe de ser uma mera divergência afetiva, revela a perda completa da linguagem
comum entre os dois. “Você não conversa mais”, diz Ivonete, refletindo a
impossibilidade de partilha do trauma. Como aponta Sontag (2003), a dor não é
comunicável — e o sofrimento de Crátilo, internalizado e silencioso,
transforma-se em obstáculo à convivência.
A
agonia e morte de Alonso são descritas com crueza e compaixão. A recusa de
Crátilo em assistir aos últimos momentos do primo simboliza o limite da empatia
diante da degradação terminal. O hospital transforma-se em “câmara de tortura”
— evocando imagens kafkianas de instituições que aniquilam em vez de curar. A
decisão de não regressar é um gesto de covardia, mas também de autodefesa.
Barthes (1980) já notava que o luto verdadeiro se dá não na homenagem, mas na
ausência prolongada e muda.
Mesmo
no fim, a conversa entre Crátilo e Celso revela a persistência da utopia
humanista. A crítica à mídia, à ignorância e ao sistema educacional brasileiro
remete a uma esperança quase extinta, mas ainda palpitante. A leitura e a
escrita são, para Crátilo, uma forma de resistência — tal como para Primo Levi
ou Hannah Arendt: sobreviver é narrar. Não por acaso, o romance termina com
Crátilo contemplando o mar, solitário, em Copacabana — como um último gesto de
reumanização do mundo.
Todos
os Dias São Difíceis na Barbúria é um romance de fronteiras tênues entre o
exílio geográfico e o exílio interior. Na sua última parte, Márcio Catunda
desenha um quadro terminal da subjetividade em tempos de violência, burocracia
e dissolução afetiva. A Barbúria, nesse sentido, não é apenas um país fictício:
é o nome da barbárie que sobrevive à civilização, e que se instala
silenciosamente no coração dos que resistem.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN,
Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1987.
BARTHES,
Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BECKETT, Samuel. Waiting for Godot. Londres: Faber
& Faber, 1952.
BERNHARD, Thomas. Extinção. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
CATUNDA,
Márcio. Todos os Dias São Difíceis na Barbúria. Fortaleza: RDS Editora, 2018.
SAID,
Edward. Reflections on Exile and Other Essays. Cambridge: Harvard University
Press, 2003.
SONTAG, Susan. Regarding the Pain of Others. New York:
Farrar, Straus and Giroux, 2003.
NOTAS
Crátilo, nome do protagonista, remete ao
filósofo grego do mesmo nome, discípulo de Heráclito, que afirmava ser
impossível fixar o sentido das palavras — metáfora apropriada para um romance
sobre deslocamento e incompreensão.
O uso da sarna como doença incurável em
Giocondo, chefe opressor, é exemplo de sátira física como crítica moral,
explorada desde a comédia romana até o teatro grotesco moderno.
A repetição da palavra “Barbúria” ao longo da obra reforça sua função alegórica — como Macondo em Cem Anos de Solidão ou a Kakania de Musil.
Vicente
Freitas Liot