A Interseção de Mundos
O
poema “Thiago”, de Soares Feitosa, é uma poderosa homenagem ao poeta amazonense
Thiago de Mello, e se desenvolve como um tributo lírico que busca entrelaçar
dois mundos aparentemente antagônicos: o sertão árido do nordeste e as vastas e
úmidas paisagens da Amazônia. Esse contraste natural é a chave para a
compreensão do poema, que revela uma profunda reflexão sobre as similitudes e
as raízes ancestrais compartilhadas, transcorrendo através de uma linguagem
metafórica de rara intensidade.
Desde
os primeiros versos, a fusão de imagens de água e terra seca revela o esforço
do poeta em transitar entre esses dois universos. A metáfora “as poeiras minhas
e os verd’águas teus” estabelece um contraponto simbólico entre a escassez e a
abundância, onde a poeira do sertão e as águas verdejantes da Amazônia
tornam-se representações metafóricas de dois contextos culturais e geográficos.
Esse jogo de contrastes nos fala da dualidade, onde a aridez e a plenitude, o
desejo e a realização, convivem de maneira harmoniosa.
Feitosa
tece, ao longo do poema, um diálogo profundo com Thiago de Mello, que
transcende a superfície das paisagens que os separam. O termo “águas desejadas”
evoca mais do que a água literal; ele sugere a água como símbolo de vida,
renovação e memória ancestral. Nesse sentido, o poema não trata apenas da
geografia física, mas da geografia interna dos poetas, onde ambos compartilham
uma ancestralidade comum. A figura da água, por sua vez, é amplamente explorada
como elemento unificador, transcendente às barreiras impostas pela natureza. É
como se o próprio ciclo da água, que se movimenta da terra para o céu e retorna
à terra, simbolizasse a ciclicidade da vida.
O
sertão nordestino, simbolizado pelas “poeiras”, representa a luta contra a
adversidade, o que pode ser entendido como uma metáfora da resistência poética
e existencial, um tema recorrente na obra de Feitosa. Já as “verd’águas”
remetem à exuberância da natureza amazônica, e através dessa imagem, Feitosa
captura a ideia da vitalidade inerente ao rio e à floresta que, ao mesmo tempo,
alimentam e dominam as paisagens de Thiago de Mello. Ao unir esses elementos
tão díspares, o poema celebra a convergência de culturas, lembranças e
sentimentos, sempre com a água como força condutora desse diálogo.
A
ancestralidade que o poema evoca não se limita à história pessoal dos poetas ou
aos cenários geográficos em que estão inseridos. Ao abordar “as águas
desejadas” e a convivência entre a escassez e a abundância, Feitosa mergulha na
essência do ser humano, em suas raízes mais profundas. As águas, então,
tornam-se metáfora para a memória coletiva, para o desejo contínuo de se
reconectar com algo primordial e fundamental. O poeta constrói uma ponte entre
as adversidades do sertão e as riquezas da floresta.
Há
ainda uma dimensão afetiva e de reconhecimento que atravessa o poema, em que
Soares Feitosa, ao homenagear Thiago de Mello, transcende o simples elogio
pessoal. Ele explora a empatia entre dois poetas, dois mundos, duas formas de
resistência através da poesia. Enquanto Feitosa lida com a secura e o sertão,
Thiago de Mello, imerso nas riquezas da floresta, também se vê desafiado por um
outro tipo de adversidade —
não a escassez de água, mas a necessidade de preservação e o enfrentamento das
ameaças contra a floresta. Assim, ambos os poetas encontram-se em suas
respectivas lutas, e o poema constrói essa convergência poética, em que a
interseção entre a seca e a água é, na verdade, a união entre dois espíritos
criativos.
“Thiago”
é uma reflexão sobre o que conecta os seres humanos, independentemente de suas
circunstâncias materiais ou geográficas. Feitosa nos lembra de que, apesar das
diferenças, há uma ancestralidade partilhada, uma sede de vida e de memória que
transcende qualquer barreira natural. O poema, portanto, é uma celebração da
humanidade que resiste e persiste, seja no sertão ou na Amazônia, e da força
simbólica que a poesia tem para unir esses mundos.
Soares
Feitosa, em “Thiago”, apresenta uma meditação poética que vai além da geografia
ou das paisagens de seca e floresta. Ele constrói um diálogo profundo com
Thiago de Mello, explorando as raízes ancestrais. Através da água como metáfora
central, o poema revela a capacidade da poesia de unir mundos distantes,
celebrando o poder da memória, da resistência e da vida.
O Dualismo da Água e da Terra
Soares
Feitosa, em seu poema “Thiago”, tece uma visão poética que transcende os
limites geográficos e culturais, ao desenhar um retrato vívido das águas que
delineiam a vida no sertão nordestino e na Amazônia. Através de uma linguagem
sensorial e carregada de simbolismo, o poeta apresenta um dualismo essencial
entre esses dois mundos — a aridez e a abundância, a escassez e a fartura, a
luta pela sobrevivência e a plenitude natural.
As
águas descritas no poema carregam uma dualidade de significado. No sertão, elas
são “águas rasas”, quase escassas, que precisam ser “rezadas”, evocando a
imagem de uma terra em constante luta pela subsistência. A referência à “chuva
de rezas” alude ao esforço contínuo do sertanejo para atrair a chuva,
simbolizando a oração como ferramenta de sobrevivência. A luta contra a seca, a
espera por chuvas, e a relação com a terra que não cede facilmente seus frutos
são aspectos que definem a identidade do homem nordestino.
