terça-feira, julho 16, 2024

O ADEUS DO PRÍNCIPE DOS POETAS

No dia 17 de julho de 1941, um véu de tristeza cobria o céu de Santana do Acaraú. A pequena cidade, de ruas arenosas e alma cearense, testemunhava a última viagem do mais ilustre filho do Acaraú, Padre Antônio Thomaz, o Príncipe dos Poetas Cearenses. O tempo parecia conspirar com a melancolia daquele dia, estendendo seu manto de saudade sobre cada esquina, cada rosto. O silêncio respeitoso de todos os presentes refletia a imensidão da perda que a comunidade enfrentava.

O translado do corpo do Padre Antônio Thomaz era uma jornada demorada e solene. As condições das estradas e do velho Chevrolet, cuja ignição era acionada por uma manivela, contribuíam para a lentidão do cortejo. As rodas do automóvel levantavam poeira, marcando cada metro percorrido com um rastro de lembranças e emoções. Cada soluço do motor parecia um lamento, acompanhando o ritmo dos corações que pulsavam em uníssono na cidade enlutada.

Ao cair da tarde, a população de Santana do Acaraú se acotovelava no Alto da Cajazeira, desejosa de prestar sua última homenagem ao poeta sacerdote. O cortejo do esquife preto, arrastado lentamente pelo cansado automóvel, avançava como se carregasse o peso de todas as palavras escritas pelo padre poeta, cada verso de suas homilias e sonetos. A aglomeração, embora densa, mantinha um respeito reverente, como se cada movimento fosse uma oração silenciosa.

Senhoras enxugavam as lágrimas na barra de seus véus, enquanto rezavam nas contas do rosário ou liam alguma jaculatória no velho manual em latim. As palavras das orações ecoavam no ar, como se buscassem consolo nas lembranças das profundas homilias, das extremas unções e dos viáticos administrados pelo virtuoso sacerdote. Cada prece parecia carregar uma memória, um fragmento do amor e do respeito que a comunidade nutria por ele.

Os habitantes de Santana do Acaraú, com olhares atentos e corações pesados, murmuravam os eruditos sonetos do Padre Antônio Thomaz: “O Palhaço”, “Eva”, “Contraste” e tantos outros. A poesia, que outrora trouxe alegria e reflexão, agora servia como um réquiem para seu criador, um consolo para os que ficaram. As palavras fluíam como um riacho manso, trazendo à tona as emoções que ele havia capturado em seus versos.

O cortejo avançava lentamente, e muitos acompanhavam com os olhos até que o esquife desaparecesse na curva do Alto Bonito. A saudade e a admiração pelo poeta sacerdote eram uníssonas nas vozes que ecoavam pelas ruas: “Vai com Deus, padre poeta”. A despedida era ao mesmo tempo dolorosa e reconfortante, pois sabiam que suas palavras e seu espírito permaneceriam vivos em suas memórias.

Padre Antônio Thomaz deixou um legado imenso, tanto como sacerdote quanto como poeta. Suas palavras tocavam profundamente o coração das pessoas, suas homilias eram fontes de inspiração e conforto. Naquele dia, a cidade sentia a perda de um grande homem, mas também celebrava a eternidade de sua obra. Cada frase que ele escreveu se tornava uma lembrança viva de sua sabedoria e bondade.

O velho Chevrolet finalmente parou. O local de descanso final do Padre Antônio Thomaz estava preparado para recebê-lo. Ali, cercado pela natureza e pela história, o Príncipe dos Poetas Cearenses seria sepultado, mas suas palavras continuariam a viver nos corações de todos que tiveram o privilégio de conhecê-lo. O sepultamento, carregado de simbolismo, foi um momento de profunda reverência e reflexão.

O momento do sepultamento foi marcado por um silêncio profundo, um respeito silencioso que só os grandes homens conseguem inspirar. A terra que agora acolhia o corpo do poeta sacerdote já era sagrada, um templo onde suas palavras continuariam a ressoar eternamente. O silêncio, longe de ser vazio, estava repleto da presença espiritual do padre poeta.

Que descanse em paz, Padre Antônio Thomaz, o Príncipe dos Poetas Cearenses. Sua última viagem, marcada pela saudade e pela admiração de um povo inteiro, será lembrada para sempre. E suas palavras, eternizadas em cada verso, continuarão a inspirar gerações, mantendo vivo o espírito do poeta sacerdote que um dia caminhou pelas ruas do Acaraú e de Santana, agora sem sua presença física, mas, eternamente enriquecidas por sua obra e memória.

Padre Antônio Thomaz (Acaraú, 14 de setembro de 1868 — Fortaleza, 16 de julho de 1941) pároco, poeta e escritor, primeiro Príncipe dos Poetas Cearenses. Filho do professor Gil Thomaz Lourenço e dona Francisca Laurinda da Frota, cursou latim e francês em Sobral e concluiu seus estudos no Seminário de Fortaleza, onde foi ordenado sacerdote, em 1891. Dedicação à Igreja e à poesia marcaram sua vida, sendo reconhecido por sua humildade e profundidade literária.

 

VICENTE FREITAS

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