sexta-feira, agosto 16, 2024

A VOZ POÉTICA DE PORTINARI

                                                                                      

                                                                                  


A Infância como Fonte de Inspiração

Candido Portinari, um dos maiores nomes da pintura brasileira, é amplamente conhecido por suas obras que retratam o Brasil, suas paisagens e seu povo. No entanto, além de ser um mestre das cores e formas, Portinari também encontrou na poesia uma maneira de expressar suas emoções e reflexões mais íntimas. Seu livro “Poemas de Portinari”, publicado postumamente, em 1964, revela uma dimensão menos conhecida de sua personalidade artística, mas que, de certo modo, complementa sua trajetória como pintor.

Diferente das suas telas que muitas vezes capturam a grandiosidade do cenário brasileiro, em seus poemas, Portinari adota uma voz introspectiva e pessoal. Ele troca o vasto campo visual de sua pintura por uma linguagem mais direta. Suas palavras não se preocupam com os floreios da linguagem poética tradicional, mas sim com a sinceridade emocional. Essa simplicidade aparente confere uma força à sua poesia, uma vez que cada palavra é carregada de significados que vão além do que está escrito.

Assim como em suas obras visuais, Portinari revisita em sua poesia as paisagens e as memórias de sua infância em Brodowski, no interior de São Paulo. Os campos de café, os trabalhadores e as cenas do cotidiano rural que aparecem em suas pinturas também ganham vida em seus versos. No entanto, enquanto a pintura permite uma interpretação mais aberta e subjetiva, a poesia de Portinari oferece uma perspectiva mais íntima e pessoal sobre essas mesmas memórias. É como se, por meio das palavras, o artista estivesse compartilhando uma parte de si que as telas não conseguem capturar completamente.

Além de explorar suas memórias, Portinari também usa a poesia como um meio para refletir sobre questões universais, como a vida e a morte. A proximidade com a morte, tanto como conceito quanto como experiência vivida, está presente em seus poemas, muitas vezes de forma direta e sem adornos. Isso demonstra uma coragem artística, pois Portinari não busca suavizar ou romantizar esses temas, mas sim enfrentá-los com a mesma intensidade que dedicava às suas pinturas. Essa abordagem direta e honesta é o que torna sua poesia tão impactante.

Embora sejam diferentes em termos de forma, tanto a pintura quanto a poesia de Portinari compartilham uma preocupação comum: a busca pela verdade e pela identidade. Assim como suas telas capturam a essência do Brasil e de seu povo, seus poemas buscam capturar a essência de sua própria experiência de vida. Não há uma separação clara entre o pintor e o poeta, pois ambas as formas de expressão se complementam e se enriquecem mutuamente.

Portinari, como poeta, não segue as convenções literárias. Ele não busca impressionar com técnica ou virtuosismo, mas sim com a sinceridade e a profundidade de seus sentimentos. Em muitos aspectos, sua poesia pode ser vista como uma extensão de sua pintura, uma forma de continuar explorando os temas que sempre o interessaram, mas em um novo meio.

 Seu livro “Poemas de Portinari” não apenas amplia nossa percepção do artista, mas também nos oferece uma visão mais completa de sua sensibilidade e de sua busca constante por expressão. Portinari, tanto como pintor quanto como poeta, permanece fiel à sua identidade e à sua visão do mundo. Ele nos convida a ver o Brasil e a vida através de seus olhos, não apenas nas cores vibrantes de suas telas, mas também nas palavras que escolhe para expressar o que está em seu coração. Ao descobrir essa faceta menos conhecida de Portinari, somos lembrados de que a arte, em todas as suas formas, é uma maneira de capturar e compartilhar a essência da experiência humana.

 

A Infância em Brodowski

 

Candido Portinari, um dos maiores pintores do Brasil, encontra na cidade de Brodowski a base sólida para a construção de sua identidade artística. O pequeno município, localizado no interior paulista, transcende a mera geografia para se tornar um elemento fundacional na obra do artista. Brodowski, com sua simplicidade e paisagens rurais, é o útero de onde nasce a poética de Portinari, tanto em suas telas quanto em seus versos.

A infância, que geralmente habita as margens da memória, é, para Portinari, o centro de sua produção. Nos seus poemas, assim como nas suas pinturas, Brodowski não aparece como uma simples lembrança nostálgica, mas como um espaço mítico, carregado de significados profundos e universais. As festas populares, os campos de café e as brincadeiras de criança são mais do que meros elementos descritivos; são símbolos de uma vida que se desenrola em camadas, desde a superfície alegre até as profundezas de uma alma em constante diálogo com sua origem.

Os versos de Portinari são impregnados por essa dualidade. Enquanto o leitor pode ser atraído pela aparente simplicidade das imagens, a profundidade dos sentimentos revela-se em um segundo olhar. Brodowski, em sua pequena escala, torna-se um microcosmo do Brasil rural, um espelho das tensões e belezas que o artista busca capturar em suas criações. Cada linha de um poema, cada pincelada de uma tela, parece carregar o peso de uma saudade e de uma esperança que só podem ser plenamente compreendidas à luz dessa infância brodowskiana.

