A Infância como Fonte de Inspiração
Candido
Portinari, um dos maiores nomes da pintura brasileira, é amplamente conhecido
por suas obras que retratam o Brasil, suas paisagens e seu povo. No entanto,
além de ser um mestre das cores e formas, Portinari também encontrou na poesia
uma maneira de expressar suas emoções e reflexões mais íntimas. Seu livro “Poemas de Portinari”, publicado postumamente, em 1964, revela uma dimensão
menos conhecida de sua personalidade artística, mas que, de certo modo,
complementa sua trajetória como pintor.
Diferente
das suas telas que muitas vezes capturam a grandiosidade do cenário brasileiro,
em seus poemas, Portinari adota uma voz introspectiva e pessoal. Ele troca o
vasto campo visual de sua pintura por uma linguagem mais direta. Suas palavras
não se preocupam com os floreios da linguagem poética tradicional, mas sim com
a sinceridade emocional. Essa simplicidade aparente confere uma força à sua
poesia, uma vez que cada palavra é carregada de significados que vão além do
que está escrito.
Assim
como em suas obras visuais, Portinari revisita em sua poesia as paisagens e as
memórias de sua infância em Brodowski, no interior de São Paulo. Os campos de
café, os trabalhadores e as cenas do cotidiano rural que aparecem em suas
pinturas também ganham vida em seus versos. No entanto, enquanto a pintura
permite uma interpretação mais aberta e subjetiva, a poesia de Portinari
oferece uma perspectiva mais íntima e pessoal sobre essas mesmas memórias. É
como se, por meio das palavras, o artista estivesse compartilhando uma parte de
si que as telas não conseguem capturar completamente.
Além
de explorar suas memórias, Portinari também usa a poesia como um meio para
refletir sobre questões universais, como a vida e a morte. A proximidade com a
morte, tanto como conceito quanto como experiência vivida, está presente em
seus poemas, muitas vezes de forma direta e sem adornos. Isso demonstra uma
coragem artística, pois Portinari não busca suavizar ou romantizar esses temas,
mas sim enfrentá-los com a mesma intensidade que dedicava às suas pinturas.
Essa abordagem direta e honesta é o que torna sua poesia tão impactante.
Embora
sejam diferentes em termos de forma, tanto a pintura quanto a poesia de
Portinari compartilham uma preocupação comum: a busca pela verdade e pela
identidade. Assim como suas telas capturam a essência do Brasil e de seu povo,
seus poemas buscam capturar a essência de sua própria experiência de vida. Não
há uma separação clara entre o pintor e o poeta, pois ambas as formas de
expressão se complementam e se enriquecem mutuamente.
Portinari,
como poeta, não segue as convenções literárias. Ele não busca impressionar com
técnica ou virtuosismo, mas sim com a sinceridade e a profundidade de seus
sentimentos. Em muitos aspectos, sua poesia pode ser vista como uma extensão de
sua pintura, uma forma de continuar explorando os temas que sempre o
interessaram, mas em um novo meio.
Seu livro “Poemas de Portinari” não apenas
amplia nossa percepção do artista, mas também nos oferece uma visão mais
completa de sua sensibilidade e de sua busca constante por expressão.
Portinari, tanto como pintor quanto como poeta, permanece fiel à sua identidade
e à sua visão do mundo. Ele nos convida a ver o Brasil e a vida através de seus
olhos, não apenas nas cores vibrantes de suas telas, mas também nas palavras
que escolhe para expressar o que está em seu coração. Ao descobrir essa faceta
menos conhecida de Portinari, somos lembrados de que a arte, em todas as suas
formas, é uma maneira de capturar e compartilhar a essência da experiência
humana.
A Infância em Brodowski
Candido
Portinari, um dos maiores pintores do Brasil, encontra na cidade de Brodowski a
base sólida para a construção de sua identidade artística. O pequeno município,
localizado no interior paulista, transcende a mera geografia para se tornar um
elemento fundacional na obra do artista. Brodowski, com sua simplicidade e
paisagens rurais, é o útero de onde nasce a poética de Portinari, tanto em suas
telas quanto em seus versos.
A
infância, que geralmente habita as margens da memória, é, para Portinari, o
centro de sua produção. Nos seus poemas, assim como nas suas pinturas,
Brodowski não aparece como uma simples lembrança nostálgica, mas como um espaço
mítico, carregado de significados profundos e universais. As festas populares,
os campos de café e as brincadeiras de criança são mais do que meros elementos
descritivos; são símbolos de uma vida que se desenrola em camadas, desde a
superfície alegre até as profundezas de uma alma em constante diálogo com sua
origem.
Os
versos de Portinari são impregnados por essa dualidade. Enquanto o leitor pode
ser atraído pela aparente simplicidade das imagens, a profundidade dos
sentimentos revela-se em um segundo olhar. Brodowski, em sua pequena escala,
torna-se um microcosmo do Brasil rural, um espelho das tensões e belezas que o
artista busca capturar em suas criações. Cada linha de um poema, cada pincelada
de uma tela, parece carregar o peso de uma saudade e de uma esperança que só
podem ser plenamente compreendidas à luz dessa infância brodowskiana.
Portinari
transforma Brodowski em um espaço atemporal. O que poderia ser apenas a memória
de um lugar se torna, em sua obra, um campo fértil para a imaginação. Nos seus
poemas, a cidade é tanto o cenário da infância quanto o palco de um reencontro
constante com o passado. A casa simples, as ruas de terra, o horizonte vasto,
tudo isso é recriado com a força de uma visão que transcende o particular para
alcançar o universal.