Por
outro lado, na Amazônia, as águas são descritas como “os silêncios”, um
contraste que sugere uma abundância tranquila, quase mística. O silêncio das
águas amazônicas é a marca de uma natureza em estado primevo, um território
que, diferentemente do sertão, não exige a mesma resistência. Ali, a água não é
rezada, mas reverenciada em sua imensidão, como se fosse uma entidade viva e
ancestral, oferecendo um ambiente onde a vida flui de maneira diferente, em equilíbrio.
A
figura de José, o “Santo errado” (Feitosa aduz que “a escolha do Carpinteiro, como
padroeiro, foi um erro para o Ceará: carpinas não gostam de chuva”), adiciona
uma dimensão de espiritualidade e questionamento no poema. José, uma figura
cristã tradicionalmente associada à fé e à redenção, é apresentado como alguém
fora de sintonia. Essa caracterização reflete a dificuldade e a persistência do
sertanejo em manter sua fé diante de adversidades quase intransponíveis. A
religiosidade no sertão se mistura com a luta diária pela sobrevivência, e
José, o “Santo errado”, torna-se um símbolo dessa fé que, por vezes, parece
fora de lugar ou mal recompensada.
No
contexto amazônico, no entanto, o dilúvio primevo mencionado no poema reforça a
ideia de uma Amazônia ainda intocada, onde as forças naturais prevalecem e a
vida se molda em torno desse ciclo eterno de abundância e catástrofe. O
dilúvio, uma referência bíblica à destruição e à renovação, é uma metáfora
poderosa para a relação do homem com a Amazônia — uma terra fértil, mas
imprevisível, que guarda em si o potencial tanto para nutrir quanto para
devastar.
O
equilíbrio entre natureza e vida que Soares Feitosa apresenta em “Thiago” é,
portanto, um equilíbrio precário. O sertão e a Amazônia são faces opostas da
mesma moeda, ligadas pelas águas, mas separadas por suas diferenças
fundamentais. Enquanto o sertão demanda esforço e devoção para sobreviver, a
Amazônia se apresenta como um espaço de mistério e força natural, onde o homem
deve se adaptar, mas não necessariamente lutar da mesma maneira.
Essa
tensão entre as águas escassas e as águas abundantes reflete uma reflexão mais ampla
sobre a relação do homem com o meio ambiente. Feitosa parece sugerir que a vida
é moldada por esses contrastes, por essa necessidade de adaptação ao meio em
que se vive, seja ele árido ou fértil, seja ele hostil ou generoso. O poema
“Thiago” revela, assim, uma profunda meditação sobre o destino e a vida,
emoldurada pela paisagem rica e diversificada do Brasil.
Com
habilidade poética, Soares Feitosa desenha esse panorama com uma precisão que
vai além do descritivo. Ele capta a essência de cada território, dando voz não
só às águas, mas também àqueles que vivem em sua dependência e em constante
diálogo com a terra. O resultado é uma obra que ecoa tanto os desafios quanto
as belezas dos diferentes Brasis, e que ressoa como um hino à ligação íntima
entre o homem e a natureza.
As Viagens e os Poetas
O
poema “Thiago”, de Soares Feitosa, é um tributo às viagens — tanto físicas
quanto espirituais — que o autor realiza através de seu diálogo com grandes
poetas que o influenciaram. Ele percorre os caminhos do sertão, carregando nas
alpercatas a poeira de terras distantes e trazendo à tona a vasta simbologia
desse espaço. Feitosa explora não apenas a geografia do sertão, mas também as
paisagens interiores e as histórias que moldam o espírito do sertanejo e do
poeta.
No
poema, Feitosa se coloca como um viajante-poeta, alguém que transcende o
território físico para alcançar uma jornada existencial mais profunda. Esse
movimento de viagem reflete a trajetória de outros grandes nomes da literatura,
como Euclydes da Cunha, Gerardo Mello Mourão e Nertan Macedo, que também
exploraram as tensões entre o homem e a terra. O sertão, nesse contexto, não é
apenas um cenário, mas um elemento vital de conexão entre o passado e o
presente, entre o que é dito e o silêncio. Soares Feitosa, ao mencionar esses
poetas, cria um elo entre eles, sugerindo que todos compartilham de uma
sensibilidade poética e filosófica que vai além do local e atinge o universal.
A
referência a Euclydes da Cunha, por exemplo, evoca a visão aguda e muitas vezes
trágica das contradições que permeiam o Brasil interiorano. Em Os Sertões, Euclydes
desvela o conflito entre civilização e barbárie, uma dualidade que ressoa
também na obra de Feitosa. Contudo, enquanto Euclydes foca nos aspectos
sociopolíticos e geográficos, Feitosa mergulha no campo emocional e simbólico.
A terra, para ele, não é apenas um campo de batalhas, mas um território de
memória, identidade e imaginação.
Gerardo
Mello Mourão, por sua vez, traz para o poema de Feitosa a grandiosidade épica
de sua obra. O épico e o lírico se entrelaçam na poesia de Mourão e Feitosa,
especialmente na forma como ambos evocam o sertão não apenas como um lugar
físico, mas como um espaço de mitologia pessoal e coletiva. Esse sertão é, ao
mesmo tempo, a realidade dura e o local de onde emerge a poesia mais intensa,
aquela que se constrói nas contradições e paradoxos da vida.
Outro
nome citado, Nertan Macedo, contribui com a sensibilidade política e a visão
crítica da modernidade. Macedo, poeta e intelectual, escreveu sobre o sertão e
o Nordeste com um olhar que capta as injustiças sociais e as desigualdades
estruturais. Feitosa dialoga com essa visão crítica, mas o faz de uma maneira
mais introspectiva, onde o sertão é, antes de tudo, uma paisagem interna, uma
experiência subjetiva de existência e sobrevivência.
