terça-feira, julho 13, 2010

O Brasil é um grande plágio

[Imagem: Free4Uwallpapers]
Ter idéias próprias não é bem uma característica que marque a História do Brasil. Exceto alguns casos avulsos, a ‘cópia’ se constitui um costume nacional, desde os primeiros dias desse país que, inclusive, já teve o nome oficial de ‘Estados Unidos do Brasil’, dando mostras do olhar invejoso lançado sobre o irmão-mais-rico: o Tio Sam. 


Nas artes, o Brasil só veio a ‘rascunhar’ sua primeira identidade em 1922, com a ‘Semana da Arte Moderna’. Mesmo assim não faltaram duras críticas. Os conservadores da época, considerando ultrajante qualquer mínima tentativa de romper os vínculos com as tradições européias, insistiam em não enxergar qualidade nas tendências artísticas especificamente brasileiras.
O cinema nacional também viveu algumas décadas em que fez do plágio sua maior fonte de inspiração. A maioria das ‘chanchadas’ nada mais era que paródia mal feita de famosos filmes estrangeiros. 
Paralelo a isso, a cultura desvalorizava suas poucas obras originais. Quase ninguém sabe que ‘O Cangaceiro’, filme produzido por Lima Barreto em 1953, é, ainda hoje, o maior sucesso de bilheteria que um filme brasileiro já alcançou, superando a casa dos US$ 50 milhões. Só na França, ficou 5 anos em cartaz. Infelizmente, essa renda ficou com a Columbia, companhia cinematográfica dos EUA, que comprou barato os direitos sobre a película.
Com a televisão não tem sido diferente. Alguns dos programas mais populares são apenas cópias. Quem assina TV a cabo já deve ter percebido que o ‘Programa do Jô’ copia o programa do Jay Leno em quase tudo: estrutura, cenário, figurino, além de todo o diferencial como é o caso da caneca e do quinteto. Até as piadas do Leno o Jô ‘reconta’, dias depois, em versão traduzida. A coisa é tão ‘macaqueada’, que nem a postura corporal escapa.
Nos telejornais também se percebe a cópia dos formatos utilizados; principalmente os cenários adotados pela CNN.
Na música, as versões de canções estrangeiras – que chegaram a ser incentivadas por lei, durante a ditadura militar – tornaram-se algo que supera a questão do ridículo. Além do fato de que o Brasil não paga os devidos ‘royalties’ aos artistas estrangeiros, há essa tendência perene de transformar belíssimas canções em meros e tediosos lamentos pseudo-românticos. É ultrajante, por exemplo, ouvir as versões – talvez melhor fosse dizer ‘aversões’ – que Chitãozinho e Xororó cantam de ‘Wonderful Tonight’ (Eric Clapton) e que o Leonardo canta de ‘Corazón Espinado’ (Carlos Santana). Então, ‘paródia’, ‘paráfrase’, ‘versão’ é o caralho!
O nome para tudo isso é plágio. Ainda pior se o plagiador lucra e os direitos autorais não são pagos ao autor original. Porque aí é roubo mesmo.
Há casos de plágio até entre nomes consagrados da literatura brasileira. Ariano Suassuna roubou – não cabe outra palavra – a trama central que Shakespeare metaforizou tão bem em ‘O Mercador de Veneza’. No original inglês a trama tem por centro o acordo firmado entre o agiota judeu Shylock e o cristão Antônio, no qual o primeiro poderia tirar uma libra da carne do segundo, caso o empréstimo não seja quitado. Shakespeare invoca o princípio jurídico ‘pacta sun servanda’ (‘o contrato é lei entre as partes’) para mostrar, de um lado, a fragilidade dos contratos frente à inconstância dos cenários; e, de outro, a necessidade de se respeitar tais acordos, sob o risco de – desrespeitando-os – gerar caos social. Suassuna copia a idéia na íntegra (problema, desenvolvimento e solução), mas transformando-a em idéia secundária de seu livro, minimizando a temática e, assim, impedindo que o leitor perceba a profundidade da questão sob o prisma da Filosofia do Direito.
