Começo por fazer um repasse histórico, partindo das
primeiras manifestações. Rememoro os Oiteiros, tertúlias palacianas ao redor do
Governador MANUEL INÁCIO DE SAMPAIO, como início da nossa atividade literária,
para alguns; para outros, é a poesia de JUVENAL GALENO aquilo que marca os
primórdios da nossa literatura. A Academia Francesa, da década de 1870, é uma
instituição pioneira e importante, mas não pode ser julgada um movimento
literário, ainda que dos seus quadros tenham saído dois dos principais críticos
do século dezenove - ROCHA LIMA e ARARIPE JÚNIOR. O mesmo no entanto já não
ocorre com o Clube Literário (1886), a Padaria Espiritual (1892) e o Centro
Literário e a Academia Cearense de Letras, criados em 1894.
Cabe referir, no período do romantismo, além de
JUVENAL GALENO, os nomes de JOAQUIM DE SOUSA e BARBOSA DE FREITAS, poetas hoje
completamente deslembrados, com ressalvas para os esforços de SÂNZIO DE AZEVEDO
em restabelecer a legitimidade da poesia de ambos. JOSÉ DE ALENCAR é um caso à
parte. Sendo o nosso maior representante literário, é também o escritor
cearense em cuja ficção o Ceará se vê mais bem imaginado ou idealizado, não
especificamente retratado, contudo, pois tanto Iracema quanto O Sertanejo, os
seus dois romances ambientados no Ceará, são calcados em pura intuição
lendária, como já afirmei em outra ocasião.
O simbolismo no Ceará corre paralelo à Padaria
Espiritual e o nome de maior destaque é o de LÍVIO BARRETO, autor de Dolentes
(1897). A Padaria Espiritual gravita em torno de ANTÔNIO SALES, que é um dos
nossos maiores poetas e o autor primoroso de Aves de Arribação. A ele, no final
do século passado, juntar-se-iam os romancistas OLIVEIRA PAIVA e de ADOLFO
CAMINHA, ambos com cadeiras cativas no panorama da literatura brasileira. Não
falo de RODOLFO TEÓFILO, que encarnou a alma cearense, nem de FRANKLIN TÁVORA,
que empalmou a tese de uma certa literatura do norte, pois sou dos que não
acreditam na consistência estética das suas produções, ainda que reconheça os
inegáveis méritos literários de ambos.
DOMINGOS OLÍMPIO, autor de Luzia-Homem (1903), PAPI
JÚNIOR (1854-1934), CORDEIRO DE ANDRADE (1908-1943) e HERMAN LIMA (1897-1981),
são quatro ficcionistas que não podem ser olvidados, em nenhuma hipótese, assim
como não pode jamais ser esquecida a figura de GUSTAVO BARROSO, principalmente
como contista e memorialista. Ele próprio um dos grandes escritores do Brasil
durante o percurso deste século, ao lado de JOSÉ ALBANO, que considero um poeta
exponencial e originalíssimo.
O que vem depois é a fase do pré-modernismo,
projetando luzes na figura solitária de MÁRIO DA SILVEIRA. E bem assim a
estética do parnasianismo, que produziu alguns dos mais expressivos poetas
cearenses, a exemplo de OTACÍLIO DE AZEVEDO, CARLOS GONDIM, ANTÔNIO SALES, CRUZ
FILHO e JÚLIO MACIEL. E as tentativas de renovação modernista de 1928/1930, ao
redor de DEMÓCRITO ROCHA, JÁDER DE CARVALHO, SIDNEY NETO, JOÃO JACQUES FERREIRA
LOPES, RACHEL DE QUEIROZ e FILGUEIRAS LIMA, sem esquecer o surto modernista
definitivo que se instaurou no Ceará a partir da década de 1940, empalmado pelo
Grupo Clã de Literatura. BRAGA MONTENEGRO é o crítico literário dessa escola.
DURVAL AIRES o seu novelista. MILTON DIAS o seu cronista mais expressivo. PEDRO
PAULO MONTENEGRO o seu grande teórico literário. MOREIRA CAMPOS e EDUARDO
CAMPOS os seus contistas mais eminentes. FRAN MARTINS e JOÃO CLÍMACO BEZERRA
são os romancistas dessa geração. É com estes dois últimos ficcionistas a que
me refiro que o chamado romance cearense ganha foros de legitimidade e
complementação. Os poetas do Clã foram ALUÍSIO MEDEIROS, ANTÔNIO GIRÃO BARROSO,
OTACÍLIO COLARES e ARTUR EDUARDO BENEVIDES. STÊNIO LOPES, JOAQUIM ALVES, LÚCIA
FERNANDES MARTINS, MOZART SORIANO ADERALDO, CLÁUDIO MARTINS e ANTÔNIO MARTINS
FILHO, na condição de grandes escritores, também se filiaram a esse movimento.