É
na simplicidade da vida em Brodowski que Portinari encontra a essência de sua
arte. As cenas cotidianas, tão comuns para quem viveu ali, são, para o artista,
fontes de uma riqueza inesgotável. Nos seus poemas, essa simplicidade é tratada
com a reverência de quem entende que, na aparente banalidade, residem as verdades
mais profundas. Assim, as festas religiosas, as procissões e as celebrações que
marcam o calendário da pequena cidade ganham uma dimensão quase sagrada na obra
de Portinari.
A
cidade de Brodowski, tão pequena e tão distante dos grandes centros urbanos,
torna-se, nas mãos de Portinari, um universo em miniatura. Em seus poemas, o
artista constrói um diálogo constante entre o passado e o presente, entre o
local e o universal. Brodowski é o ponto de partida, mas também o ponto de
chegada de uma jornada artística que busca entender o Brasil em toda a sua
complexidade. A infância vivida ali é a chave para compreender não só a obra de
Portinari, mas também a sua visão de mundo.
O
contraste entre a simplicidade do ambiente e a profundidade das emoções
exploradas por Portinari reflete a dualidade presente em sua arte. O artista
consegue, com maestria, equilibrar o singelo e o grandioso, o pessoal e o
coletivo, o concreto e o abstrato. Brodowski, com todas as suas peculiaridades,
emerge como uma metáfora da alma do artista, um espaço onde o passado se faz
presente e onde a criação encontra suas raízes mais profundas.
Portinari
não apenas retrata Brodowski; ele a reinventa. Nos seus poemas, a cidade é um
lugar de pertencimento, mas também de busca incessante. É um refúgio e, ao
mesmo tempo, um desafio. A simplicidade das paisagens contrasta com a
complexidade dos sentimentos evocados. A Brodowski de Portinari é, portanto, um
lugar de paradoxos, onde o concreto e o etéreo se encontram e onde a criação
artística floresce a partir da terra fértil das memórias.
Brodowski
não é apenas a cidade onde Portinari nasceu e cresceu; é o berço de toda a sua
criação. Cada poema, cada pintura, carrega consigo a marca indelével desse
lugar. A infância, em sua obra, não é um tempo perdido, mas um tempo
reencontrado, constantemente recriado nas suas produções. Brodowski, com suas
festas, seus campos e suas brincadeiras de infância, é mais do que um cenário.
É a alma de Portinari.
Entre o Sonho e o Medo
Candido
Portinari, conhecido amplamente por sua contribuição monumental às artes
plásticas, nos legou uma obra poética que reflete, de maneira quase espelhada,
as dualidades presentes em sua pintura. Seus poemas, tal como suas telas, são
repletos de contrastes profundos que revelam a complexidade de sua visão de
mundo. Se em suas pinturas o Brasil rural, os trabalhadores do campo e as
injustiças sociais são representados com cores vibrantes e formas imponentes,
em sua poesia, esses mesmos temas são desdobrados em versos que oscilam entre o
sonho e o medo, a luz e a escuridão.
Um
dos aspectos mais marcantes da poesia de Portinari é a idealização da infância,
frequentemente evocada como um tempo de pureza e simplicidade. Seus versos são
impregnados de uma saudade quase palpável de uma época em que o mundo parecia
mais seguro e encantador. No entanto, essa infância não é vista apenas sob uma
ótica romântica. Ela é também confrontada com a dura realidade da vida no
campo, onde o trabalho extenuante e as dificuldades materiais estão sempre à espreita.
Essa dualidade entre a inocência perdida e o peso das responsabilidades adultas
permeia sua obra, criando um senso de melancolia que é, ao mesmo tempo, doce e
amargo.
Se
o sonho e a nostalgia habitam um polo de sua poesia, o medo, a dor e a perda
ocupam o outro. Portinari, como pintor, foi um cronista da dor e do sofrimento
do povo brasileiro, e essa sensibilidade social encontra eco em sua poesia. As
doenças, a morte, o luto — esses temas são abordados de maneira direta e, ao
mesmo tempo, com uma delicadeza que lhes confere uma dimensão quase universal.
A beleza de seus versos reside justamente nessa capacidade de transformar o
sofrimento em algo que toca profundamente o leitor, sem cair no sentimentalismo.
Portinari
parece ter consciência de que a beleza e a dor não são mutuamente exclusivas;
pelo contrário, elas frequentemente coexistem e até se potencializam. Seus
poemas expressam essa tensão contínua entre o belo e o disforme, criando uma
estética da contradição que se alinha perfeitamente com a dramaticidade de sua
pintura. Essa justaposição de elementos opostos — a luz e a sombra, a esperança
e o desespero — confere à sua obra poética uma intensidade emocional que a
eleva ao mesmo patamar de sua produção artística visual.
A
dualidade que permeia a poesia de Portinari não é meramente temática, mas
estrutural. Seus versos oscilam entre ritmos calmos e agitados, entre imagens
suaves e brutais, refletindo a própria ambivalência do autor diante do mundo.
Essa qualidade ambígua, longe de enfraquecer sua poesia, lhe dá uma
profundidade que desafia o leitor a confrontar suas próprias emoções
contraditórias. É como se Portinari estivesse constantemente nos lembrando de
que a vida é feita de opostos, e que é nesse jogo de luz e sombra que reside
sua verdadeira essência.
