sexta-feira, março 30, 2012

Brigitte

Nude Sdraiato, Amedeo Modigliane   
Tua beleza é misteriosa…
De onde ela vem?
Tua tristeza é misteriosa…
E eu sinto, agora:
Tua beleza é tua tristeza;
Tua tristeza é tua beleza.

Olhos negros, pele de chocolate.
Mulata, negra, morena –
Dengosa, formosa, voluptuosa.

Um mistério, eu não entendo;
Um desejo, eu não entendo.
E, por essas razões,
Minha vontade é criar, sentir
Que tu existes…
Reinventar o que nunca meus olhos viram:

– Tua beleza, Brigitte.

Vicente Freitas

quarta-feira, março 28, 2012

Devaneio


Por trás do chumbo das nuvens,
Redonda e cheia, a lua – se esconde.
Estrelas distantes não sabem da lua,
Não sabem de mim,
Não sabem de ti…
Não sabem da pequena Terra,
Esquecido mundo,
Pai e mãe da tua beleza.
Não sabem dos teus lábios.
Tua volúpia, teu sexo…
Dos teus olhos azuis, lágrimas da terra,
Das paixões tempestuosas,
Nem dos dramas que encerram.
E eu, agora, aquém do teu corpo,
Tuas curvas e voltas,
Comtemplando a lua pálida, no céu…
Fico inquieto,
Porque – só na Terra – tua beleza.
Vicente Freitas

quinta-feira, março 22, 2012

Os quatro elementos


I - O FOGO
O sol, desrespeitoso do equinócio
Cobre o corpo da Amiga de desvelos
Amorena-lhe a tez, doura-lhe os pêlos
Enquanto ela, feliz, desfaz-se em ócio.
E ainda, ademais, deixa que a brisa roce
O seu rosto infantil e os seus cabelos
De modo que eu, por fim, vendo o negócio
Não me posso impedir de pôr-me em zelos.
E pego, encaro o Sol com ar de briga
Ao mesmo tempo que, num desafogo
Proibo-a formalmente que prossiga
Com aquele dúbio e perigoso jogo...
E para protegê-la, cubro a Amiga
Com a sombra espessa do meu corpo em fogo.

II - A TERRA
Um dia, estando nós em verdes prados
Eu e a Amada, a vagar, gozando a brisa
Ei-la que me detém nos meus agrados
E abaixa-se, e olha a terra, e a analisa
Com face cauta e olhos dissimulados
E, mais, me esquece; e, mais, se interioriza
Como se os beijos meus fossem mal dados
E a minha mão não fosse mais precisa.
Irritado, me afasto; mas a Amada
À minha zanga, meiga, me entretém
Com essa astúcia que o sexo lhe deu.
Mas eu que não sou bobo, digo nada...
Ah, é assim... (só penso) Muito bem:
Antes que a terra a coma, como eu.

III - O AR
Com mão contente a Amada abre a janela
Sequiosa de vento no seu rosto
E o vento, folgazão, entra disposto
A comprazer-se com a vontade dela.
Mas ao tocá-la e constatar que bela
E que macia, e o corpo que bem-posto
O vento, de repente, toma gosto
E por ali põe-se a brincar com ela.
Eu a princípio, não percebo nada...
Mas ao notar depois que a Amada tem
Um ar confuso e uma expressão corada
A cada vez que o velho vento vem
Eu o expulso dali, e levo a Amada:
- Também brinco de vento muito bem!

IV - A ÁGUA
A água banha a Amada com tão claros
Ruídos, morna de banhar a Amada
Que eu, todo ouvidos, ponho-me a sonhar
Os sons como se foram luz vibrada.
Mas são tais os cochichos e descaros
Que, por seu doce peso deslocada
Diz-lhe a água, que eu friamente encaro
Os fatos, e disponho-me à emboscada.
E aguardo a Amada. Quando sai, obrigo-a
A contar-me o que houve entre ela e a água:
- Ela que me confesse! Ela que diga!
E assim arrasto-a à câmara contígua
Confusa de pensar, na sua mágoa
Que não sei como a água é minha amiga.

VINÍCIUS DE MORAES


terça-feira, março 20, 2012

Amor Virtual


Escrevo estes versos pra ti
Como quem faz um filho.
Eu sou tua alma gêmea
E tu, querida, és minha flor.

Por ti eu vivo, eu morro,
Minha fada, mimo, mulher,
És minha estrela, minha lua,
E eu serei tudo o que quiseres.

Esse amor que nos toca
numa explosão de energia
Há quilômetros de distância:
És tu que vens,
Nas nuvens, no ar,
sobre; sob sol e chuva.

Sinto teu corpo, tua pele
– Faço de ti minha musa –
Toco teus seios, sonho e…

– Sou real, verdadeiro.


Vicente Freitas



terça-feira, março 13, 2012

Sonhos



O Sonho, Picasso
Eu sonhei…
…que você não me magoaria mais;

Eu sonhei…
…o amor cura todas as feridas; 

Eu sonhei…
…ninguém é dono do coração de ninguém;

Eu sonhei…
…a vida é bela, a poesia, mais ainda; 

Eu sonhei…
…não posso escolher por você;

Eu sonhei…
…quanto mais penso em você…
mais poemas consigo escrever;

Eu sonhei…
…que você me amava, tal qual amo você…

– Contudo, isso não altera os fatos.


Vicente Freitas

segunda-feira, março 05, 2012

Girassol

Doze girassóis numa jarra,
Vincent van Gogh, agosto de 1888,
óleo sobre tela,
91 × 72 cm.
Neue Pinakothek, Munique.
Pétalas fundidas ao tempo
flores e flores amarelas, 
recolhem e derramam luz, 
atirando, à sala,
a arte de Vincent.

Pétalas de luz transverberada
retendo, no vaso, as flores
refletindo o amarelo ouro
além do vaso,
além da sala,
além do tempo.

Pétalas de “Lírios”
Pétalas de “Sorrow”, nua,
Pétalas de “Loendros”.

Eis ali o artista, de corpo inteiro,
transfigurado em Girassol.

Vicente Freitas