quarta-feira, outubro 25, 2023

 Antes de Atravessar, Atravessei

José Nêumanne Pinto
Na terra onde o sol parece abraçá-la, emerge a Paraíba, uma pérola cultural do Brasil. Neste cantinho do Nordeste, onde a poesia dança no ar e a música é a batida do coração, a arte floresce como uma fonte inesgotável de criatividade. A cada esquina, as cores vibrantes das casas e a indomável beleza da paisagem se mesclam para formar um cenário que é uma verdadeira paleta de inspiração. Nesse paraíso cultural, o povo paraibano, com sua hospitalidade calorosa, é a personificação dessa riqueza artística.
Segundo Bráulio Tavares, em algum momento, nas profundezas do passado, uma nave celestial pousou nas terras paraibanas. Dentro dela, não havia astronautas, mas, poetas e violeiros, cujas almas eram feitas de versos e acordes. Eles desembarcaram com uma missão divina: casar-se com a beleza natural da Paraíba, com suas colinas, praias douradas e cajueiros, e gerar descendentes de sonhadores e criadores.
Esses poetas siderais, com a prodigiosa capacidade de assumir a aparência humana, escolheram casar-se com as moças do lugar, cujas lágrimas eram como pérolas de saudade e cujo riso era como o som de uma vila cheia de esperança. E assim, a semente da poesia e da arte foi plantada nas entranhas dessa terra abençoada.
Pinto do Monteiro, um nome que ecoa como um trovão de versos, emergiu como um dos maiores guardiões desse legado. Ele era o mestre das palavras rimadas, um encantador de plateias com sua voz e sua viola. Pinto do Monteiro personifica a maestria dos cantadores e poetas populares da região, aqueles que mantiveram a tradição viva através das gerações.
Mas Pinto do Monteiro foi apenas o começo. A Paraíba, como um celeiro divino, continuou a gerar poetas, músicos e artistas notáveis. Desde os versos sombrios de Augusto dos Anjos até a prosa rica de José Américo de Almeida, a literatura paraibana sempre soube tocar a alma de seus leitores. José Lins do Rego levou-nos a passeios pelos engenhos de cana, enquanto Ariano Suassuna nos convidou a dançar o frevo da cultura nordestina.
Na viola, a Paraíba deu ao mundo talentos como Zé Limeira, cujos versos surreais eram como balas de poesia disparadas. Jackson do Pandeiro fez os corações dançarem ao som do forró, e Sivuca trouxe a sanfona para a vanguarda da música brasileira. Geraldo Vandré, com sua voz inconfundível, cantou sobre a esperança e a luta.
No teatro, Paulo Pontes deu vida a personagens que eram como espelhos de nossa própria humanidade, enquanto no cinema, os irmãos Vladimir e Walter Carvalho usaram a lente da câmera para capturar a beleza da Paraíba. E, na economia, Celso Furtado foi um mestre das finanças, e também um poeta da justiça social.
Tantos e tão luminosos talentos, todos paraibanos, nos fazem acreditar que a Paraíba é verdadeiramente uma dádiva dos deuses. Como explicar essa abundância de gênios criativos senão como um presente “do outro mundo”? A Paraíba é um lugar onde a inspiração e a criatividade correm pelos rios e estradas, onde o sol e a lua parecem competir para iluminar a imaginação de seus filhos.
Assim, celebramos não apenas a Paraíba, mas também José Nêumanne Pinto e todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a riqueza cultural e artística dessa terra abençoada. E que essa riqueza, como uma eterna fonte de inspiração, continue a fluir, alimentando as almas e os corações de todos aqueles que têm a honra de conhecê-la.
José Nêumanne Pinto, nesse seu novo livro, se destaca como um poeta que ousa desbravar as profundezas da alma humana e, ao fazê-lo, nos convida a embarcar em uma jornada de reflexão e autoconhecimento. Sua obra, intitulada “Antes de atravessar”, se revela como um mergulho profundo no cerne da existência, como se o autor estivesse prestes a empreender uma travessia misteriosa e transformadora.
A referência a Dante Alighieri, autor da “Divina Comédia”, introduz um elemento clássico e alegórico à poesia de Nêumanne Pinto. No entanto, ao contrário do épico de Dante, que visava a redenção e a busca por Deus, o poeta de Uiraúna explora a jornada interior, a busca pelo “eu” e a transformação pessoal. A musa Isabel não é uma promessa de paraíso após a travessia, mas sim, uma guia que o acompanha nas caminhadas pelos círculos da vida. Ela se torna a força propulsora de sua jornada.
O poema “Magister dixit” revela a genialidade do autor, pois ele inverte o papel tradicional do amado. Ao pôr “Camões pelo avesso”, ele subverte as convenções e coloca a amada no papel de mestre, ensinando-o nas nuances do amor e da vida. Esta inversão cria uma dinâmica de relacionamento, onde o poeta se torna um aprendiz apaixonado, buscando sabedoria e orientação nos ensinamentos daquela que o inspira.
Assim, José Nêumanne Pinto, nos oferece uma poesia que é uma exploração do eu e do amor, onde a musa se torna o guia através da vida inteira. Sua escrita é um convite para a introspecção, uma busca constante por significado e autodescoberta, como uma verdadeira continuação da tradição literária que explora a complexidade de nossa existência.
Neste livro, José Nêumanne Pinto não se limita a ser apenas um observador passivo da vida. Ao invés disso, ele se torna o protagonista de sua própria narrativa poética. Nessa jornada, ele não conta com a orientação de um guia tradicional, como Virgílio foi para Dante em sua “Divina Comédia”. A escolha de nomear sua musa inspiradora de “Beatriz” não é apenas uma homenagem ao clássico literário, mas também um sinal de que sua amada é a fonte de sua orientação e inspiração.
Em “Antes de atravessar”, José Nêumanne Pinto nos desafia a refletir sobre nossas próprias jornadas interiores. Sua poesia é um convite para uma introspecção profunda e uma viagem ao âmago das questões universais da existência. É um testemunho de sua coragem em enfrentar as incertezas e desafios da vida, confiando no poder da poesia para iluminar o mundo.

FREITAS, Vicente. O Livro Póstumo de Bernardo Soares. Clube de Autores, 2023. p. 393.

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