Outro nome a relembrar é o do poeta IRANILDO
SAMPAIO, que estréia na década de 1950 e que ainda hoje permanece em plena
atividade, tendo publicado, em 1997, A Nave dos Esquecidos, seu décimo sexto
livro de poemas. Já COSTA MATOS, nascido poeta ainda na década de 1940,
atravessou as décadas seguintes fiel ao ideário da sua vocação, tendo
recentemente (1997) estreado como romancista, sendo desta forma merecida a sua
inserção nos quadros da literatura cearense atual.
O movimento concretista é do final da década de
1950. EUSÉLIO OLIVEIRA, JOSÉ ALCIDES PINTO, BARROSO GOMES, ANTÔNIO GIRÃO
BARROSO e PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO são os seus máximos representantes. E
aqui já estamos chegando na década de sessenta, cuja referência mais visível é
a do grupo SIN de Literatura. Seus componentes, passados quase trinta anos, continuam
sendo preponderantemente poetas, com exceção de PEDRO LYRA e LINHARES FILHO,
que enveredaram pela crítica, pela estética e pelo ensaio literário também.
HORÁCIO DÍDIMO, BARROS PINHO, ROGÉRIO BESSA, LEÃO JÚNIOR e ROBERTO PONTES,
membros do SIN, fizeram opção pela poesia e dela se tornaram nomes destacados.
Talvez neste ponto da exposição coubesse um
parêntese para que pudéssemos evocar o nome de JUAREZ BARROSO, morto aos 41
anos, e que depois se transformaria num dos maiores contistas do Brasil. Autor
de Mundinha Panchico e o Resto do Pessoal (1969) e de Joaquim Gato (1976),
livros de contos, e de Doutora Isa (1978), romance, que juntos nada ficam a
dever aos grandes monumentos literários brasileiros da década de 1970. Outro
nome que considero importante, surgido na década de 1970, mas pertencendo a uma
faixa etária bastante anterior, é o do poeta CAETANO XIMENES ARAGÃO
(1927-1995), autor de uma poesia épica e de entonação marcadamente cósmica,
comprometida com as exigências da modernidade literária.
O Grupo Siriará de Literatura, que eclodiu no final
da década de setenta, além de um manifesto e de uma revista que morreu com o
primeiro número, não deixou a meu juízo uma contribuição significativa,
enquanto movimento de renovação estética e literária. Foi uma atitude muito
mais do que um grupo literário com disposição de aglutinar uma proposta
concreta de ação ou coisa que o valha. Mas é indiscutível também que do Siriará
provém alguns dos melhores escritores cearenses da década de 1980, com raízes
num período bem anterior, que remonta à criação da revista O Saco, uma das mais
originárias publicações brasileiras das últimas décadas.
Com o Siriará morre também o ciclo dos grandes
movimentos literários cearenses, pois as tentativas que vieram depois não se
consolidaram, não passando na sua maioria de saraus ou de convivências de boa
vizinhança, o que muito já representa para uma literatura que deseja buscar a
sua identidade e não a encontra senão em algumas posturas pessoais, pois o elo
partido é justamente a impossibilidade de uma afirmação regional de algo que só
tente a se globalizar a se inserir num contexto muito maior.
Falo agora de nomes isolados, não da história da
literatura cearense como um todo, mas da literatura que se pratica em Fortaleza
e nos seus arredores. Vou isolar de propósito os que, embora nascidos
cearenses, emigraram para outros centros culturais mais desenvolvidos, não se
contaminando do pecado e dos vícios do provincianismo, uma praga à qual está
sujeita boa parte de qualquer ambiência literária. A falta de uma crítica
militante em Fortaleza, capaz de acompanhar a nossa produção literária, é um
dos males culturais mais graves e também de difícil solução.
