domingo, maio 17, 2009

Clero, nobreza e povo de Sobral

Esta resenha é espaço por demais diminuto para colocar a grandeza de Lustosa da Costa, o cronista, o jornalista e o romancista, e dizer da sua vida e da sua obra, e falar do primor e do encanto de sua prosa. Só agora chega-me às mãos o exemplar do seu belo livro Clero, nobreza e povo de Sobral, acompanhado de generosa dedicatória que fica creditada à sua indulgente bondade.
Lustosa é colunista do "Diário do Nordeste", em Brasília. Foi Editor Chefe de "Unitário" e "Correio do Ceará". Em fins de 1974 passou a residir na Capital da República onde militou, por muitos anos, na sucursal de "O Estado de São Paulo" e escreveu crônicas no "Correio Braziliense". Em 2000 elegeu-se para a Academia Brasiliense de Letras e ganhou o Prêmio Ideal de Literatura, com o livro de crônicas "Rache o Procópio". Lançou em 2002, na Embaixada do Brasil em Lisboa, a edição portuguesa de seu romance "Vida, paixão e morte de Etelvino Soares", versão romanceada da atormentada trajetória do jornalista Deolindo Barreto.
A obra de Lustosa da Costa representa um marco da nossa tradição literária moderna e a seu respeito já se manifestou a crítica favoravelmente, me parecendo justo destacar o que escreveu o poeta e ensaísta José Alcides Pinto: "O material com que trabalha é o mesmo da ficção – a ficção de vanguarda, a de um Gabriel Garcia Márquez, por exemplo, ou de outros grandes vultos da literatura latino-americana. A caracterização dos personagens é perfeita, e em seu registro história e memorialística se juntam numa grandeza meridional e abrangente". Sobre sua obra ensaios e artigos importantes vêm sendo publicados no correr do tempo, tais aqueles redigidos por Evaristo Linhares, Moreira Campos, Adelto Gonçalves e Paulo Elpídio de Menezes Neto.
Segundo Milton Dias, "Lustosa da Costa se inscreve na lista dos melhores cronistas brasileiros – nome respeitado, estimado, admirado; freqüentador diário da imprensa conseguiu um público numeroso e atento que corre ao jornal diariamente, fiel à sua colaboração de todo dia".
Acabo de ler seu livro e chego à conclusão de que ele – sobralense a valer nestas crônicas, feitas da mesma composição de seu rincão à beira do Acaraú – se nos apresenta o mais cáustico demolidor de fatuidades e carunchadas reputações, e – o incrível – faz tudo isso envolvido do mais puro senso de humor. Sua capacidade de encadear figuras e fatos em sucessão é o mérito maior do criador de tantos personagens divertidos, às vezes, turbulentos, que lembram as excentricidades dos heróis cômicos de Dickens. Não que seus personagens de carne e osso fossem cômicos – mas que assim nos são apresentados – na recriação fabulosa do cronista que une a psicologia ao estilo numa gota de tinta, com veneno e luz, caricatura da vida urbana-cotidiana da pequena cidade de Sobral, do início do século passado.
Sobral é cidade de filhos ilustres – ou que se tornaram interessantes mesmo depois da morte. Terra do filósofo Visconde de Sabóia, Domingos Olímpio, Padre Ibiapina, Dom Jerônimo, Dom José Lourenço, Dom José Tupinambá da Frota, Vicente Loiola, José Sabóia, Cordeiro de Andrade, Deolindo Barreto, que veio de Crateús para viver, lutar e morrer ali. Uma galeria interminável de padres, políticos, jornalistas, escritores e poetas de boa cepa. E tudo começou com uma fazenda de nome Caiçara, de propriedade do Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, cujo nome está ligado à história da cidade pela doação feita ao patrimônio da Matriz. Ao redor da Igreja surgiram as primeiras casas da povoação, quase sempre de tijolos – cobertas de telhas – pertencentes a pessoas de boa linhagem, das quais descende grande parte das famílias sobralenses. Depois do Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, outros sesmeiros vieram ali se estabelecer – Manoel Madeira de Matos, Manoel Vaz de Carrasco, pai das sete irmãs, progenitoras das principais famílias do Vale do Acaraú [estabelecido no atual município de Bela Cruz], Jerônimo Machado Freire, Capitão-mor José de Xerez Furna Uchoa, [estabelecido em Bela Cruz, depois em Sobral], Antônio Alves Linhares, Capitão-mor José de Araújo Costa, meu pentavô, português [estabelecido também em Bela Cruz, casado com d. Brites de Vasconcelos, uma das sete irmãs], Ignácio Gomes Parente, Gonçalo Ferreira da Ponte e, logo em seguida, os Frotas, os Coelhos, os Holandas Cavalcantes, os Rodrigues Limas, os Ferreiras Gomes, os Mendes Vasconcelos, os Paulas Pessoas, os Ximenes de Aragão e tantos outros que adquiriram sesmarias no Vale do Acaraú. Vieram das capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e até mesmo de Portugal. E ali ficaram encantados ou encantoados com as águas do Rio Conoribon, Conoribo, Coruybe, Rio dos Torrões Pretos, Rio das Garças, segundo as diversas denominações que lhe deram seus primitivos habitantes. E foi ali, à beira do rio, que nasceram [viveram suas proezas e escaramuças] as personagens do livro de Lustosa da Costa.
Ao encerrar essa desataviada prosa, quero dizer ao ilustre escritor que tive muito prazer em escrevê-la, assim como também experimentei ao ler o seu livro. E o prazer maior é fechá-la com chave de ouro, lembrando o impávido jornalista Deolindo Barreto: "Conte-se o caso como o caso foi, o cão é cão e o boi é boi".