Não
se pode ignorar a profunda interconexão entre a obra pictórica e poética de
Portinari. Suas pinturas, que frequentemente retratam cenas de um Brasil rural
e sofrido, parecem encontrar eco nos versos que evocam as mesmas paisagens e
sentimentos. A diferença está, talvez, na linguagem: enquanto a pintura utiliza
formas e cores, a poesia de Portinari se constrói a partir de palavras que
sugerem, evocam e emocionam. Em ambos os casos, porém, a força expressiva é
inegável, e a dualidade entre o sonho e o medo emerge como um tema central.
A
melancolia que perpassa a poesia de Portinari pode ser vista como uma matriz
criativa, uma força que, longe de paralisá-lo, o impulsiona a criar. Essa
melancolia, derivada tanto das perdas pessoais quanto de sua consciência
social, é transformada em arte através de seus versos. Como em suas pinturas,
onde a tristeza e a injustiça são elevadas a um nível quase épico, na poesia,
Portinari transforma o sofrimento em uma linguagem poética que, apesar de sua
densidade emocional, não perde a sutileza.
Entre
o sonho e o medo, Portinari constrói uma obra poética que é, ao mesmo tempo,
inteira e fragmentada. Inteira, porque revela de maneira profunda e sincera a
alma do poeta; fragmentada, porque é feita de pedaços de vida, de momentos de
alegria e tristeza, de lampejos de beleza e de dor. É essa dualidade que dá à
sua poesia uma dimensão universal, que ressoa tanto em suas pinturas quanto nos
corações de seus leitores.
A
poesia de Portinari, assim como sua pintura, é um convite a mergulhar nas
contradições da vida, a aceitar que o sonho e o medo, a luz e a escuridão,
coexistem em um equilíbrio delicado e, muitas vezes, doloroso. É essa dualidade
poética que faz de Portinari um artista completo, capaz de nos emocionar com
sua sensibilidade e de nos confrontar com a realidade de maneira visceral.
O Cotidiano e o Sublime
Portinari,
com suas telas icônicas, também se revela um poeta singular, capaz de captar o
cotidiano de forma que transcende a mera observação. Sua poesia não é apenas
uma descrição do mundo que o cerca, mas uma elevação de cenas comuns a um nível
quase místico. Em sua poesia, ele transforma os elementos simples da vida, como
o trem que passa ao longe ou os jogos de futebol na rua, em símbolos de uma
experiência mais profunda, conectando o leitor a um sentido de beleza que
reside no ordinário.
O
que torna a poesia de Portinari tão marcante é sua habilidade de capturar a
essência de uma cena cotidiana e elevá-la ao sublime. Sua linguagem é direta e
despretensiosa, o que faz com que o leitor se sinta imediatamente conectado às
imagens que ele cria. No entanto, é na profundidade oculta dessas imagens que
reside a verdadeira força de seus versos. Ao retratar uma procissão religiosa,
por exemplo, Portinari não apenas descreve o evento, mas capta a devoção
silenciosa, a fé compartilhada, transformando a cena em uma meditação sobre a
espiritualidade.
Essa
habilidade de transcender o comum é um traço característico de sua obra. Os
trens que cortam a paisagem em seus poemas não são apenas meios de transporte;
são metáforas para o tempo, para o movimento constante da vida que nunca cessa.
Da mesma forma, os jogos de futebol de rua, que poderiam ser vistos como uma
simples diversão, se tornam, em suas mãos, uma expressão de camaradagem, de
vida comunitária, de uma resistência lúdica ao peso da existência.
Portinari
não se limita a retratar cenas de sua infância ou de sua terra natal de forma
nostálgica. Ele está interessado em algo mais profundo: revelar a beleza
intrínseca de lugares e situações que, à primeira vista, poderiam parecer
insignificantes ou banais. A terra esquecida, em seus poemas, é ao mesmo tempo
um lugar físico e simbólico. É o espaço do cotidiano, do dia a dia que, nas
mãos do poeta, se transforma em um território de resistência poética.
Ao
escrever sobre esses lugares e pessoas, Portinari eleva o que é comumente
considerado simples ou comum. Ele nos lembra que há beleza na rotina, nas
paisagens que costumamos ignorar, nos momentos fugazes que passamos
apressadamente. Essa celebração do comum, que é uma característica marcante de
sua obra, nos força a reconsiderar nosso próprio olhar sobre o mundo. Portinari
sugere que o sublime não está reservado para grandes feitos ou momentos
extraordinários, mas pode ser encontrado na quietude de um fim de tarde, no som
distante de um trem, ou no jogo de crianças na rua.
A
poesia de Portinari opera em um espaço liminar entre a realidade concreta e a
transcendência. Ele não se contenta em apenas observar; sua escrita busca
transformar. Ao fazer isso, ele nos oferece uma visão renovada do mundo, onde o
banal pode ser visto como algo grandioso e o ordinário se revela
extraordinário. Sua obra poética é, portanto, uma celebração do cotidiano, mas
uma celebração que é, ao mesmo tempo, uma forma de resistência — resistência
contra a indiferença, contra o esquecimento, contra a superficialidade.
Os
“Poemas de Portinari” nos convidam a redescobrir o valor do que está ao nosso
redor, a ver com novos olhos aquilo que muitas vezes ignoramos. Portinari, ao
capturar esses momentos e elevá-los ao sublime, nos lembra que a poesia pode
estar em qualquer lugar — basta saber onde e como olhar. Em sua obra, ele nos
oferece não apenas um retrato de sua terra e seu tempo, mas uma visão poética
que tem o poder de nos transformar.