Portinari transforma Brodowski em um espaço atemporal. O que poderia ser apenas a memória de um lugar se torna, em sua obra, um campo fértil para a imaginação. Nos seus poemas, a cidade é tanto o cenário da infância quanto o palco de um reencontro constante com o passado. A casa simples, as ruas de terra, o horizonte vasto, tudo isso é recriado com a força de uma visão que transcende o particular para alcançar o universal.

É na simplicidade da vida em Brodowski que Portinari encontra a essência de sua arte. As cenas cotidianas, tão comuns para quem viveu ali, são, para o artista, fontes de uma riqueza inesgotável. Nos seus poemas, essa simplicidade é tratada com a reverência de quem entende que, na aparente banalidade, residem as verdades mais profundas. Assim, as festas religiosas, as procissões e as celebrações que marcam o calendário da pequena cidade ganham uma dimensão quase sagrada na obra de Portinari.

A cidade de Brodowski, tão pequena e tão distante dos grandes centros urbanos, torna-se, nas mãos de Portinari, um universo em miniatura. Em seus poemas, o artista constrói um diálogo constante entre o passado e o presente, entre o local e o universal. Brodowski é o ponto de partida, mas também o ponto de chegada de uma jornada artística que busca entender o Brasil em toda a sua complexidade. A infância vivida ali é a chave para compreender não só a obra de Portinari, mas também a sua visão de mundo.

O contraste entre a simplicidade do ambiente e a profundidade das emoções exploradas por Portinari reflete a dualidade presente em sua arte. O artista consegue, com maestria, equilibrar o singelo e o grandioso, o pessoal e o coletivo, o concreto e o abstrato. Brodowski, com todas as suas peculiaridades, emerge como uma metáfora da alma do artista, um espaço onde o passado se faz presente e onde a criação encontra suas raízes mais profundas.

Portinari não apenas retrata Brodowski; ele a reinventa. Nos seus poemas, a cidade é um lugar de pertencimento, mas também de busca incessante. É um refúgio e, ao mesmo tempo, um desafio. A simplicidade das paisagens contrasta com a complexidade dos sentimentos evocados. A Brodowski de Portinari é, portanto, um lugar de paradoxos, onde o concreto e o etéreo se encontram e onde a criação artística floresce a partir da terra fértil das memórias.

Brodowski não é apenas a cidade onde Portinari nasceu e cresceu; é o berço de toda a sua criação. Cada poema, cada pintura, carrega consigo a marca indelével desse lugar. A infância, em sua obra, não é um tempo perdido, mas um tempo reencontrado, constantemente recriado nas suas produções. Brodowski, com suas festas, seus campos e suas brincadeiras de infância, é mais do que um cenário. É a alma de Portinari. 

 

Entre o Sonho e o Medo

 

Candido Portinari, conhecido amplamente por sua contribuição monumental às artes plásticas, nos legou uma obra poética que reflete, de maneira quase espelhada, as dualidades presentes em sua pintura. Seus poemas, tal como suas telas, são repletos de contrastes profundos que revelam a complexidade de sua visão de mundo. Se em suas pinturas o Brasil rural, os trabalhadores do campo e as injustiças sociais são representados com cores vibrantes e formas imponentes, em sua poesia, esses mesmos temas são desdobrados em versos que oscilam entre o sonho e o medo, a luz e a escuridão.

Um dos aspectos mais marcantes da poesia de Portinari é a idealização da infância, frequentemente evocada como um tempo de pureza e simplicidade. Seus versos são impregnados de uma saudade quase palpável de uma época em que o mundo parecia mais seguro e encantador. No entanto, essa infância não é vista apenas sob uma ótica romântica. Ela é também confrontada com a dura realidade da vida no campo, onde o trabalho extenuante e as dificuldades materiais estão sempre à espreita. Essa dualidade entre a inocência perdida e o peso das responsabilidades adultas permeia sua obra, criando um senso de melancolia que é, ao mesmo tempo, doce e amargo.

Se o sonho e a nostalgia habitam um polo de sua poesia, o medo, a dor e a perda ocupam o outro. Portinari, como pintor, foi um cronista da dor e do sofrimento do povo brasileiro, e essa sensibilidade social encontra eco em sua poesia. As doenças, a morte, o luto — esses temas são abordados de maneira direta e, ao mesmo tempo, com uma delicadeza que lhes confere uma dimensão quase universal. A beleza de seus versos reside justamente nessa capacidade de transformar o sofrimento em algo que toca profundamente o leitor, sem cair no sentimentalismo.

Portinari parece ter consciência de que a beleza e a dor não são mutuamente exclusivas; pelo contrário, elas frequentemente coexistem e até se potencializam. Seus poemas expressam essa tensão contínua entre o belo e o disforme, criando uma estética da contradição que se alinha perfeitamente com a dramaticidade de sua pintura. Essa justaposição de elementos opostos — a luz e a sombra, a esperança e o desespero — confere à sua obra poética uma intensidade emocional que a eleva ao mesmo patamar de sua produção artística visual.

A dualidade que permeia a poesia de Portinari não é meramente temática, mas estrutural. Seus versos oscilam entre ritmos calmos e agitados, entre imagens suaves e brutais, refletindo a própria ambivalência do autor diante do mundo. Essa qualidade ambígua, longe de enfraquecer sua poesia, lhe dá uma profundidade que desafia o leitor a confrontar suas próprias emoções contraditórias. É como se Portinari estivesse constantemente nos lembrando de que a vida é feita de opostos, e que é nesse jogo de luz e sombra que reside sua verdadeira essência.