A
pluralidade desses poetas que Feitosa convoca em “Thiago” revela a
multiplicidade de influências que se fundem na sua obra. Eles formam uma
constelação de vozes que, embora diferentes em suas abordagens, compartilham de
uma mesma preocupação: entender o Brasil e, mais especificamente, a
complexidade do sertão. E, ao fazê-lo, eles criam uma poética que é tanto
pessoal quanto coletiva, particular e universal.
Ao
homenagear Thiago de Mello no poema, Feitosa destaca um outro viajante do
espírito. Poeta que também percorreu as terras amazônicas e os caminhos da
consciência social, Mello é apresentado como um companheiro nessa jornada de
palavras e imagens. O laço que une os dois poetas vai além da geografia; é um
laço de compreensão profunda das contradições do Brasil e de suas terras.
Ambos, cada um à sua maneira, transformam essas contradições em poesia — seja o
sertão ou a Amazônia, seja a miséria ou a riqueza cultural, tudo se torna
material para uma obra que busca dar sentido à condição humana.
O
poema “Thiago”, nesse sentido, não é apenas uma homenagem a um amigo ou a um
colega de letras. É uma declaração de afinidade poética e de cumplicidade
espiritual. Ambos os poetas, embora provenientes de regiões diferentes e com
estilos distintos, compartilham de um mesmo ímpeto criativo e de uma mesma luta
pela palavra como veículo de transformação.
“Thiago”,
de Soares Feitosa, é um poema que atravessa o tempo e o espaço, unindo poetas
de diferentes eras e regiões em um coro polifônico de vozes que cantam o Brasil.
As viagens de Feitosa, tanto físicas quanto espirituais, ecoam as de outros
poetas que, como ele, buscaram no sertão e em suas contradições a matéria-prima
para sua arte. Ao homenagear Thiago de Mello, Feitosa reafirma seu compromisso
com uma poesia que transcende fronteiras e se enraíza na terra, na história e
no coração dos homens.
A Terra Seca e o Homem
No
poema “Thiago”, Soares Feitosa apresenta uma narrativa poética que vai além de
uma homenagem ao grande poeta amazonense Thiago de Mello. Trata-se de um
encontro literário e filosófico entre o sertão cearense e a Amazônia, duas
geografias aparentemente distantes, mas que, no contexto da poesia, tornam-se
territórios de profunda interconexão. O texto estabelece uma simbiose entre a
terra seca do sertão e a exuberância úmida da floresta amazônica, revelando a
unidade do ser humano diante de sua ancestralidade e das forças da natureza.
O
poema começa por explorar a dualidade geográfica que, à primeira vista, opõe a
secura do sertão cearense às águas vastas da Amazônia. No entanto, Feitosa
subverte essa oposição ao apresentar o homem como elemento comum entre esses
dois mundos. O sertanejo e o habitante da Amazônia são fundidos numa imagem de
complementaridade e irmandade, como se fossem versões de um mesmo ser, moldado
por realidades ambientais distintas, mas unido por uma essência ancestral.
A
terra seca, no poema, não é apenas um cenário, mas um símbolo de resistência e
força. O sertão, com seu chão árido e sol abrasador, surge como o forjador de
uma humanidade enraizada na dureza do cotidiano. O homem sertanejo, feito de
poeira e sol, encontra seu paralelo no homem amazônico, feito de rios e selva.
Ambos são representações de um arquétipo humano que se adapta e sobrevive às
adversidades impostas pela natureza.
Feitosa
não apenas compara esses dois mundos naturais, mas destaca a ancestralidade
comum dos que os habitam. Essa noção de pertencimento a uma linha contínua de
seres ligados à terra e às suas forças é central ao poema. A relação dos
personagens com o chão que pisam, seja ele seco ou úmido, revela um vínculo que
vai além da sobrevivência física. Há uma conexão espiritual entre o homem e seu
ambiente, um respeito tácito pelas forças naturais que modelam não apenas o
corpo, mas também a alma.
A
ancestralidade, no poema, não é retratada de forma idealizada, mas como um elo
inescapável entre os homens e o ambiente ao seu redor. Essa herança é visível
tanto na força necessária para lidar com o solo árido quanto na fluidez e
adaptabilidade exigida pelas águas amazônicas. A união desses dois extremos
geográficos aponta para uma compreensão profunda da condição humana: seja no
sertão ou na floresta, o homem carrega em si a mesma essência de luta,
esperança e continuidade.
O
título do poema, “Thiago”, não é acidental. Feitosa evoca a figura de Thiago de
Mello como um símbolo dessa interseção entre o sertão e a Amazônia. O poeta
amazonense, com seu legado literário e ativismo em defesa da natureza e dos
direitos humanos, representa, na obra de Feitosa, uma ponte entre essas duas
realidades. Thiago de Mello, com sua sensibilidade para os dilemas do homem
amazônico, torna-se o emblema de um humanismo que transcende fronteiras
geográficas.
Feitosa
utiliza a figura de Thiago para reforçar a ideia de que a poesia é, em última
instância, uma ferramenta de conexão entre mundos. Assim como o poeta
amazonense enlaçou sua obra à natureza da floresta e às lutas de seu povo,
Soares Feitosa traça paralelos com a condição do sertanejo, criando um diálogo
entre esses dois espaços e culturas.
O
poema “Thiago” de Soares Feitosa é, em seu cerne, uma celebração da unidade na
diversidade. O sertão e a Amazônia, ao invés de serem apresentados como polos
opostos, são revelados como faces de uma mesma moeda. O homem que emerge dessas
paisagens é moldado pelo ambiente, mas também carrega em si uma essência
inalterável, que o conecta a outros seres humanos, independentemente de onde
vivam.