Portinari,
ao escrever de forma simples e direta, nos oferece muito mais do que aparenta à
primeira vista. Ele nos convida a ver o mundo com olhos renovados, a encontrar
o sublime no cotidiano, a descobrir a poesia na vida comum. Seus poemas são um
lembrete de que a beleza está ao nosso alcance, se soubermos onde procurá-la.
Ao transcender o ordinário, Portinari nos mostra que a verdadeira arte não está
apenas em representar, mas em transformar.
O Compromisso Social
Candido
Portinari, com sua grandiosa contribuição às artes visuais, deixou também um
legado literário que reflete seu profundo compromisso com as questões sociais.
Assim como em suas pinturas, os poemas de Portinari são marcados por uma
sensibilidade aguda às injustiças e sofrimentos dos trabalhadores do campo e
das periferias urbanas. Esse compromisso social não se restringe à mera
denúncia; em sua poesia, encontramos um diálogo contínuo entre crítica e
empatia, criando uma obra que transcende o tempo e o espaço.
A
obra poética de Portinari pode ser vista como um complemento natural de sua
pintura. Seus murais e telas retratam a realidade brasileira de forma crua e
comovente, destacando a miséria e o sofrimento, mas também a resistência e a
dignidade dos trabalhadores. Da mesma forma, seus versos revelam um olhar
aguçado sobre a condição humana, em particular sobre aqueles que são
marginalizados e explorados. No entanto, o que distingue sua poesia de outras
expressões literárias com temáticas sociais é a ausência de um tom panfletário.
Portinari
nunca utilizou sua arte, seja visual ou literária, como um mero instrumento de propaganda.
Mesmo próximo do comunismo, ele se afastou da retórica rígida e dogmática que
muitas vezes permeava a produção artística de seus contemporâneos engajados. Em
vez disso, seus poemas buscam a humanidade no centro dos conflitos sociais. Ele
vê a pobreza, a injustiça e a exploração não como abstrações ou estatísticas,
mas como experiências vividas por pessoas reais, com emoções, sonhos e dores.
Esse foco na dimensão humana é o que torna sua poesia tão poderosa.
Um
aspecto central de sua obra poética é a tensão entre crítica e afeto. Portinari
era um crítico implacável das desigualdades sociais do Brasil, mas nunca perdeu
de vista seu amor pelo país e pelo povo brasileiro. Essa dualidade confere à
sua poesia uma complexidade rara. Ele não se contenta em simplesmente condenar
as injustiças; seus poemas também são expressões de amor e esperança. Esse amor
pelo Brasil, no entanto, não é cego ou acrítico. Ele é, ao contrário, um amor
que vê as falhas, que sofre com elas, mas que também acredita na possibilidade
de transformação.
A
universalidade de sua poesia emerge dessa combinação de crítica e afeto. Embora
profundamente enraizada no contexto brasileiro, a obra de Portinari toca em
questões que ressoam em todo o mundo: a luta pela dignidade, a resistência
diante da opressão, a busca por justiça. Sua poesia, como sua pintura, é uma
ponte entre o local e o universal, entre o particular e o coletivo. Essa
capacidade de transcender fronteiras geográficas e culturais é o que garante a
relevância contínua de sua obra.
A
poesia de Portinari nos lembra que a arte e a militância não precisam ser
mutuamente exclusivas. Ele mostra que é possível ser profundamente comprometido
com as causas sociais sem sacrificar a qualidade estética ou a profundidade
emocional da obra. Seus poemas, assim como suas pinturas, são testemunhos de
uma vida dedicada à arte e à justiça. E é nesse encontro entre beleza e
compromisso que reside a força duradoura de sua obra.
A Influência da Pintura na Poesia
Candido
Portinari, embora tenha recusado a ideia de ilustrar seus próprios poemas, a
influência de sua pintura é inegável em sua produção poética. Em sua poesia,
percebe-se uma transposição do visual para o verbal, onde as palavras se tornam
pinceladas que compõem imagens e sensações.
A
recusa de Portinari em ilustrar seus próprios versos pode ser vista como uma
tentativa de manter separadas as duas linguagens artísticas, respeitando a
autonomia de cada uma. No entanto, essa divisão é apenas superficial. Seus
poemas, tal como suas pinturas, são saturados de um poder imagético que
transcende a simples descrição. Não se trata apenas de descrever uma cena ou um
objeto, mas de capturar sua essência, tal como ele fazia em seus quadros. A
precisão com que Portinari descreve paisagens, pessoas e cenas do cotidiano em
seus versos ecoa a mesma atenção aos detalhes que caracteriza sua obra
pictórica.
A
poesia de Portinari não segue uma tradição literária específica, tampouco se
encaixa confortavelmente em movimentos poéticos estabelecidos. Em vez disso, é
uma extensão natural de sua visão artística, uma fusão entre o visual e o
verbal. Quando lemos seus poemas, sentimos como se estivéssemos diante de um de
seus quadros, onde cada palavra é uma pincelada cuidadosamente colocada para
formar um todo harmonioso.