Não se pode ignorar a profunda interconexão entre a obra pictórica e poética de Portinari. Suas pinturas, que frequentemente retratam cenas de um Brasil rural e sofrido, parecem encontrar eco nos versos que evocam as mesmas paisagens e sentimentos. A diferença está, talvez, na linguagem: enquanto a pintura utiliza formas e cores, a poesia de Portinari se constrói a partir de palavras que sugerem, evocam e emocionam. Em ambos os casos, porém, a força expressiva é inegável, e a dualidade entre o sonho e o medo emerge como um tema central.

A melancolia que perpassa a poesia de Portinari pode ser vista como uma matriz criativa, uma força que, longe de paralisá-lo, o impulsiona a criar. Essa melancolia, derivada tanto das perdas pessoais quanto de sua consciência social, é transformada em arte através de seus versos. Como em suas pinturas, onde a tristeza e a injustiça são elevadas a um nível quase épico, na poesia, Portinari transforma o sofrimento em uma linguagem poética que, apesar de sua densidade emocional, não perde a sutileza.

Entre o sonho e o medo, Portinari constrói uma obra poética que é, ao mesmo tempo, inteira e fragmentada. Inteira, porque revela de maneira profunda e sincera a alma do poeta; fragmentada, porque é feita de pedaços de vida, de momentos de alegria e tristeza, de lampejos de beleza e de dor. É essa dualidade que dá à sua poesia uma dimensão universal, que ressoa tanto em suas pinturas quanto nos corações de seus leitores.

A poesia de Portinari, assim como sua pintura, é um convite a mergulhar nas contradições da vida, a aceitar que o sonho e o medo, a luz e a escuridão, coexistem em um equilíbrio delicado e, muitas vezes, doloroso. É essa dualidade poética que faz de Portinari um artista completo, capaz de nos emocionar com sua sensibilidade e de nos confrontar com a realidade de maneira visceral.

 

O Cotidiano e o Sublime

 

Portinari, com suas telas icônicas, também se revela um poeta singular, capaz de captar o cotidiano de forma que transcende a mera observação. Sua poesia não é apenas uma descrição do mundo que o cerca, mas uma elevação de cenas comuns a um nível quase místico. Em sua poesia, ele transforma os elementos simples da vida, como o trem que passa ao longe ou os jogos de futebol na rua, em símbolos de uma experiência mais profunda, conectando o leitor a um sentido de beleza que reside no ordinário.

O que torna a poesia de Portinari tão marcante é sua habilidade de capturar a essência de uma cena cotidiana e elevá-la ao sublime. Sua linguagem é direta e despretensiosa, o que faz com que o leitor se sinta imediatamente conectado às imagens que ele cria. No entanto, é na profundidade oculta dessas imagens que reside a verdadeira força de seus versos. Ao retratar uma procissão religiosa, por exemplo, Portinari não apenas descreve o evento, mas capta a devoção silenciosa, a fé compartilhada, transformando a cena em uma meditação sobre a espiritualidade.

Essa habilidade de transcender o comum é um traço característico de sua obra. Os trens que cortam a paisagem em seus poemas não são apenas meios de transporte; são metáforas para o tempo, para o movimento constante da vida que nunca cessa. Da mesma forma, os jogos de futebol de rua, que poderiam ser vistos como uma simples diversão, se tornam, em suas mãos, uma expressão de camaradagem, de vida comunitária, de uma resistência lúdica ao peso da existência.

Portinari não se limita a retratar cenas de sua infância ou de sua terra natal de forma nostálgica. Ele está interessado em algo mais profundo: revelar a beleza intrínseca de lugares e situações que, à primeira vista, poderiam parecer insignificantes ou banais. A terra esquecida, em seus poemas, é ao mesmo tempo um lugar físico e simbólico. É o espaço do cotidiano, do dia a dia que, nas mãos do poeta, se transforma em um território de resistência poética.

Ao escrever sobre esses lugares e pessoas, Portinari eleva o que é comumente considerado simples ou comum. Ele nos lembra que há beleza na rotina, nas paisagens que costumamos ignorar, nos momentos fugazes que passamos apressadamente. Essa celebração do comum, que é uma característica marcante de sua obra, nos força a reconsiderar nosso próprio olhar sobre o mundo. Portinari sugere que o sublime não está reservado para grandes feitos ou momentos extraordinários, mas pode ser encontrado na quietude de um fim de tarde, no som distante de um trem, ou no jogo de crianças na rua.

A poesia de Portinari opera em um espaço liminar entre a realidade concreta e a transcendência. Ele não se contenta em apenas observar; sua escrita busca transformar. Ao fazer isso, ele nos oferece uma visão renovada do mundo, onde o banal pode ser visto como algo grandioso e o ordinário se revela extraordinário. Sua obra poética é, portanto, uma celebração do cotidiano, mas uma celebração que é, ao mesmo tempo, uma forma de resistência — resistência contra a indiferença, contra o esquecimento, contra a superficialidade.