Feitosa
sugere que, apesar das diferenças climáticas e geográficas, a experiência
compartilha de um núcleo comum: o enfrentamento da vida através do contato
direto com a natureza. O homem, seja ele do sertão ou da Amazônia, é, antes de
tudo, uma criatura de adaptação, definida tanto pela sua luta quanto pelo seu
pertencimento a uma linhagem de seres que já enfrentaram e sobreviveram às
adversidades.
O
poema “Thiago” não é apenas um tributo ao poeta amazonense, mas uma meditação
profunda sobre a condição humana em face das forças naturais. Soares Feitosa
constrói uma obra de alcance universal ao explorar como o homem do sertão
cearense e o homem da Amazônia compartilham de uma mesma essência, mesmo quando
seus ambientes parecem tão diferentes. O uso da figura de Thiago de Mello como
ponto de conexão entre esses dois mundos literários e geográficos reforça a
ideia de que a poesia pode, de fato, unir o que a geografia separa.
Feitosa,
com sua habilidade lírica, cria um texto que é, ao mesmo tempo, um estudo da
relação entre o homem e seu ambiente e uma celebração do poder unificador da
poesia. No fim, o poema é uma afirmação da humanidade compartilhada entre os
homens da terra seca e das águas imensas, um lembrete de que, apesar das
diferenças aparentes, todos pertencem ao mesmo vasto chão.
O
Mar e o Sertão
No
poema “Thiago”, Soares Feitosa explora a dualidade simbólica entre o mar do
Nordeste e os rios da Amazônia, estabelecendo um confronto entre dois cenários
naturais que carregam profundas implicações culturais. A estrutura narrativa e
a linguagem empregada transcendem a simples descrição geográfica e natural,
mergulhando em um embate metafórico que reflete as lutas, resistências e sonhos
dos povos que habitam esses espaços.
Logo
no início, o poema coloca o leitor diante do orgulho de Thiago pelos “rios
imensos” da Amazônia. A vastidão desses rios, representando a grandiosidade da
floresta e sua força, é imediatamente contrastada com a resposta do poeta, que
traz o mar nordestino como um contraponto. Este mar, com suas jangadas que
flutuam levíssimas, não é um simples elemento passivo, mas uma metáfora
poderosa da cultura nordestina. O mar, com seus perigos e desafios, tubarões e
baleias gigantescas, se torna uma entidade viva e indomável, evocando a
tenacidade e o espírito de sobrevivência dos jangadeiros e pescadores do
sertão.
Feitosa,
ao contrapor o mar ao rio, vai além de uma simples comparação entre dois corpos
d’água. Ele utiliza esses elementos naturais como metáforas culturais, onde o
mar nordestino, com sua vastidão e força, reflete a cultura do sertão, a luta
diária pela sobrevivência e a conexão íntima com a terra e o oceano. As
jangadas, descritas com leveza, simbolizam a habilidade de adaptação e a
capacidade de flutuar sobre os desafios, sejam eles representados pelas águas
turbulentas ou pelos desafios socioeconômicos que os nordestinos enfrentam.
A
cultura nordestina, aqui, é uma força, como o mar que não cede aos perigos
iminentes representados pelos “tubarões” e “baleias gigantescas”. Esses animais
marinhos funcionam como símbolos dos desafios e adversidades que os nordestinos
enfrentam em sua batalha contínua por espaço e reconhecimento. Em contraste, os
“paroaras”, habitantes do Pará, com seus imensos rios, são envolvidos em uma
tensão que não é apenas territorial, mas também cultural, evocando uma
rivalidade velada entre as diferentes identidades regionais.
A
tensão entre o mar e os rios da Amazônia não se limita a uma competição entre
dois cenários naturais, mas é ampliada pelas identidades regionais que esses
elementos representam. Feitosa parece construir um diálogo em que cada parte
reivindica seu poder e sua relevância. Enquanto Thiago se orgulha de sua
Amazônia vasta e aquática, o poeta responde com o poder de um mar, imponente e
carregado de simbolismos.
Essa
tensão, no entanto, não é de antagonismo direto, mas sim uma espécie de
respeito mútuo, onde cada força aquática é reconhecida por suas próprias
virtudes e desafios. O mar, com seus perigos ocultos e sua vastidão, se impõe
aos “paroaras” como uma força indomável, sugerindo que a resistência e a luta
estão profundamente enraizadas tanto nas águas do sertão quanto nos rios
amazônicos.
Um
dos aspectos mais significativos da obra de Feitosa é a maneira como a água,
seja ela do mar ou do rio, é elevada a um símbolo de luta e resistência. As
águas do poema não são apenas elementos naturais, mas personificações dos
desafios enfrentados pelas populações que dependem delas. No sertão, o mar
nordestino é um símbolo da constante batalha pela sobrevivência, enquanto os
rios amazônicos, com sua imensidão e vitalidade, representam a grandiosidade de
uma região que também enfrenta seus próprios desafios de preservação e
desenvolvimento.
A
luta implícita entre o mar e o rio, portanto, não é apenas um conflito de
forças naturais, mas um espelho das lutas cotidianas dos habitantes dessas
regiões. O mar e os rios se tornam metáforas poderosas das tensões culturais e
das resistências que surgem da necessidade de adaptação ao meio ambiente e de
preservação das tradições locais.
“Thiago”,
de Soares Feitosa, é um poema que vai muito além de um simples confronto entre
o mar nordestino e os rios amazônicos. É uma obra que explora a força simbólica
desses elementos naturais e os transforma em metáforas das lutas, resistências
e sonhos dos povos que habitam esses espaços. O mar, com suas jangadas,
tubarões e baleias, reflete a cultura nordestina, enquanto os rios imensos da Amazônia
evocam a grandiosidade e os desafios enfrentados pelos “paroaras”.