Seus
versos evocam imagens visuais vívidas, quase como se fossem esboços em
palavras. A maneira como ele descreve o sertão brasileiro, por exemplo, em
poemas que retratam sua terra natal, Brodowski, é impregnada de uma
sensibilidade pictórica. Ele nos transporta para a vastidão árida do interior,
para a simplicidade das casas de pau-a-pique e para a dureza da vida dos
trabalhadores rurais. Essas imagens, embora construídas com palavras, têm a
mesma força visual que suas pinturas sobre o tema.
Ao
examinar sua obra poética, é possível perceber que Portinari não se contenta em
apenas ilustrar o mundo ao seu redor; ele busca traduzir suas impressões
visuais em experiências sensoriais completas. Seus poemas não apenas mostram,
mas fazem sentir. O leitor é convidado a experimentar o calor do sol, a
aspereza da terra, o cansaço do trabalhador. Essa fusão de sensações é o que
torna sua poesia tão singular.
A
influência de sua pintura em sua poesia também se revela na forma como ele
trabalha com as cores em seus versos. Portinari era um mestre em usar a cor
para transmitir emoções e atmosferas em suas telas, e essa habilidade se
reflete em seus poemas. Ele consegue, com poucas palavras, criar paisagens
coloridas que vibram com vida. Não é raro encontrarmos em seus versos
referências diretas a cores — o azul do céu, o vermelho da terra, o dourado do
sol — que funcionam quase como metáforas visuais.
Além
disso, a composição de seus poemas, com sua atenção ao ritmo e à estrutura,
lembra a maneira como ele organizava os elementos em suas pinturas. Assim como
em suas telas, onde cada linha e cor é cuidadosamente posicionada para criar um
equilíbrio estético, seus versos são construídos com uma precisão quase
arquitetônica. Há uma harmonia interna em seus poemas que reflete a harmonia
que ele buscava em sua pintura.
A
poesia de Portinari é uma extensão de sua obra pictórica, um espaço onde o
visual e o verbal se encontram e se fundem. Ele utiliza as palavras como
utiliza as tintas, para criar imagens que não são apenas vistas, mas sentidas.
E, assim como em suas pinturas, sua poesia nos oferece uma janela para o mundo,
filtrada por sua sensibilidade inconfundível.
Portinari,
ao unir essas duas formas de expressão, cria uma poética visual que transcende
as fronteiras entre as artes, mostrando que, em sua obra, pintura e poesia são,
na verdade, duas faces de uma mesma moeda. A recusa em ilustrar seus próprios
versos não é uma negação da relação entre as duas artes, mas um reconhecimento
de que, para ele, o visual e o verbal já estão profundamente entrelaçados. Sua
poesia, assim como sua pintura, é um convite para ver o mundo através de seus
olhos, onde cada imagem é carregada de significados que vão além do que está na
superfície.
Memória e Melancolia
O
tema do tempo é um elemento primordial na obra poética de Candido Portinari,
assim como em suas pinturas. Seus versos estão profundamente imbuídos de uma
reflexão contínua sobre o tempo, onde a passagem dos dias e a perda inevitável
das coisas assumem um papel central em sua poética. Através de sua obra, o
poeta nos convida a mergulhar em uma atmosfera melancólica, onde a saudade e a
memória convergem, trazendo à tona um lamento sutil por aquilo que foi, mas que
ainda vive nas sombras das lembranças.
Portinari
aborda o tempo como um fluxo incessante, que carrega consigo não apenas a vida,
mas também as experiências e sentimentos que compõem o ser. A memória, nesse
contexto, se torna um refúgio, um lugar onde o passado é resguardado contra o
esquecimento, mas que também carrega o peso da melancolia. Essa dualidade entre
a preservação e a perda é um tema recorrente em sua poesia, onde o passado é
evocado não apenas como uma lembrança, mas como uma presença constante que
molda o presente.
O
tom elegíaco que permeia seus poemas reflete essa percepção do tempo como um
agente de transformação, mas também de destruição. Portinari lamenta, em suas
palavras, o que já não existe, o que foi desfeito pelo passar dos anos. No
entanto, esse lamento não é vazio; ele é carregado de significado, de uma
consciência aguda da finitude da vida e da inevitabilidade do esquecimento. A
melancolia, nesse sentido, não é apenas um sentimento de perda, mas uma forma
de valorizar o que foi vivido, de reconhecer a importância do passado em sua
totalidade.
Em
sua obra pictórica, essa melancolia também se manifesta, especialmente em suas
pinturas mais tardias, onde os tons escuros e as cenas desoladas dialogam
diretamente com os temas explorados em sua poesia. As figuras representadas por
Portinari parecem carregadas pelo peso do tempo, como se suas histórias estivessem
escritas em suas expressões e gestos. Assim como em seus versos, suas pinturas
evocam um mundo que já não existe, mas que ainda persiste na memória coletiva e
individual.
Portinari,
em sua poesia, utiliza a memória como uma ferramenta para enfrentar a
inexorabilidade do tempo. Seus versos não são apenas uma forma de registrar o
passado, mas de dar-lhe vida nova, de resgatar o que se perdeu e preservá-lo
contra a erosão do esquecimento. Nesse processo, ele cria uma poética que é, ao
mesmo tempo, pessoal e universal, onde a experiência individual do tempo ressoa
com a de todos aqueles que também sentem o peso da saudade e da melancolia.