Os “Poemas de Portinari” nos convidam a redescobrir o valor do que está ao nosso redor, a ver com novos olhos aquilo que muitas vezes ignoramos. Portinari, ao capturar esses momentos e elevá-los ao sublime, nos lembra que a poesia pode estar em qualquer lugar — basta saber onde e como olhar. Em sua obra, ele nos oferece não apenas um retrato de sua terra e seu tempo, mas uma visão poética que tem o poder de nos transformar.

Portinari, ao escrever de forma simples e direta, nos oferece muito mais do que aparenta à primeira vista. Ele nos convida a ver o mundo com olhos renovados, a encontrar o sublime no cotidiano, a descobrir a poesia na vida comum. Seus poemas são um lembrete de que a beleza está ao nosso alcance, se soubermos onde procurá-la. Ao transcender o ordinário, Portinari nos mostra que a verdadeira arte não está apenas em representar, mas em transformar.

 

O Compromisso Social

 

Candido Portinari, com sua grandiosa contribuição às artes visuais, deixou também um legado literário que reflete seu profundo compromisso com as questões sociais. Assim como em suas pinturas, os poemas de Portinari são marcados por uma sensibilidade aguda às injustiças e sofrimentos dos trabalhadores do campo e das periferias urbanas. Esse compromisso social não se restringe à mera denúncia; em sua poesia, encontramos um diálogo contínuo entre crítica e empatia, criando uma obra que transcende o tempo e o espaço.

A obra poética de Portinari pode ser vista como um complemento natural de sua pintura. Seus murais e telas retratam a realidade brasileira de forma crua e comovente, destacando a miséria e o sofrimento, mas também a resistência e a dignidade dos trabalhadores. Da mesma forma, seus versos revelam um olhar aguçado sobre a condição humana, em particular sobre aqueles que são marginalizados e explorados. No entanto, o que distingue sua poesia de outras expressões literárias com temáticas sociais é a ausência de um tom panfletário.

Portinari nunca utilizou sua arte, seja visual ou literária, como um mero instrumento de propaganda. Mesmo próximo do comunismo, ele se afastou da retórica rígida e dogmática que muitas vezes permeava a produção artística de seus contemporâneos engajados. Em vez disso, seus poemas buscam a humanidade no centro dos conflitos sociais. Ele vê a pobreza, a injustiça e a exploração não como abstrações ou estatísticas, mas como experiências vividas por pessoas reais, com emoções, sonhos e dores. Esse foco na dimensão humana é o que torna sua poesia tão poderosa.

Um aspecto central de sua obra poética é a tensão entre crítica e afeto. Portinari era um crítico implacável das desigualdades sociais do Brasil, mas nunca perdeu de vista seu amor pelo país e pelo povo brasileiro. Essa dualidade confere à sua poesia uma complexidade rara. Ele não se contenta em simplesmente condenar as injustiças; seus poemas também são expressões de amor e esperança. Esse amor pelo Brasil, no entanto, não é cego ou acrítico. Ele é, ao contrário, um amor que vê as falhas, que sofre com elas, mas que também acredita na possibilidade de transformação.

A universalidade de sua poesia emerge dessa combinação de crítica e afeto. Embora profundamente enraizada no contexto brasileiro, a obra de Portinari toca em questões que ressoam em todo o mundo: a luta pela dignidade, a resistência diante da opressão, a busca por justiça. Sua poesia, como sua pintura, é uma ponte entre o local e o universal, entre o particular e o coletivo. Essa capacidade de transcender fronteiras geográficas e culturais é o que garante a relevância contínua de sua obra.

A poesia de Portinari nos lembra que a arte e a militância não precisam ser mutuamente exclusivas. Ele mostra que é possível ser profundamente comprometido com as causas sociais sem sacrificar a qualidade estética ou a profundidade emocional da obra. Seus poemas, assim como suas pinturas, são testemunhos de uma vida dedicada à arte e à justiça. E é nesse encontro entre beleza e compromisso que reside a força duradoura de sua obra.

 

A Influência da Pintura na Poesia

 

Candido Portinari, embora tenha recusado a ideia de ilustrar seus próprios poemas, a influência de sua pintura é inegável em sua produção poética. Em sua poesia, percebe-se uma transposição do visual para o verbal, onde as palavras se tornam pinceladas que compõem imagens e sensações.

A recusa de Portinari em ilustrar seus próprios versos pode ser vista como uma tentativa de manter separadas as duas linguagens artísticas, respeitando a autonomia de cada uma. No entanto, essa divisão é apenas superficial. Seus poemas, tal como suas pinturas, são saturados de um poder imagético que transcende a simples descrição. Não se trata apenas de descrever uma cena ou um objeto, mas de capturar sua essência, tal como ele fazia em seus quadros. A precisão com que Portinari descreve paisagens, pessoas e cenas do cotidiano em seus versos ecoa a mesma atenção aos detalhes que caracteriza sua obra pictórica.

A poesia de Portinari não segue uma tradição literária específica, tampouco se encaixa confortavelmente em movimentos poéticos estabelecidos. Em vez disso, é uma extensão natural de sua visão artística, uma fusão entre o visual e o verbal. Quando lemos seus poemas, sentimos como se estivéssemos diante de um de seus quadros, onde cada palavra é uma pincelada cuidadosamente colocada para formar um todo harmonioso.