Ao usar este artigo, faça referência, cite a FONTE: Texto de autoria de Vicente Freitas, disponível em http://vicentefreitas.blogspot.com

Ao cair da tarde

Recebi ontem o precioso livro “Ao cair da tarde” [Editora ABC, Fortaleza] de Lustosa da Costa, e de uma sentada, ou melhor, deitada [mania que tenho de ler num velho tucum de embira de carnaúba] consumi as 96 crônicas enfeixadas nesse mimoso volume de 150 páginas.“Ao cair da tarde”, pelo título, já é um poema, um verso de cinco sílabas, quer nas crônicas do cotidiano, quer no perfil de amigos ou inimigos, quer nas suas observações de viagem – o livro se banha com a unção de um lirismo encantador.Suas crônicas parecem esconder uma complexidade pressentida sob límpida naturalidade, numa prosa divagadora de quem conversa distraído, passando o tempo, sem se preocupar com o jeito de falar. E, no entanto, uma prosa cheia de achados de linguagem – uma sintaxe livre e flexível – propiciando poesia num ritmo leve e doce que nem caldo de cana espremida.Uma experiência que se transmite por estórias, que parece vir de outros tempos e retomar o fio da tradição oral, tal qual os contadores de causos espalhados por estes rincões de Maria Bonita e Lampião.Lustosa da Costa, cronista hoje consagrado, começou no jornalismo, ainda nos anos 50, no Correio da Semana, da sua querida e sempre lembrada fidelíssima cidade Januária do Acaraú. Época da popularização dos veículos de comunicação de massa, quando o jornalismo conquistava enormes contigentes de leitores – promovia o consumo, suicídio de presidente, destituía ministros e cassava deputados, como hoje. Era, enfim, o chamado “quarto poder”. Ou é. Como afirmou Mário de Andrade, que conto é aquilo que o autor do conto afirma ser conto, tal definição se aplica ainda com mais propriedade à crônica moderna brasileira. Por ela se poderá verificar o quanto é variável de um para outro o conceito desse gênero literário que engloba tudo: lembranças de infância, flagrantes do cotidiano, considerações literárias, notas de viagem, tipos inesquecíveis, páginas de memórias, bricabraque e tal.Lustosa da Costa merece o nosso carinho e a nossa admiração, no momento em que lança mais um livro, dando continuidade, assim, à sua vocação literária, numa terra em que a crônica tem excelentes cultores, nas obras de um Ribeiro Ramos, Rachel de Queiroz, Milton Dias, Ciro Colares, João Clímaco Bezerra, João Jacques, Osmundo Pontes, Padre Antônio Vieira, Airton Monte e tantos expoentes da literatura cearense. O que nos deixa sorumbáticos [sorumbáticos?] é que a maioria deles já viajou pra cidade dos pés juntos. Então, que viva. Viva muito. Viva Lustosa.Entre, amigo leitor, ao cair da tarde, no mundo mágico de Lustosa. Estas crônicas – poesia do cotidiano – a partir de agora em forma de livro, passam a ser um bem comum de todos nós. Venha participar dessa festa da inteligência, que é a convivência com Lustosa da Costa.
VICENTE FREITAS de Araújo Costa – jornalista e escritor cearense – nasceu na cidade de Bela Cruz, Ribeira do Acaraú. Filho de José Arimatéa Freitas Araújo e d. Maria Rios Araújo. Dedica-se à literatura e às artes plásticas, distinguindo-se como historiador, cronista e caricaturista. Depois de estudar em algumas escolas de sua cidade natal, mudou-se para Fortaleza, passando então a conviver com um grupo de escritores e poetas, freqüentadores da casa de Juvenal Galeno. Licenciado em História e Geografia, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. É autor dos livros: Almanaque poético de uma cidade do interior (1999); Nicodemos Araújo – uma antologia (2000); O carpinteiro das letras (2002); Esboço genealógico de Bela Cruz (2006). Bela Cruz – biografia do município (2007). Participou de várias antologias, dentre as quais: Poetas brasileiros de hoje, Shogun Arte Editora, RJ (1992); Valores literários do Brasil, RJ (1996); Contos e poemas do Brasil, Litteris Editora, RJ (1997).