A
saudade, em especial, é uma presença constante em seus poemas. Ela não é apenas
um sentimento de nostalgia, mas uma força que move o poeta a revisitar o
passado, a explorar os recantos da memória em busca de sentido. Portinari
entende que o passado é irreversível, mas isso não significa que ele deva ser
esquecido. Pelo contrário, é através da saudade que ele se reconecta com o que
foi, dando a essas memórias uma nova vida em sua obra.
A
melancolia que emerge dessa saudade, no entanto, não é de uma natureza
paralisante. Ela é antes uma melancolia contemplativa, que permite ao poeta
refletir sobre o fluxo do tempo e seu impacto na vida. Essa reflexão confere a
seus poemas uma profundidade emocional que transcende o simples lamento,
transformando-os em meditações sobre a existência e a mortalidade. Portinari,
assim, nos apresenta uma visão do tempo que é, ao mesmo tempo, triste e bela,
onde a perda é inevitável, mas onde as memórias continuam.
A
obra poética de Portinari é um testemunho da luta contra o esquecimento. Ele
compreende que o tempo é implacável, mas através de suas palavras e imagens,
ele busca criar uma forma de eternidade, onde o passado nunca é verdadeiramente
perdido. Seus poemas são, portanto, uma celebração da memória e uma aceitação
da melancolia como parte inerente da condição humana. Ao confrontar o tempo,
Portinari nos convida a refletir sobre nossas próprias experiências, a
valorizar nossas lembranças e a reconhecer a beleza que existe na passagem
inevitável dos dias.
Portinari,
o poeta do tempo, nos lega uma obra onde a memória e a melancolia são elevadas
a temas centrais. Sua poesia nos lembra que, embora o passado seja
irreversível, ele não está perdido enquanto puder ser lembrado. Seus versos são
um lamento elegante, uma ode à saudade, e um convite para que, como ele,
encontremos no tempo não apenas o motivo de nossa tristeza, mas também a razão
de nossa poesia.
A Relação com a Morte
A
poesia de Candido Portinari ganha uma dimensão íntima e profunda quando
explorada sob a ótica de seus últimos anos de vida. Enfrentando a deterioração
física que o aproximava da morte, Portinari não se furtou a abordar este tema
em seus versos. O que encontramos em sua obra poética é uma meditação sobre a
finitude que escapa ao convencional, revelando um poeta que se coloca em uma
posição de aceitação, ao invés de resistência.
Portinari
tratou a morte não como um evento assustador ou misterioso, mas como uma
continuidade natural. Sua poesia reflete uma serenidade rara, onde a morte é
vista como parte integrante do ciclo da vida. Essa abordagem sugere uma visão
holística, em que o final da existência terrena não é o fim, mas uma transição
para outra etapa. Essa visão se opõe à ideia comum de que a morte é trágica,
interrompendo a vida de maneira abrupta e dolorosa.
A
aceitação tranquila que permeia seus versos é, em parte, fruto de sua
proximidade com a morte. Em um estado de saúde fragilizado, o poeta se permitiu
contemplar o fim sem receio, talvez encontrando uma forma de reconciliação
consigo mesmo e com seu destino. Esse diálogo com a morte confere aos seus
poemas uma seriedade contemplativa, que convida o leitor a refletir sobre sua
própria mortalidade.
Portinari,
em seus últimos anos, conseguiu capturar a essência de um momento que todos
tememos, mas que ele parecia abraçar com uma calma quase filosófica. A morte,
em sua obra, deixa de ser uma figura sombria e passa a ser uma companheira
silenciosa, aguardando pacientemente o momento de cumprir seu papel. Essa visão
faz com que seus poemas ressoem de maneira singular, pois, ao invés de lamentar
o inevitável, ele o celebra como parte de uma jornada maior.
A
morte, para Portinari, não é o fim da vida, mas o começo de outra etapa,
desconhecida e, no entanto, familiar. Seus versos sugerem uma continuidade, um
fluxo ininterrupto que transcende o corpo físico e se estende além. Essa
perspectiva quase espiritualiza a morte, dando-lhe uma função natural e
necessária dentro da existência.
Portinari
também parece desmistificar a morte em sua poesia. Ao abordá-la de maneira
direta e sem temor, ele convida o leitor a fazer o mesmo. Em vez de criar uma
barreira entre a vida e a morte, ele as une, mostrando que ambas fazem parte de
um mesmo ciclo. É como se, em seus últimos dias, o poeta tivesse encontrado paz
em sua própria finitude, transmitindo essa serenidade através de sua obra.
Essa
visão da morte como uma transição, e não como um fim abrupto, reflete uma
sabedoria acumulada ao longo de uma vida rica em experiências. Portinari, ao
explorar esse tema, oferece uma perspectiva que pode consolar aqueles que temem
o desconhecido. Seus poemas, impregnados dessa aceitação tranquila, tornam-se
um legado não apenas artístico, mas também espiritual.
Assim,
a poesia de Portinari em seus últimos anos transcende a mera contemplação da
morte. Ela se torna uma reflexão profunda sobre a vida, a finitude e o que vem
depois. Sua relação com a morte é, acima de tudo, uma expressão de sua
humanidade, marcada pela serenidade de quem compreende o ciclo da existência e
o aceita com dignidade.
Nesse
contexto, seus poemas não são apenas uma despedida, mas também uma celebração
da vida em toda a sua complexidade. A morte, em sua obra, é o momento em que o
poeta se encontra consigo mesmo, em paz com o que foi e com o que será. É essa
tranquilidade que ressoa em sua poesia. Seus versos são um convite à reflexão,
à aceitação e à celebração da vida, mesmo em seus momentos finais.