Seus versos evocam imagens visuais vívidas, quase como se fossem esboços em palavras. A maneira como ele descreve o sertão brasileiro, por exemplo, em poemas que retratam sua terra natal, Brodowski, é impregnada de uma sensibilidade pictórica. Ele nos transporta para a vastidão árida do interior, para a simplicidade das casas de pau-a-pique e para a dureza da vida dos trabalhadores rurais. Essas imagens, embora construídas com palavras, têm a mesma força visual que suas pinturas sobre o tema.

Ao examinar sua obra poética, é possível perceber que Portinari não se contenta em apenas ilustrar o mundo ao seu redor; ele busca traduzir suas impressões visuais em experiências sensoriais completas. Seus poemas não apenas mostram, mas fazem sentir. O leitor é convidado a experimentar o calor do sol, a aspereza da terra, o cansaço do trabalhador. Essa fusão de sensações é o que torna sua poesia tão singular.

A influência de sua pintura em sua poesia também se revela na forma como ele trabalha com as cores em seus versos. Portinari era um mestre em usar a cor para transmitir emoções e atmosferas em suas telas, e essa habilidade se reflete em seus poemas. Ele consegue, com poucas palavras, criar paisagens coloridas que vibram com vida. Não é raro encontrarmos em seus versos referências diretas a cores — o azul do céu, o vermelho da terra, o dourado do sol — que funcionam quase como metáforas visuais.

Além disso, a composição de seus poemas, com sua atenção ao ritmo e à estrutura, lembra a maneira como ele organizava os elementos em suas pinturas. Assim como em suas telas, onde cada linha e cor é cuidadosamente posicionada para criar um equilíbrio estético, seus versos são construídos com uma precisão quase arquitetônica. Há uma harmonia interna em seus poemas que reflete a harmonia que ele buscava em sua pintura.

A poesia de Portinari é uma extensão de sua obra pictórica, um espaço onde o visual e o verbal se encontram e se fundem. Ele utiliza as palavras como utiliza as tintas, para criar imagens que não são apenas vistas, mas sentidas. E, assim como em suas pinturas, sua poesia nos oferece uma janela para o mundo, filtrada por sua sensibilidade inconfundível.

Portinari, ao unir essas duas formas de expressão, cria uma poética visual que transcende as fronteiras entre as artes, mostrando que, em sua obra, pintura e poesia são, na verdade, duas faces de uma mesma moeda. A recusa em ilustrar seus próprios versos não é uma negação da relação entre as duas artes, mas um reconhecimento de que, para ele, o visual e o verbal já estão profundamente entrelaçados. Sua poesia, assim como sua pintura, é um convite para ver o mundo através de seus olhos, onde cada imagem é carregada de significados que vão além do que está na superfície.

 

Memória e Melancolia

 

O tema do tempo é um elemento primordial na obra poética de Candido Portinari, assim como em suas pinturas. Seus versos estão profundamente imbuídos de uma reflexão contínua sobre o tempo, onde a passagem dos dias e a perda inevitável das coisas assumem um papel central em sua poética. Através de sua obra, o poeta nos convida a mergulhar em uma atmosfera melancólica, onde a saudade e a memória convergem, trazendo à tona um lamento sutil por aquilo que foi, mas que ainda vive nas sombras das lembranças.

Portinari aborda o tempo como um fluxo incessante, que carrega consigo não apenas a vida, mas também as experiências e sentimentos que compõem o ser. A memória, nesse contexto, se torna um refúgio, um lugar onde o passado é resguardado contra o esquecimento, mas que também carrega o peso da melancolia. Essa dualidade entre a preservação e a perda é um tema recorrente em sua poesia, onde o passado é evocado não apenas como uma lembrança, mas como uma presença constante que molda o presente.

O tom elegíaco que permeia seus poemas reflete essa percepção do tempo como um agente de transformação, mas também de destruição. Portinari lamenta, em suas palavras, o que já não existe, o que foi desfeito pelo passar dos anos. No entanto, esse lamento não é vazio; ele é carregado de significado, de uma consciência aguda da finitude da vida e da inevitabilidade do esquecimento. A melancolia, nesse sentido, não é apenas um sentimento de perda, mas uma forma de valorizar o que foi vivido, de reconhecer a importância do passado em sua totalidade.

Em sua obra pictórica, essa melancolia também se manifesta, especialmente em suas pinturas mais tardias, onde os tons escuros e as cenas desoladas dialogam diretamente com os temas explorados em sua poesia. As figuras representadas por Portinari parecem carregadas pelo peso do tempo, como se suas histórias estivessem escritas em suas expressões e gestos. Assim como em seus versos, suas pinturas evocam um mundo que já não existe, mas que ainda persiste na memória coletiva e individual.

Portinari, em sua poesia, utiliza a memória como uma ferramenta para enfrentar a inexorabilidade do tempo. Seus versos não são apenas uma forma de registrar o passado, mas de dar-lhe vida nova, de resgatar o que se perdeu e preservá-lo contra a erosão do esquecimento. Nesse processo, ele cria uma poética que é, ao mesmo tempo, pessoal e universal, onde a experiência individual do tempo ressoa com a de todos aqueles que também sentem o peso da saudade e da melancolia.