Feitosa,
ao construir esse diálogo entre as águas, oferece ao leitor uma reflexão
profunda sobre a identidade cultural, as batalhas cotidianas e a relação
simbiótica entre o homem e a natureza. O mar e o rio, no fim, não são apenas
forças em oposição, mas também complementos que revelam as múltiplas facetas de
um Brasil rico em diversidade e força.
A Desconfiança nas Águas
O
poema “Thiago”, de Soares Feitosa, dialoga de maneira profunda e comovente com
o imaginário da Amazônia e sua vastidão aquática, ao mesmo tempo em que
constrói uma ponte emocional com a figura de Thiago de Mello. Nele, as águas
amazônicas, elemento central da narrativa, são vistas com desconfiança. Feitosa
não as trata como um simples fenômeno natural, fruto da chuva, mas sim como
símbolos de algo mais profundo e enigmático. O questionamento acerca da origem
dessas águas amplas faz com que elas se transformem em uma metáfora, um eco das
lágrimas daqueles que, como os poetas exilados pela seca e pela dor, buscaram
refúgio e sobrevivência.
O
desdobramento dessa metáfora é sutil, mas impactante: Feitosa entrelaça a
geografia física da Amazônia com a geografia emocional dos que sofrem. As águas
tornam-se, nesse contexto, um reflexo das memórias e das dores do exílio e da
migração forçada. As referências às lágrimas daqueles que fugiram da seca
sertaneja —
um tema caro tanto a Soares Feitosa quanto a Thiago de Mello — são poderosas, construindo uma narrativa
poética em que a lama entre os dedos e o chiado da floresta remetem a uma
sensação de perda e deslocamento. Essa lembrança da terra árida misturada ao
barro amazônico evoca a tentativa de encontrar sentido no meio de forças
incontroláveis e aparentemente insondáveis.
A
Amazônia, com sua vasta complexidade, vai além de um simples cenário no poema;
ela torna-se uma entidade viva que, paradoxalmente, tanto acolhe quanto impõe
mistério. Soares Feitosa utiliza a paisagem amazônica para criar uma narrativa
de exílio interno, que não se limita ao deslocamento geográfico, mas também
abrange o campo afetivo e espiritual. Ao evocar a memória da lama e do chiado
da floresta, o poeta sugere que o próprio ambiente natural é, de certa forma,
uma testemunha silenciosa do sofrimento e da resistência dos homens que o
habitam.
Ali,
as águas amazônicas surgem como símbolo da vastidão insondável da experiência
humana, especialmente a de Thiago de Mello, cuja trajetória de vida foi marcada
pelo exílio político e pelas lutas contra a ditadura. Soares Feitosa capta essa
dimensão de Thiago, espelhando o sentimento de deslocamento que atravessa sua
obra, especialmente no contexto da repressão e das angústias pessoais.
A
lama entre os dedos, mencionada no poema, é uma imagem forte que sublinha essa
interconexão entre terra e emoção. Ao evocar essa lama, o poeta não apenas nos
lembra da materialidade da Amazônia, mas também do peso emocional que ela
carrega. É a lama dos caminhos de fuga, dos lugares onde os homens buscaram
refúgio, ao mesmo tempo em que carrega a memória dos que nunca retornaram.
Assim, Feitosa nos apresenta uma Amazônia que, além de ser a maior floresta
tropical do mundo, é um espelho das lutas e tragédias humanas.
Por
outro lado, o chiado da floresta pode ser visto como uma forma de resistência,
o som de uma natureza que, mesmo em meio à destruição ou ao esquecimento,
persiste. Esse chiado se torna, em certo sentido, um eco das vozes daqueles que
foram silenciados, como muitos artistas e intelectuais que, como Thiago de Mello,
enfrentaram as consequências do exílio e da repressão. Nesse ponto, o poema
conecta as emoções dos poetas ao ambiente físico, revelando um retrato do que significa pertencer a uma terra que, ao mesmo tempo em que
acolhe, desafia e oculta segredos.
Ao
longo do poema, a água não é apenas um elemento geográfico, mas também
emocional. Ela atua como um reflexo das tensões internas dos poetas, um símbolo
das forças avassaladoras que os moldam. A associação entre as águas amazônicas
e as lágrimas daqueles que sofreram sugere que o rio e as chuvas são mais do
que simples fenômenos naturais —
são a expressão de uma dor coletiva, uma memória líquida que transcende o tempo
e o espaço.
O
poema é um tributo a Thiago de Mello, mas também um reconhecimento do poder da
Amazônia como fonte de inspiração e refúgio, ao mesmo tempo que carrega o peso
do sofrimento. Feitosa entrelaça a paisagem externa com as paisagens
internas de seus personagens, criando uma simbiose entre natureza e emoção,
especialmente quando marcada pelo exílio e pela resistência.
Em “Thiago”, Soares Feitosa nos oferece uma visão poética profunda da Amazônia, onde as águas não são apenas o que parecem ser. Ao questionar sua origem, o poeta levanta questões sobre o sofrimento e o exílio. A ligação entre a geografia física e a emocional é um dos maiores triunfos do poema, revelando como o ambiente pode ser tanto um refúgio quanto uma fonte de inquietação. Thiago de Mello, assim como Soares Feitosa, emerge como uma figura de resistência e reflexão, cujas experiências estão profundamente ligadas à vastidão e ao mistério da Amazônia, sempre presente e sempre insondável.
A Casa Ancestral
O
poema “Thiago”, de Soares Feitosa, emerge como um tributo à permanência das
raízes ancestrais em meio às forças da natureza e do tempo. A figura central da
obra, a “casa”, transcende seu caráter físico, assumindo um papel simbólico
como guardiã da memória e da tradição. Feitosa evoca essa imagem de maneira
poética e profunda, relacionando-a com a ancestralidade e a resistência
cultural, ao mesmo tempo que a conecta à figura de Thiago de Mello, conhecido
por sua sensibilidade em relação às raízes amazônicas.