A Recepção Crítica
A
incursão de Candido Portinari na poesia, um território dominado por sua
expressão visual, atraiu a atenção de grandes nomes da literatura brasileira,
como Manuel Bandeira e Antonio Callado. Embora sua fama esteja intrinsicamente
ligada às suas pinturas, os poemas de Portinari conseguiram romper as
fronteiras da crítica e serem apreciados por vozes importantes da poesia e da
prosa no Brasil.
Manuel
Bandeira, conhecido por sua sensibilidade poética, foi um dos primeiros a
reconhecer o valor dos poemas de Portinari. Para Bandeira, a transição de
Portinari da tela para o papel não foi apenas uma curiosidade artística, mas
uma demonstração genuína de sua capacidade de transformar sentimentos em
palavras. Bandeira destacou a qualidade lírica dos versos de Portinari,
enfatizando que, apesar de ser mais conhecido como pintor, o artista era capaz
de capturar em suas palavras a mesma força emocional que transmitia em suas
telas.
A
poesia de Portinari, segundo Bandeira, não era uma mera extensão de sua obra
pictórica. Ele via nela uma abordagem autônoma e profunda dos temas que
permeavam sua arte visual, como a infância, a vida no campo e as desigualdades
sociais. Bandeira chegou a comparar os poemas de Portinari a obras de outros
poetas brasileiros que exploraram a infância e o mundo rural, evidenciando a
universalidade e a simplicidade poética que perpassavam os textos do pintor.
Antonio
Callado, um dos grandes nomes da literatura brasileira, também se mostrou
atento à obra poética de Portinari. Callado, que também era jornalista e dramaturgo,
reconheceu nos poemas de Portinari uma força narrativa que transcendia a poesia
convencional. Para ele, os versos do pintor ofereciam uma contribuição
significativa à poesia brasileira, especialmente por sua habilidade em capturar
a essência do Brasil rural e sua visão social.
Callado
enxergou nos poemas de Portinari uma capacidade de comunicação rara, que
conseguia traduzir em palavras os temas que eram tão viscerais em suas
pinturas. Essa transposição de linguagem, que poderia ter sido um obstáculo,
foi, na visão de Callado, um triunfo literário. Ele acreditava que, apesar de
Portinari ser amplamente celebrado como pintor, seus poemas mereciam um lugar
de destaque na literatura brasileira.
A
recepção crítica dos poemas de Portinari, portanto, não se limitou à
curiosidade sobre um pintor que também escrevia. Pelo contrário, críticos como
Bandeira e Callado viram nele um poeta em potencial, cujas obras literárias
tinham o poder de se sustentar por si mesmas. Mesmo que ele tenha permanecido à
sombra de sua fama como pintor, o reconhecimento de seus poemas por esses
grandes nomes da literatura brasileira evidencia que o talento de Portinari não
se restringia à pintura.
A
crítica literária brasileira, ao não ignorar o talento poético de Portinari,
revelou-se sensível à multiplicidade de expressões artísticas que um único
artista pode abarcar. A obra poética de Portinari, apesar de menos conhecida,
foi legitimada por figuras centrais da literatura, o que garantiu que sua
contribuição à poesia fosse reconhecida e valorizada. Assim, a recepção crítica
dos poemas de Portinari, através dos olhos de Bandeira e Callado, situou o
artista em um patamar onde suas palavras poderiam ressoar tão profundamente
quanto suas cores.
O Legado Poético de Portinari
Candido
Portinari, amplamente celebrado por suas contribuições à pintura e ao
muralismo, também se destacou como um poeta, embora sua produção literária seja
menos conhecida. Sua coletânea, “Poemas de Portinari”, revela uma faceta
surpreendente do artista, que vai além das telas e murais, mergulhando nas
palavras para expressar sua visão de mundo e suas preocupações sociais. Nesta
obra, Portinari constrói uma ponte entre sua arte visual e a poética,
oferecendo ao leitor um retrato íntimo de sua alma e de seu Brasil.
A
produção poética de Portinari não deve ser vista de forma isolada de sua obra
pictórica. Ambas as expressões se complementam e dialogam, oferecendo
diferentes perspectivas sobre os mesmos temas. Assim como suas pinturas
retratam o Brasil em suas cores e contrastes, seus poemas capturam a essência
do país por meio da linguagem. Essa dualidade entre imagem e palavra é uma das
características mais marcantes de seu legado poético, revelando um artista
completo, capaz de transitar entre diferentes formas de expressão artística.
Nos
poemas de Portinari, encontramos muitas das mesmas temáticas que permeiam suas
pinturas: a pobreza, a injustiça social, o trabalho árduo do homem do campo, e
a beleza e dureza da vida cotidiana. O artista transformava a realidade
brasileira em versos, com um olhar sensível, mas também crítico. Suas palavras
ecoam o sofrimento e a esperança de um país em busca de identidade e justiça. A
poesia de Portinari é, portanto, um reflexo de sua preocupação constante com as
questões sociais e políticas do Brasil.
Os
poemas de Portinari são marcados por uma linguagem simples, direta, que
contrasta com a complexidade de suas pinturas. No entanto, essa simplicidade
não diminui a profundidade de seus versos. Ao contrário, ela ressalta a clareza
de sua visão artística e política. Portinari não buscava o virtuosismo
literário; sua poesia é uma extensão de sua voz, uma forma de comunicar-se
diretamente com o leitor, sem artifícios ou ornamentos desnecessários.