A saudade, em especial, é uma presença constante em seus poemas. Ela não é apenas um sentimento de nostalgia, mas uma força que move o poeta a revisitar o passado, a explorar os recantos da memória em busca de sentido. Portinari entende que o passado é irreversível, mas isso não significa que ele deva ser esquecido. Pelo contrário, é através da saudade que ele se reconecta com o que foi, dando a essas memórias uma nova vida em sua obra.

A melancolia que emerge dessa saudade, no entanto, não é de uma natureza paralisante. Ela é antes uma melancolia contemplativa, que permite ao poeta refletir sobre o fluxo do tempo e seu impacto na vida. Essa reflexão confere a seus poemas uma profundidade emocional que transcende o simples lamento, transformando-os em meditações sobre a existência e a mortalidade. Portinari, assim, nos apresenta uma visão do tempo que é, ao mesmo tempo, triste e bela, onde a perda é inevitável, mas onde as memórias continuam.

A obra poética de Portinari é um testemunho da luta contra o esquecimento. Ele compreende que o tempo é implacável, mas através de suas palavras e imagens, ele busca criar uma forma de eternidade, onde o passado nunca é verdadeiramente perdido. Seus poemas são, portanto, uma celebração da memória e uma aceitação da melancolia como parte inerente da condição humana. Ao confrontar o tempo, Portinari nos convida a refletir sobre nossas próprias experiências, a valorizar nossas lembranças e a reconhecer a beleza que existe na passagem inevitável dos dias.

Portinari, o poeta do tempo, nos lega uma obra onde a memória e a melancolia são elevadas a temas centrais. Sua poesia nos lembra que, embora o passado seja irreversível, ele não está perdido enquanto puder ser lembrado. Seus versos são um lamento elegante, uma ode à saudade, e um convite para que, como ele, encontremos no tempo não apenas o motivo de nossa tristeza, mas também a razão de nossa poesia.

 

A Relação com a Morte

 

A poesia de Candido Portinari ganha uma dimensão íntima e profunda quando explorada sob a ótica de seus últimos anos de vida. Enfrentando a deterioração física que o aproximava da morte, Portinari não se furtou a abordar este tema em seus versos. O que encontramos em sua obra poética é uma meditação sobre a finitude que escapa ao convencional, revelando um poeta que se coloca em uma posição de aceitação, ao invés de resistência.

Portinari tratou a morte não como um evento assustador ou misterioso, mas como uma continuidade natural. Sua poesia reflete uma serenidade rara, onde a morte é vista como parte integrante do ciclo da vida. Essa abordagem sugere uma visão holística, em que o final da existência terrena não é o fim, mas uma transição para outra etapa. Essa visão se opõe à ideia comum de que a morte é trágica, interrompendo a vida de maneira abrupta e dolorosa.

A aceitação tranquila que permeia seus versos é, em parte, fruto de sua proximidade com a morte. Em um estado de saúde fragilizado, o poeta se permitiu contemplar o fim sem receio, talvez encontrando uma forma de reconciliação consigo mesmo e com seu destino. Esse diálogo com a morte confere aos seus poemas uma seriedade contemplativa, que convida o leitor a refletir sobre sua própria mortalidade.

Portinari, em seus últimos anos, conseguiu capturar a essência de um momento que todos tememos, mas que ele parecia abraçar com uma calma quase filosófica. A morte, em sua obra, deixa de ser uma figura sombria e passa a ser uma companheira silenciosa, aguardando pacientemente o momento de cumprir seu papel. Essa visão faz com que seus poemas ressoem de maneira singular, pois, ao invés de lamentar o inevitável, ele o celebra como parte de uma jornada maior.

A morte, para Portinari, não é o fim da vida, mas o começo de outra etapa, desconhecida e, no entanto, familiar. Seus versos sugerem uma continuidade, um fluxo ininterrupto que transcende o corpo físico e se estende além. Essa perspectiva quase espiritualiza a morte, dando-lhe uma função natural e necessária dentro da existência.

Portinari também parece desmistificar a morte em sua poesia. Ao abordá-la de maneira direta e sem temor, ele convida o leitor a fazer o mesmo. Em vez de criar uma barreira entre a vida e a morte, ele as une, mostrando que ambas fazem parte de um mesmo ciclo. É como se, em seus últimos dias, o poeta tivesse encontrado paz em sua própria finitude, transmitindo essa serenidade através de sua obra.

Essa visão da morte como uma transição, e não como um fim abrupto, reflete uma sabedoria acumulada ao longo de uma vida rica em experiências. Portinari, ao explorar esse tema, oferece uma perspectiva que pode consolar aqueles que temem o desconhecido. Seus poemas, impregnados dessa aceitação tranquila, tornam-se um legado não apenas artístico, mas também espiritual.

Assim, a poesia de Portinari em seus últimos anos transcende a mera contemplação da morte. Ela se torna uma reflexão profunda sobre a vida, a finitude e o que vem depois. Sua relação com a morte é, acima de tudo, uma expressão de sua humanidade, marcada pela serenidade de quem compreende o ciclo da existência e o aceita com dignidade.

Nesse contexto, seus poemas não são apenas uma despedida, mas também uma celebração da vida em toda a sua complexidade. A morte, em sua obra, é o momento em que o poeta se encontra consigo mesmo, em paz com o que foi e com o que será. É essa tranquilidade que ressoa em sua poesia. Seus versos são um convite à reflexão, à aceitação e à celebração da vida, mesmo em seus momentos finais.