quinta-feira, maio 07, 2009

Enchentes em Bela Cruz

Parte do município e algumas ruas do centro da cidade de Bela Cruz foram e continuam alagados há uma semana. Os refugiados das enchentes do Rio Acaraú perderam quase tudo. Muitos estão sem poder trabalhar ou ir à escola. Falta comida e água potável. O cenário de calamidade é realidade em quase toda a ribeira do Acaraú que já tem mais de 23.000 atingidos pelas enchentes. Em meio aos transtornos, parte das creches e escolas municipais passou a abrigar pessoas que tiveram suas residências alagadas ou destruídas. De acordo com a coordenadoria da Defesa Civil do Estado, somente neste município, 7 mil pessoas já foram afetadas pelas águas, e dois agricultores morreram quando tentavam salvar seus animais. O número de pessoas desalojadas já ultrapassa duas mil; 125 casas foram danificadas e 30 delas destruídas. Além disso o abastecimento de água foi comprometido. Os moradores estão sem água nas torneiras há uma semana. Técnicos da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) foram enviados ao local com ajuda do helicóptero da Ciopaer, mas não resolveram o problema. A falta de água afeta também o Hospital Municipal que está sendo abastecido pela Defesa Civil, com caminhão-pipa. Até o Centro de Convenções da cidade, onde foram alojadas 30 famílias, o abastecimento também cessou. De acordo com a coordenadoria de imprensa do Governo do Estado, 19 municípios atingidos pelas enchentes já receberam auxílio financeiro. Entre eles Bela Cruz (R$ 300 mil reais). Os recursos serão destinados para a compra de cobertores, cestas básicas e remédios. Esse é o quadro geral do município: famílias desabrigadas, casas destruídas, plantações perdidas. A situação em Bela Cruz, e boa parte da Ribeira do Acaraú, é desoladora e necessita de ajuda que vai além do poder público.

Vicente Freitas
vincentfreitas@ig.com.br

domingo, maio 03, 2009

Enchentes do Rio Acaraú, na cidade de Bela Cruz - Ceará.

Cruzamento Rua Humaitá com Rua Santa Cruz Rua Coronel Duca Rua Humaitá - Centro comercial - na foto Gracinha Enchente do Rio Acaraú - Rua Nossa Senhora de Fátima. Hoje, 04 de maio de 2009. 11:15 hs. Fotos: Vicente Freitas.