Não estou dizendo que desconheço a crítica
literária mais jovem. Pelo contrário. Observo com interesse o embrião de uma
crítica nova, ainda vacilante e descontinuada, que se excerce principalmente no
Suplemento Sábado do Jornal O Povo, me parecendo oportuno destacar, entre os
iniciantes, os nomes de ELEUDA DE CARVALHO e MANOEL RICARDO DE LIMA e, entre os
veteranos, os nomes de LIRA NETO e FLORIANO MARTINS.
Arrisco-me agora a apontar alguns escritores em
evidência no nosso cenário literário. Começo por ALCIDES PINTO, que considero
um dos maiores nomes da literatura brasileira deste século. Avalio a sua
condição de poeta, mas, principalmente, me interessa a sua dimensão de
romancista. FRANCISCO CARVALHO costuma ser julgado como sendo o nosso grande
poeta nos dias de hoje, situação com a qual plenamente concordo, ainda que
considere uma temeridade esse tipo de classificação, pois o poder metafórico e
a opção pelos chamados temas eternos da poesia, fazem de ARTUR EDUARDO
BENEVIDES um expressivo poeta também. EDUARDO CAMPOS e JOÃO CLÍMACO BEZERRA são
outros dois grandes escritores cearenses, ao lado de PATATIVA DO ASSARÉ, com
toda a certeza, o mais canônico e o mais alto de todos os nossos poetas
populares, ao lado, possivelmente, de JUVENAL GALENO, cuja poesia já foi
absorvida pelo nosso estrato erudito.
Fora do espaço cearense, RACHEL DE QUEIROZ, CAIO
PORFÍRIO CARNEIRO, MÁRIO PONTES, ROBERTO AMARAL, CLÁUDIO AGUIAR, JOYCE
CAVALCANTE e GERARDO DE MELLO MOURÃO, grande expressão da poesia épica de
língua portuguesa, são nomes que honram a tradição literária do Ceará, com a
agravante de terem a terra de berço como leit-motiv de sua criação.
Não iria longe se elaborasse outra lista e nela
posicionasse os nomes de MOACIR C. LOPES, JOSÉ ADERALDO CASTELO, ROLANDO MOREL
PINTO, HOLDEMAR MENEZES, CÉSAR LEAL, HILDA GOUVEIA DE OLIVEIRA, ANA MIRANDA e
HELONEIDA STUDART, escritores que também se projetaram na literatura brasileira
e que igualmente confirmam o Ceará como um celeiro de veros escritores. A este
rol me parece justo também acrescentar os nomes de GILSON e STELA NASCIMENTO,
JOSÉ HELDER DE SOUSA e LUSTOSA DA COSTA, FRANCISCO SOBREIRA e LUCIANO BARREIRA,
ELVIA BEZERRA e NATALÍCIO BARROSO, CÂNDIDO ROLIM e YEDA ESTERGILDA, DULCE MARIA
VIANA e EDILSON CAMINHA e de mais uns poucos, com destaque para duas revelações
cearenses, surgidas no Estado de Pernambuco - MAJELA COLARES e RONALDO CORREIA
DE BRITO, poeta o primeiro e contista o segundo aqui mencionado.
Por que li praticamente tudo o que escreveram os
autores que mencionei e os que vou mencionar adiante e também porque fui
convidado para falar sobre o assunto que aqui se quer discutir, acho que posso
e devo dar o meu testemunho e emitir a minha opinião, o que faço, aliás, com
muita reserva, pois sei que no âmbito de uma província literária como a
cearense existem gostos pessoais os mais variados, vaidades patológicas às
vezes agressivamente cultivadas e candidatos à crítica literária que muito
pouco leram, mas que se apressam em oferecer, de forma autoritária e arrogante,
a sua opinião atabalhoada.
Gostaria de desprezar essas visões pessoais, por
não refletirem um juízo isento e desapaixonado. SÂNZIO DE AZEVEDO, do alto da
sua estatura de sábio e de pesquisador, se quisesse, poderia ser o crítico da
literatura cearense atual, pois é o nosso maior historiador literário e, entre
todos, o mais criterioso. Ele prefere o passado. Compreendo. Pois acho que não
seria lícito lhe cobrar também o presente. Nenhum crítico, por mais que se
esforce, será capaz de responder por uma certa história literária sozinho.