 

A Recepção Crítica

 

A incursão de Candido Portinari na poesia, um território dominado por sua expressão visual, atraiu a atenção de grandes nomes da literatura brasileira, como Manuel Bandeira e Antonio Callado. Embora sua fama esteja intrinsicamente ligada às suas pinturas, os poemas de Portinari conseguiram romper as fronteiras da crítica e serem apreciados por vozes importantes da poesia e da prosa no Brasil.

Manuel Bandeira, conhecido por sua sensibilidade poética, foi um dos primeiros a reconhecer o valor dos poemas de Portinari. Para Bandeira, a transição de Portinari da tela para o papel não foi apenas uma curiosidade artística, mas uma demonstração genuína de sua capacidade de transformar sentimentos em palavras. Bandeira destacou a qualidade lírica dos versos de Portinari, enfatizando que, apesar de ser mais conhecido como pintor, o artista era capaz de capturar em suas palavras a mesma força emocional que transmitia em suas telas.

A poesia de Portinari, segundo Bandeira, não era uma mera extensão de sua obra pictórica. Ele via nela uma abordagem autônoma e profunda dos temas que permeavam sua arte visual, como a infância, a vida no campo e as desigualdades sociais. Bandeira chegou a comparar os poemas de Portinari a obras de outros poetas brasileiros que exploraram a infância e o mundo rural, evidenciando a universalidade e a simplicidade poética que perpassavam os textos do pintor.

Antonio Callado, um dos grandes nomes da literatura brasileira, também se mostrou atento à obra poética de Portinari. Callado, que também era jornalista e dramaturgo, reconheceu nos poemas de Portinari uma força narrativa que transcendia a poesia convencional. Para ele, os versos do pintor ofereciam uma contribuição significativa à poesia brasileira, especialmente por sua habilidade em capturar a essência do Brasil rural e sua visão social.

Callado enxergou nos poemas de Portinari uma capacidade de comunicação rara, que conseguia traduzir em palavras os temas que eram tão viscerais em suas pinturas. Essa transposição de linguagem, que poderia ter sido um obstáculo, foi, na visão de Callado, um triunfo literário. Ele acreditava que, apesar de Portinari ser amplamente celebrado como pintor, seus poemas mereciam um lugar de destaque na literatura brasileira.

A recepção crítica dos poemas de Portinari, portanto, não se limitou à curiosidade sobre um pintor que também escrevia. Pelo contrário, críticos como Bandeira e Callado viram nele um poeta em potencial, cujas obras literárias tinham o poder de se sustentar por si mesmas. Mesmo que ele tenha permanecido à sombra de sua fama como pintor, o reconhecimento de seus poemas por esses grandes nomes da literatura brasileira evidencia que o talento de Portinari não se restringia à pintura.

A crítica literária brasileira, ao não ignorar o talento poético de Portinari, revelou-se sensível à multiplicidade de expressões artísticas que um único artista pode abarcar. A obra poética de Portinari, apesar de menos conhecida, foi legitimada por figuras centrais da literatura, o que garantiu que sua contribuição à poesia fosse reconhecida e valorizada. Assim, a recepção crítica dos poemas de Portinari, através dos olhos de Bandeira e Callado, situou o artista em um patamar onde suas palavras poderiam ressoar tão profundamente quanto suas cores.

 

O Legado Poético de Portinari

 

Candido Portinari, amplamente celebrado por suas contribuições à pintura e ao muralismo, também se destacou como um poeta, embora sua produção literária seja menos conhecida. Sua coletânea, “Poemas de Portinari”, revela uma faceta surpreendente do artista, que vai além das telas e murais, mergulhando nas palavras para expressar sua visão de mundo e suas preocupações sociais. Nesta obra, Portinari constrói uma ponte entre sua arte visual e a poética, oferecendo ao leitor um retrato íntimo de sua alma e de seu Brasil.

A produção poética de Portinari não deve ser vista de forma isolada de sua obra pictórica. Ambas as expressões se complementam e dialogam, oferecendo diferentes perspectivas sobre os mesmos temas. Assim como suas pinturas retratam o Brasil em suas cores e contrastes, seus poemas capturam a essência do país por meio da linguagem. Essa dualidade entre imagem e palavra é uma das características mais marcantes de seu legado poético, revelando um artista completo, capaz de transitar entre diferentes formas de expressão artística.

Nos poemas de Portinari, encontramos muitas das mesmas temáticas que permeiam suas pinturas: a pobreza, a injustiça social, o trabalho árduo do homem do campo, e a beleza e dureza da vida cotidiana. O artista transformava a realidade brasileira em versos, com um olhar sensível, mas também crítico. Suas palavras ecoam o sofrimento e a esperança de um país em busca de identidade e justiça. A poesia de Portinari é, portanto, um reflexo de sua preocupação constante com as questões sociais e políticas do Brasil.

Os poemas de Portinari são marcados por uma linguagem simples, direta, que contrasta com a complexidade de suas pinturas. No entanto, essa simplicidade não diminui a profundidade de seus versos. Ao contrário, ela ressalta a clareza de sua visão artística e política. Portinari não buscava o virtuosismo literário; sua poesia é uma extensão de sua voz, uma forma de comunicar-se diretamente com o leitor, sem artifícios ou ornamentos desnecessários.