A
casa, mencionada por Thiago como morta, é desmentida pelo próprio poeta.
Feitosa sugere que a casa nunca pereceu; ao contrário, ela sempre esteve
presente, ainda que submersa pelas águas que simbolizam a passagem do tempo e
as mudanças inevitáveis. Aqui, a casa é retratada como uma entidade viva, cuja
fusão com telhas e águas é um testemunho de sua persistência e adaptação. Essa
fusão reflete a capacidade da tradição de resistir e transformar-se, mesmo
diante dos desafios e forças externas.
A
água, elemento recorrente na obra de Soares Feitosa, adquire um papel duplo:
por um lado, é uma força destrutiva que submerge e modifica; por outro, é um
meio pelo qual a memória e a tradição são preservadas. A casa, mesmo submersa,
continua a existir na memória coletiva, como um monumento à ancestralidade.
Nesse sentido, o poema faz eco à ideia de que as tradições e as histórias
familiares não são destruídas pelas marés do tempo, mas sim absorvidas e
mantidas vivas no fluxo contínuo da memória.
A
metáfora da casa vai além de sua função estrutural. Ela é, de fato, um reflexo
das raízes culturais e do legado transmitido de geração em geração. A “casa
ancestral” torna-se um símbolo da luta pela preservação da identidade e dos
valores, algo que, mesmo quando aparentemente perdido, permanece inscrito no
tecido da memória e da história.
A
associação de Thiago de Mello com o poema não é aleatória. O poeta amazonense é
reconhecido por sua conexão profunda com a cultura e as tradições de sua terra
natal, o que ressoa com a temática da ancestralidade em “Thiago”. O nome de
Thiago, portanto, carrega consigo o peso da tradição e da terra, elementos que
Soares Feitosa parece querer imortalizar em sua obra. Thiago de Mello, assim,
não é apenas uma figura literária, mas um representante vivo das forças
ancestrais que o poema celebra.
O
poema “Thiago”, de Soares Feitosa explora temas universais como a permanência,
a ancestralidade e a memória, utilizando a imagem da casa como símbolo de tradição.
A fusão entre telhas e águas, presente no poema, oferece uma metáfora poderosa
para a continuidade cultural, mesmo diante das mudanças impostas pelo tempo e
pelas circunstâncias. Soares Feitosa, ao trazer Thiago de Mello para o centro
dessa reflexão, enfatiza a importância de preservar a memória ancestral,
evocando a conexão profunda entre o homem, sua terra e sua história.
O
Legado das Águas
O
poema “Thiago”, de Soares Feitosa, emerge como uma ode à amizade e à partilha
de experiências entre dois grandes poetas brasileiros: Soares Feitosa e Thiago
de Mello. O título já antecipa um laço pessoal, estabelecendo um diálogo íntimo
com a obra e a figura de Thiago de Mello, que se estende além das palavras.
Ambos, mestres em explorar as paisagens da alma e da terra, refletem suas
vivências, entrelaçando a aridez do sertão e a vastidão amazônica, dois mundos
que se encontram no curso das águas, elemento central na obra.
No
poema, a água se destaca como símbolo de vida e memória. Soares Feitosa utiliza
as “águas de teus rios” e as “águas de meus olhos” para representar tanto os
rios amazônicos de Thiago de Mello quanto as lágrimas que unem ambos poetas em uma
dor compartilhada. A água carrega o legado da vida e das vivências,
metaforicamente fluindo através do tempo e espaço, conectando memórias de
infância e reflexões sobre o sofrimento e a resistência em seus respectivos
contextos. O “gosto de infâncias e águas” sugere a indissolubilidade entre a
natureza e a construção de identidade poética.
A
união entre o sertão, onde nasce a poesia de Soares Feitosa, e a Amazônia,
berço de Thiago de Mello, é uma das forças motrizes do poema. A natureza, seja
a seca que resseca o orvalho ou a exuberância das águas fluviais, espelha as
contradições e similitudes entre os dois ambientes. Ao dialogar com as
paisagens de Thiago, Feitosa reflete sobre o contraste entre a resistência do
sertanejo e a luta amazônica pela sobrevivência, estabelecendo um vínculo entre
os sofrimentos e as belezas de cada lugar.
A
metáfora da “lágrima inútil que resseca o orvalho” é um dos momentos mais
impactantes do poema. A imagem sugere não apenas a inutilidade de lágrimas
diante de certas realidades inevitáveis, mas também a dor que transcende o
físico e se aninha no coração. Tanto a Amazônia quanto o sertão são marcados
por lutas, privações e resistências, e Soares Feitosa, ao evocar essa metáfora,
coloca o sofrimento como uma constante, seja nas secas do Nordeste ou nas
ameaças à Amazônia.
O
“gosto de infâncias e águas” remete à memória afetiva, elemento essencial na
construção poética tanto de Feitosa quanto de Thiago de Mello. A infância, com
suas descobertas e vivências, torna-se uma fonte primordial de inspiração. A
água, que se manifesta nas chuvas, rios ou lágrimas, molda essa fase de vida.
Ao evocar essa lembrança, Feitosa reafirma a importância do passado e das
raízes na construção da identidade poética, aproximando seu caminho ao de Thiago.
O
legado das águas, mencionado de forma implícita ao longo do poema, também
aponta para a continuidade das tradições e vivências. As águas fluem e se
renovam, assim como a poesia, que é transmitida de geração em geração. Feitosa,
ao homenagear Thiago de Mello, não apenas reconhece a grandeza do poeta, mas
também celebra a força da palavra como um rio de heranças que não se seca,
perpetuando-se no tempo.
