terça-feira, dezembro 19, 2023

 INTELECTUALIDADE ENTRE A POLÍTICA E A IMPOSIÇÃO DO FEDERALISMO


Li, recentemente, um artigo bem interessante. Os autores, Silvio Gabriel Serrano Nunes e Maria Isabel Pimentel de Castro Pinto, abordam o protagonismo de Rui Barbosa na “refundação” do Brasil, após o golpe republicano de 1889. Nesse artigo, os autores dão destaque para o perfil intelectual e a trajetória política de Rui Barbosa, especialmente seu papel na elaboração da primeira Constituição republicana, com foco no federalismo. O texto explora como Rui Barbosa se imortalizou não apenas na Academia Brasileira de Letras, mas também no cenário político e na construção do Brasil.

Esse artigo de pesquisa histórica discute os desenvolvimentos políticos e constitucionais, no Brasil, durante a transição da monarquia para a república, com foco particular no papel de Rui Barbosa. O texto aborda vários aspectos: o processo de elaboração constitucional, a influência de modelos estrangeiros (EUA, Argentina, Suíça), o debate sobre a forma de governo (presidencialismo vs. sistema parlamentar) e as contribuições de Rui Barbosa para o texto constitucional.
No momento crucial da transição das estruturas políticas do Império para a instauração da República, desponta o inegável protagonismo de Rui Barbosa. Em meio à efervescência desse período marcado pela mudança de regime político, emerge um amplo debate protagonizado por indivíduos ávidos por ocupar espaços nas instituições do saber e na política, almejando projeção através do exercício de cargos que conferissem destaque no cenário político.
A atuação de Rui Barbosa, jurista e jornalista, adquire uma dimensão singular quando consideramos não apenas seu papel na esfera jornalística, mas, sobretudo, seu destacado protagonismo na “refundação” do país com a advento da República. Neste contexto, sua influência política e prestígio intelectual ganham magnitude, colocando-o diante do mais desafiador dos encargos: a redação das novas leis que moldariam o Brasil republicano e contemporâneo.
Falar em “refundação” implica reconhecer que Rui Barbosa e seus contemporâneos intelectuais assumiram a missão de conceber uma nova visão para o Brasil, fundamentada em seus próprios atributos. Este empreendimento visava a construção de uma identidade nacional, submetida ao crivo da elite intelectual que se via como detentora do destino da nação.
A euforia inicial, expressa por intelectuais como Olavo Bilac, Luis Murat e Pardal Mallet, em um manifesto ao governo provisório, um mês após o golpe republicano, delineava a República como uma aliança promissora entre os homens de letras e o povo. No entanto, o entusiasmo cedeu espaço a desafios intransponíveis com a ascensão de Floriano Peixoto. A suposta aliança entre intelectuais e o povo foi suprimida por problemas que a República não solucionou, ampliando a lacuna entre os estratos sociais, desfavorecendo, como sempre, os desprovidos de recursos diante da ausência de políticas públicas efetivas.
O golpe de 1889, acelerou a fragmentação do território nacional, multiplicando municípios e comarcas. Na prática, isso fortaleceu e autonomizou o Poder Judiciário, assim como conferiu mais autonomia ao Poder Executivo, por meio da transição de províncias para estados federativos, conforme estabelecido na Constituição Federal, de 1891. Todavia, essa fragmentação, longe de ser meramente descentralizadora, permaneceu sob o controle do governo central, que, simultaneamente, concedia autonomia e mantinha as rédeas da nação por meio da imposição de novas leis.
Os autores, Silvio Gabriel Serrano Nunes (Doutor, mestre, licenciado e bacharel em Filosofia pela USP) e Maria Isabel Pimentel de Castro Pinto (Doutora em História, pela Universidade de São Paulo, USP), utilizam uma abordagem metodológica baseada na revisão bibliográfica de obras relacionadas a Rui Barbosa, à República Velha e aos intelectuais que desempenharam papéis importantes nas instituições do saber e do poder durante esse período. Recomendamos, boa leitura.

Bibliografia:
NUNES, S. G. S., & PINTO, M. I. de C. (2023). Rui Barbosa e a inteligência que refundou o Brasil: Intelectualidade entre a política e a imposição do Federalismo (1889-1930). Projeto História : Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, 78, 97–121. https://doi.org/10.23925/2176-2767.2023v78p97-121

PINTO, M. I. de C. Patrimônio Fundiário e Poder na Paraíba. Comarca de São João do Cariri (1889-1930). Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2022.

NUNES, Silvio G. S. As origens do constitucionalismo calvinista e o direito de resistência: a legalidade bíblica do profeta em John Knox e o contratualismo secular do jurista em Théodore de Bèze. Doutorado, FFLCH-USP, São Paulo, 2017.

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