Assim como suas pinturas, a poesia de Portinari reflete influências do modernismo brasileiro, movimento com o qual ele se identificou ao longo de sua carreira. Seus versos exploram as contradições do Brasil moderno, oscilando entre o rural e o urbano, o tradicional e o contemporâneo. Essa tensão entre diferentes realidades é um dos aspectos que tornam sua obra poética tão relevante e conectada ao contexto histórico e cultural do país.

A obra de Portinari, tanto na pintura quanto na poesia, está profundamente enraizada em sua visão política. Ele utilizava sua arte como uma forma de luta e protesto contra as injustiças sociais. Seus poemas são carregados de uma crítica ao sistema opressor e à desigualdade que marcava a sociedade brasileira. Através da palavra, assim como através da imagem, Portinari expressava sua indignação e sua esperança por um futuro melhor.

Outra característica notável da poesia de Portinari é a maneira como ele equilibra o íntimo e o coletivo. Seus poemas frequentemente alternam entre uma reflexão pessoal e uma análise mais ampla da sociedade. Esse jogo entre o particular e o universal é uma marca de sua obra, e reflete a dualidade presente em sua própria vida, dividida entre o artista consagrado e o homem profundamente conectado às raízes populares.

Embora a poesia de Portinari não tenha recebido a mesma atenção crítica que sua pintura, ela permanece como um testemunho valioso de sua sensibilidade e talento. Seu legado poético é uma extensão natural de sua obra visual, oferecendo novas dimensões para o entendimento do artista e de sua contribuição à cultura brasileira. Através de seus versos, Portinari continua a dialogar com o Brasil, revelando um olhar perspicaz e profundamente humano sobre as belezas e contradições do país.

Hoje, ao revisitarmos a obra poética de Portinari, somos desafiados a redescobrir um artista, cuja genialidade transcende a pintura. Seus poemas oferecem um portal para compreender melhor o homem por trás do artista, suas angústias, seus sonhos, e sua visão de mundo. Em um Brasil em constante transformação, a voz poética de Portinari ressoa com a mesma força e relevância que sua pintura.

“Poemas de Portinari” não apenas enriquece a compreensão da obra do artista, mas também destaca a importância de sua produção literária dentro do panorama cultural brasileiro. Seu legado poético, assim como sua pintura, permanece vivo, dialogando com novas gerações e reafirmando a posição de Portinari como uma figura central na arte e na literatura do Brasil.

 

A reedição dos Poemas

 

A reedição dos “Poemas de Portinari”, pela Fundação Nacional de Artes (Funarte), em 2019, não só marca os 40 anos do Projeto Portinari, como também resgata um lado menos conhecido do grande pintor brasileiro: o de poeta. Esta nova edição ilustrada, lançada no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, revela a conexão profunda entre as duas formas de expressão artística — pintura e poesia — que, para Portinari, estavam enraizadas em suas memórias de infância, em Brodowski, São Paulo.

A obra poética de Portinari, embora escrita sem a intenção inicial de publicação, ganhou vida graças à insistência do amigo e escritor Antonio Callado, que organizou a primeira edição, publicada pela José Olympio Editora, em 1964, dois anos após a morte do pintor. A publicação original era desprovida de ilustrações, algo que esta reedição corrige de forma esplêndida. O esforço do Projeto Portinari em buscar pinturas que dialogassem com os poemas resulta em uma obra que transcende a simples reedição literária, transformando o livro em uma peça de arte, onde imagem e palavra se complementam.

Os poemas são organizados em três partes, conforme a seleção original de Callado, destacando a alegria da infância no interior paulista, os medos do jovem Portinari, e, finalmente, a indignação do homem diante da fome e da miséria. Esta estrutura revela uma jornada emocional e artística, que vai da inocência à conscientização social, aspectos que também transparecem em suas telas. A adição de uma quarta parte, intitulada Odes, introduz uma dimensão de reverência e homenagem poética, expandindo o escopo do que já era uma obra introspectiva e pessoal.

A preservação dos textos de Manuel Bandeira e Antonio Callado, além da inclusão de uma nova apresentação por Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras, reforça o caráter celebrativo desta edição, mas também o posiciona como um documento histórico e cultural de valor inestimável.

O mérito desta reedição vai além da simples recuperação de uma obra esgotada. Ela reafirma o compromisso do Projeto Portinari com a preservação do legado do artista, ao mesmo tempo em que oferece ao público contemporâneo uma oportunidade rara de testemunhar a profundidade de sua sensibilidade artística, em múltiplas formas. A interseção entre pintura e poesia em “Poemas de Portinari” é um testemunho da versatilidade de um dos maiores nomes da arte brasileira, revelando que suas criações, independentemente do meio, são sempre guiadas pelo poder da memória, da observação e de uma busca constante pela expressão.

Esta reedição dos “Poemas de Portinari”, organizada pelas escritoras e professoras Letícia Ferro, Patrícia Porto e Suely Avellar, é uma celebração da convergência entre a palavra e a imagem, e um tributo ao imenso legado de Candido Portinari, que, mesmo sem a pretensão de ser poeta, deixou um tesouro literário que agora é devidamente reconhecido e preservado.

 

VICENTE FREITAS

 

 

 

 

 

 

 

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