Assim
como suas pinturas, a poesia de Portinari reflete influências do modernismo
brasileiro, movimento com o qual ele se identificou ao longo de sua carreira.
Seus versos exploram as contradições do Brasil moderno, oscilando entre o rural
e o urbano, o tradicional e o contemporâneo. Essa tensão entre diferentes
realidades é um dos aspectos que tornam sua obra poética tão relevante e
conectada ao contexto histórico e cultural do país.
A
obra de Portinari, tanto na pintura quanto na poesia, está profundamente
enraizada em sua visão política. Ele utilizava sua arte como uma forma de luta
e protesto contra as injustiças sociais. Seus poemas são carregados de uma
crítica ao sistema opressor e à desigualdade que marcava a sociedade
brasileira. Através da palavra, assim como através da imagem, Portinari
expressava sua indignação e sua esperança por um futuro melhor.
Outra
característica notável da poesia de Portinari é a maneira como ele equilibra o
íntimo e o coletivo. Seus poemas frequentemente alternam entre uma reflexão
pessoal e uma análise mais ampla da sociedade. Esse jogo entre o particular e o
universal é uma marca de sua obra, e reflete a dualidade presente em sua
própria vida, dividida entre o artista consagrado e o homem profundamente
conectado às raízes populares.
Embora
a poesia de Portinari não tenha recebido a mesma atenção crítica que sua
pintura, ela permanece como um testemunho valioso de sua sensibilidade e
talento. Seu legado poético é uma extensão natural de sua obra visual,
oferecendo novas dimensões para o entendimento do artista e de sua contribuição
à cultura brasileira. Através de seus versos, Portinari continua a dialogar com
o Brasil, revelando um olhar perspicaz e profundamente humano sobre as belezas
e contradições do país.
Hoje,
ao revisitarmos a obra poética de Portinari, somos desafiados a redescobrir um
artista, cuja genialidade transcende a pintura. Seus poemas oferecem um portal
para compreender melhor o homem por trás do artista, suas angústias, seus
sonhos, e sua visão de mundo. Em um Brasil em constante transformação, a voz
poética de Portinari ressoa com a mesma força e relevância que sua pintura.
“Poemas
de Portinari” não apenas enriquece a compreensão da obra do artista, mas também
destaca a importância de sua produção literária dentro do panorama cultural brasileiro.
Seu legado poético, assim como sua pintura, permanece vivo, dialogando com
novas gerações e reafirmando a posição de Portinari como uma figura central na
arte e na literatura do Brasil.
A reedição dos Poemas
A
reedição dos “Poemas de Portinari”, pela Fundação Nacional de Artes (Funarte),
em 2019, não só marca os 40 anos do Projeto Portinari, como também resgata um
lado menos conhecido do grande pintor brasileiro: o de poeta. Esta nova edição
ilustrada, lançada no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, revela
a conexão profunda entre as duas formas de expressão artística — pintura e
poesia — que, para Portinari, estavam enraizadas em suas memórias de infância,
em Brodowski, São Paulo.
A
obra poética de Portinari, embora escrita sem a intenção inicial de publicação,
ganhou vida graças à insistência do amigo e escritor Antonio Callado, que
organizou a primeira edição, publicada pela José Olympio Editora, em 1964, dois
anos após a morte do pintor. A publicação original era desprovida de
ilustrações, algo que esta reedição corrige de forma esplêndida. O esforço do
Projeto Portinari em buscar pinturas que dialogassem com os poemas resulta em
uma obra que transcende a simples reedição literária, transformando o livro em
uma peça de arte, onde imagem e palavra se complementam.
Os
poemas são organizados em três partes, conforme a seleção original de Callado,
destacando a alegria da infância no interior paulista, os medos do jovem
Portinari, e, finalmente, a indignação do homem diante da fome e da miséria.
Esta estrutura revela uma jornada emocional e artística, que vai da inocência à
conscientização social, aspectos que também transparecem em suas telas. A
adição de uma quarta parte, intitulada Odes, introduz uma dimensão de
reverência e homenagem poética, expandindo o escopo do que já era uma obra
introspectiva e pessoal.
A
preservação dos textos de Manuel Bandeira e Antonio Callado, além da inclusão
de uma nova apresentação por Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira
de Letras, reforça o caráter celebrativo desta edição, mas também o posiciona
como um documento histórico e cultural de valor inestimável.
O
mérito desta reedição vai além da simples recuperação de uma obra esgotada. Ela
reafirma o compromisso do Projeto Portinari com a preservação do legado do
artista, ao mesmo tempo em que oferece ao público contemporâneo uma
oportunidade rara de testemunhar a profundidade de sua sensibilidade artística,
em múltiplas formas. A interseção entre pintura e poesia em “Poemas de
Portinari” é um testemunho da versatilidade de um dos maiores nomes da arte
brasileira, revelando que suas criações, independentemente do meio, são sempre
guiadas pelo poder da memória, da observação e de uma busca constante pela
expressão.
Esta
reedição dos “Poemas de Portinari”, organizada pelas escritoras e professoras
Letícia Ferro, Patrícia Porto e Suely Avellar, é uma celebração da convergência
entre a palavra e a imagem, e um tributo ao imenso legado de Candido Portinari,
que, mesmo sem a pretensão de ser poeta, deixou um tesouro literário que agora
é devidamente reconhecido e preservado.
VICENTE
FREITAS
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