Assim
como Thiago de Mello, Soares Feitosa usa sua poesia como uma forma de
resistência. No poema, a dor e a desolação são transformadas em símbolos de
luta e persistência. Ao dialogar com as imagens amazônicas e sertanejas,
Feitosa revela a poesia como uma arma contra a opressão e as adversidades. A
água, que aqui simboliza também o sofrimento, é ressignificada como uma força
que molda e forja a resistência humana.
Ao
escrever “Thiago”, Soares Feitosa não está apenas homenageando o amigo, mas
também reconhecendo o papel de Thiago de Mello como um dos maiores
representantes da poesia social e comprometida. O poema faz referência à luta
de Thiago pela justiça e pela preservação da Amazônia, temas recorrentes em sua
obra. A água, símbolo da vida amazônica, reflete esse compromisso, fazendo de
“Thiago” um tributo à luta ambiental e poética.
A
água, tanto em seu aspecto físico quanto simbólico, une as paisagens naturais e
as emoções mais profundas. Para Feitosa, as águas dos rios amazônicos e as
lágrimas do sertão convergem para formar uma metáfora poderosa do que há de
mais essencial: a sensibilidade para a dor do outro e para a beleza da vida. A
natureza, em toda sua vastidão e complexidade, é a fonte de reflexão poética e
existencial.
“Thiago” é mais do que uma homenagem pessoal; é um marco na poesia brasileira que celebra a conexão entre dois mundos distintos, mas igualmente poderosos. Soares Feitosa, ao prestar tributo a Thiago de Mello, incorpora em sua obra o espírito de uma tradição poética que valoriza a simplicidade das emoções e a grandiosidade das paisagens. O poema permanece como um legado, fluindo como as águas que carregam memórias, histórias e sonhos.
A Fuga e o Retorno
O
poema “Thiago”, de Soares Feitosa, explora, de maneira visceral e poética, o
tema da fuga e do retorno. A construção simbólica que entrelaça essas duas
realidades — a
de partir e a de regressar —
revela um profundo senso de pertencimento e deslocamento simultâneos, como se o
sujeito poético estivesse constantemente dividido entre a saudade do que foi
deixado e a promessa do que ainda está por vir. Feitosa utiliza imagens fortes,
que dialogam com a memória coletiva do povo sertanejo e com a tradição oral,
para construir um retrato de Thiago de Mello, poeta que também carrega as
marcas desse ciclo.
A
fuga no poema não é apenas física, mas também emocional e espiritual. As
palavras “fugidos somos, voltados somos” ecoam uma necessidade de evasão que
transcende o desejo de escapar dos limites geográficos. Essa fuga, por vezes,
parece uma tentativa de reencontrar algo perdido ou esquecido nas vastidões do
mundo – seja nas florestas amazônicas, nos seringais ou na “casa grande”,
cenário emblemático da memória histórica brasileira. Essas fugas representam a
busca por um sentido maior, uma espécie de peregrinação em que o sujeito
poético está sempre à procura de algo que não está ao alcance imediato.
Porém,
assim como há a fuga, há também a promessa do retorno. O regresso, nesse
contexto, simboliza o reencontro com as origens, com a terra e, acima de tudo,
consigo mesmo. O sertão, enquanto espaço simbólico, aparece como o ponto de
partida e de chegada, um lugar que acolhe tanto a dor quanto o alívio. O
retorno ao sertão, portanto, não é apenas geográfico, mas existencial. A figura
de Thiago de Mello, nesse ciclo de partida e volta, torna-se o emblema do poeta
que nunca abandona suas raízes, mesmo ao atravessar fronteiras físicas e
culturais.
Os
espaços evocados no poema —
o seringal amazônico e a casa grande —
carregam um peso histórico e afetivo. O seringal, símbolo de exploração e
resistência, remete à trajetória de muitos nordestinos que migraram para a
Amazônia em busca de trabalho e sobrevivência. No poema, essa fuga para o
seringal não é apenas uma aventura, mas uma jornada marcada pela dureza da vida
e pela distância de casa. É uma metáfora para o deslocamento do sujeito que
busca uma vida melhor, mas que carrega consigo a saudade de suas origens.
Por
outro lado, a casa grande, enquanto símbolo de poder e opressão, representa um
contraste com o sertão. Esse espaço, imenso e distante, é apresentado como um
lugar de vastidão e vazio, onde o sentido de pertencimento parece estar
constantemente em disputa. Feitosa utiliza essa imagem para reforçar a ideia de
que, mesmo em espaços aparentemente grandiosos, há sempre a sensação de exílio
e solidão. A casa grande é o local da fuga, mas também o espaço onde o retorno
se torna inevitável.
O
sertão, por sua vez, é descrito no poema como o lugar de onde tudo começa e
para onde tudo retorna. Feitosa usa o sertão não apenas como um cenário físico,
mas como um espaço mítico, carregado de significados profundos. É ali que se
concentra a essência do sujeito poético, suas raízes culturais e afetivas. A
fuga para o seringal e a casa grande, por mais distantes que estejam, sempre
acabam no retorno ao sertão, onde o ciclo da vida se completa.
Thiago
de Mello, enquanto figura central do poema, é o representante dessa dinâmica
cíclica. Sua trajetória poética e pessoal reflete essa alternância entre o
afastamento e o retorno, entre o exílio e a volta às raízes. Feitosa faz com
que o personagem de Thiago encarne o espírito de resistência e busca, ao mesmo
tempo em que mantém viva a memória de seus ancestrais, que também viveram essa
constante dualidade.