Da mesma forma, no ensino brasileiro, principalmente o superior, a cópia tornou-se comportamento tão amplamente aceito que na maioria dessas escolas há pequenas empresas cuja única finalidade é ‘xerocar’ livros ou apostilas. Com isso, o autor, que não ganha nada com as cópias ilícitas, vê cair o volume de vendas de seu livro e se sente desestimulado a dar continuidade à  produção intelectual. O lucro, por sua vez, fica para aquele que – sem ter contribuído para a efetivação da obra – reproduz e vende  ilegalmente a publicação (no todo ou em parte), incontáveis vezes. É a institucionalização do plágio, praticada justamente nas instituições em que muito se discute o plágio, quando praticado pelo aluno.
Agora, imagine dois alunos conversando: “– E aí, já fez o trabalho sobre Direito Autoral? É para ser entregue na segunda-feira!”. Ao que o outro responde: “– Ainda não. Mas vou, agora mesmo, pegar as cópias dos capítulos II e III do livro do Sidney Bittencourt”.
E não cabe mais alegar que sem o uso das cópias ilícitas a educação brasileira se tornaria inviável, face à pobreza do alunado. Isso é uma explicação contraditória e inaceitável que, se já possuiu algum mínimo sentido antes dos anos 80, hoje não mais.
Com toda essa ‘cultura do plágio’, não é de se espantar que a ‘blogosfera brasileira’ apresente grandes disfunções nesse sentido. A Internet – ambiente ilusoriamente democrático – leva a crer que todos podem ser escritores; que todos podem ser engraçados; que todos têm algo que o mundo queira ler ou ver; e, pior, que todos podem ganhar dinheiro com isso.
A realidade, porém, é mais dura. A maioria sequer conhece o próprio idioma, escreve mal, não tem sensibilidade. Enfim, não possui a bagagem mínima para uma produção cultural razoável. Pior que isso: a maioria tem preguiça de aprender. Não quer desenvolver o esforço necessário para construir – na mente – um acervo de conhecimento que lhe permita ser criativo.
Será que é tão difícil assim ser original? Na verdade é! Mas e daí? Se alguns podem ser originais, é sinal de que muitos outros também podem. Para isso, no entanto, é preciso tentar exaustivamente. Errar inúmeras vezes até atingir o êxito do primeiro acerto. Thomas Edson, imortalizado por inventar a lâmpada incandescente, já havia patenteado mais de 500 outras criações de menor importância, antes de chegar àquela que lhe daria fama.
Como se não bastasse, o plágio não é somente violação de diretos autorais: uma vez que afronta o direito – constitucionalmente garantido – de personalidade do autor, configura mais que um ilícito civil, mas, ainda, um ilícito criminal gravíssimo, previsto no artigo 184 do Código Penal, cuja penalidade pode levar à detenção e multa.
E aqui nem cabe agora discutir a funcionalidade da lei, quando aplicada ao meio virtual. Tampouco vale entrar no mérito das dificuldades práticas de se identificar o plagiador e alcançá-lo, de fato, para que responda por seus erros. Isso porque, o combate ao plágio, seja na Internet ou em qualquer outro meio, vai muito além de um compromisso legal. Em plano mais amplo, a luta contra o plágio é, de certa forma, uma tentativa de se evitar a morte prematura da inteligência genuinamente brasileira.
Está na hora de o Brasil passar a ser ‘o país da originalidade’. O plagiador, embora seja quase sempre dotado de incomparável estupidez e desprovido de qualquer senso ético, deve ser conscientizado de que cópia alguma irá lhe conferir valor como pessoa que produz. Aos que insistirem no erro, restará então a opção da denuncia, da exposição dos fatos, das conseqüências legais, bem como do escárnio e da morte social que essas coisas costumam provocar.
É preciso que se entenda, afinal, que o espelho, mesmo quando diante do próspero, reflete tão-somente a imagem inversa.
José Fernandes

contraoplagiobrasil@gmail.com

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