Ao
explorar o tema da fuga e do retorno, Feitosa também toca em questões
universais sobre a condição humana. O deslocamento, seja ele físico ou
emocional, é uma experiência compartilhada por todos, e o retorno às raízes
representa uma busca pelo sentido e pela identidade. No poema, essa jornada
cíclica ganha contornos ainda mais profundos ao ser entrelaçada com as memórias
da terra, da história e da cultura sertaneja.
O
poema “Thiago” reflete, assim, uma jornada não apenas individual, mas coletiva.
As fugas para o seringal amazônico, as vastidões da casa grande e o retorno ao
sertão formam uma teia de experiências que ecoam a vida de muitos brasileiros,
em especial aqueles que, como Thiago de Mello, carregam em sua trajetória a
marca do exílio e da saudade. A alternância entre fuga e volta, entre o
distanciamento e o reencontro, é o que define a condição do poeta, que está
sempre em busca de algo maior, mas que nunca esquece suas raízes.
Em
“Thiago”, Soares Feitosa constrói um poema que é, ao mesmo tempo, uma homenagem
e uma reflexão sobre a condição humana. Através da figura de Thiago de Mello, o
poeta explora os temas da fuga e do retorno, utilizando imagens poderosas que
dialogam com a memória coletiva do povo nordestino. A fuga para o seringal e a
casa grande, e o retorno ao sertão, representam a eterna busca por sentido e
pertencimento, e refletem uma jornada cíclica que define a vida do poeta e de
seus ancestrais.
Soares Feitosa, com sua linguagem rica e evocativa, nos convida a refletir sobre o que significa partir e voltar, e como essas experiências moldam nossa identidade e nossa visão de mundo. O poema “Thiago” é, assim, uma obra profundamente poética e filosófica, que nos faz pensar sobre a condição do exílio, a busca pelo sentido e o valor das raízes que nos sustentam.
A Memória
O
poema “Thiago”, de Soares Feitosa, revela-se uma ode à memória, ao sertão e à
Amazônia, com foco na figura de Thiago de Mello, grande poeta e defensor da
floresta. Feitosa entrelaça, de forma habilidosa, a paisagem física e emocional
do Norte e Nordeste brasileiros, exaltando a força da tradição oral, das
histórias ancestrais e da relação entre o homem e a terra.
A
evocação da eternidade da memória atravessa toda a obra. Feitosa não se
contenta em narrar um passado distante, mas revive-o no presente, fazendo com
que a memória se torne viva e pulsante. O sertão e a Amazônia, como lugares
simbólicos de resistência cultural, são mais do que meras paisagens
geográficas: são espaços de vivência e identidade. A casa e os rios, por
exemplo, não são apenas estruturas físicas, mas testemunhas silenciosas de
histórias e experiências passadas, impregnadas de significados que transcendem
o tempo.
A
menção à Barreirinha, cidade natal de Thiago de Mello, carrega um significado
profundo, reforçando o vínculo de Feitosa com o legado do poeta. “Indaguem por
mim em Barreirinha” funciona como uma metáfora para a imortalidade do ser
através da memória coletiva. O eu-lírico se projeta em Barreirinha como um
lugar onde sua presença e suas ideias perduram, transcendendo o espaço físico e
o tempo histórico. Barreirinha, nesse contexto, torna-se símbolo de um ponto de
encontro onde as histórias, tradições e memórias são continuamente recriadas.
Feitosa
utiliza a paisagem do sertão e da Amazônia para simbolizar a luta pela
preservação das histórias e das identidades construídas ao longo de gerações.
Ao fazer isso, ele ecoa uma luta contra a tentativa de apagamento cultural e
histórico que muitas vezes acompanha as transformações da natureza e do
progresso. O sertão e a floresta, com seus rios e poeiras, são representações
de um Brasil, que não deve ser esquecido nem subjugado.
O
apelo à preservação da memória surge como um grito de resistência. Soares
Feitosa, com uma linguagem ao mesmo tempo simples e sofisticada, defende a
necessidade de manter viva a memória coletiva, em face de uma sociedade que
frequentemente se deixa levar pelas forças do esquecimento. As “águas e
poeiras” do poema são elementos ambíguos: ao mesmo tempo que podem ser vistos
como símbolos de vida e movimento, representam também a ameaça do esquecimento
e do apagamento das histórias e das lutas.
O
poema, ao invocar Thiago de Mello e seu legado, vai além da simples homenagem.
É uma reafirmação do papel fundamental da memória na construção de uma
identidade coletiva, especialmente em um país marcado pela diversidade e pela
complexidade de suas histórias. A resistência à perda de memória, presente na
obra, é também uma resistência ao apagamento das identidades que formam a cultural
do Brasil.
Feitosa
faz uso de uma linguagem rica em imagens, em que a casa, os rios e o sertão são
mais do que simples cenários: são protagonistas de uma história maior, que
inclui não só o passado, mas também o presente e o futuro. A poesia torna-se um
veículo para a memória, na qual as histórias de gerações são preservadas e
transmitidas.
Ao
final, o poema “Thiago”, de Soares Feitosa, se destaca não apenas como uma
homenagem a um grande poeta, mas como uma profunda reflexão sobre o papel da
memória e da tradição na construção de uma identidade cultural duradoura.
Através de sua poesia, Feitosa reafirma a importância de preservar as histórias
e os laços que nos unem às nossas origens, resistindo às forças que tentam
apagar essas memórias e identidades.
Assim,
“Thiago” se inscreve na tradição de uma poesia que não apenas retrata, mas
também constrói e preserva mundos, mostrando que, ao lembrar, garantimos a continuidade
do que é essencial: a nossa história compartilhada.
Vicente
Freitas
Nenhum comentário:
Postar um comentário