Por onde prossigo? Me permitam falar da figura de
GILMAR DE CARVALHO, que nasceu escritor em 1973 e que na década de 1980
resolveu liquidar a sua fatura literária, optando a partir de então pela
pesquisa da literatura de cordel, assunto no qual tem se tornado estudioso dos
mais respeitados. Escreveu, a meu juízo, o melhor romance cearense da década de
1970 (Parabélum, 1977), que somente encontra similar, no terreno da ficção e no
mesmo período, na prosa genial de JUAREZ BARROSO, no romance Recordações da
Comarca (1972), de ODÁLIO CARDOSO DE ALENCAR, e no livro de contos O Mundo
Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro, de autoria de GERALDO MARKAN,
publicado em 1979.
Os poetas que sentaram praça no Grupo SIN de
Literatura, com o tempo foram assumindo posições muito pessoais. BARROS PINHO
retirou-se um pouco da cena literária depois de coroar sua trajetória com os
poemas de Circo Encantado (1975) e de confirmar a sua vocação de poeta com
Natal do Castelo Azul (1984). LINHARES FILHO fez opção pelas formas fixas do
poema, pagando tributo, inclusive, à geração de 45 e a uma certa linguagem
bastante erudita e austera. ROBERTO PONTES e HORÁCIO DÍDIMO continuaram
produzindo e editando uma poesia de boa qualidade, recheada de experimentos e
reinvenções pessoais muito proveitosas. PEDRO LYRA se inclinou por uma certa
poesia dialética e por uma poética bastante singular e audaciosa e os demais,
LEÃO JÚNIOR e ROGÉRIO BESSA entre eles, preferiram continuar em silêncio,
esperando talvez o fim da tempestade.
AIRTON MONTE, que estreou como contista, mais
precisamente em 1979, e teve sua obra muito bem recebida pela crítica, parece
ser um nome que não está muito interessado em continuar escritor, apesar da sua
excelente performance, no início dos anos de 1980, com dois livros de contos
muito apreciados. Optou, por último, pela crônica diária de caráter
jornalístico, distanciando-se assim de CARLOS EMÍLIO CORRÊA LIMA e de NILTO
MACIEL, seus companheiros de geração e de aventura literária no terreno da
curta e da longa ficção, e que já firmaram-se na literatura brasileira como
escritores muito originais. Babel, o livro de contos de NILTO MACIEL, e Pedaços
da História Mais Longe, o romance de CARLOS EMÍLIO, ambos publicados em 1997,
confirmam entre nós e nos escaninhos da literatura brasileira, a presença de
dois excelentes ficcionistas.
NILZE COSTA E SILVA é outro nome da década de 1980
que anda mais ou menos desaparecido, impedindo um julgamento acertado da sua
produção ficcional. Situação, aliás, que me parece ser idêntica a de JOSÉ LEMOS
MONTEIRO, que estreou e se firmou como romancista na década de oitenta e que
misteriosamente desapareceu do cenário editorial e literário, isto depois da
publicação dos romances A Valsa de Hiroxima (1980), A Serra do Arco-Iris (1982)
e O Silêncio dos Sinos (1986).
Volto-me agora para os nomes de IRELENO PORTO
BENEVIDES, autor de dois importantes livros de poemas (Construção Cotidiana,
1983, e Itinerários do Exílio e da Comunhão, 1988), e de DIOGO FONTENELE, a
cujas produções poéticas me refiro no meu livro Leitura e Conjuntura (2ª
edição, 1995). O meu propósito, no entanto, é seguir adiante, pois as melhores
tintas são para o nome de MARLY VASCONCELOS, autora de uma obra concisa mas de
indiscutível formatação estética e literária. É uma escritora a ser
considerada, pois domina como poucos o universo da poesia, com a qual apareceu
e se firmou na década de setenta e na seguinte e que agora tornou-se igualmente
romancista de largo tirocínio. Considero Coração de Areia (1993) um romance
extremamente bem realizado e esteticamente muito bem construído, afora os seus
méritos no campo da literatura infanto-juvenil, habilidosa escritora que é na
seara dessa modalidade de arte literária.
ANGELA GUTIÉRREZ e BEATRIZ ALCÂNTARA têm se
dividido entre a poesia, a ficção e o ensaio literário, com livros publicados
em cada um desses gêneros. Trata-se de duas professoras universitárias, da área
específica da literatura, exigentes com o resultado da sua produção, ambas
disputando um lugar entre as escritoras de sua geração, ao lado de NATÉRCIA
CAMPOS, com certeza, cujo livro de contos Iluminuras (1988), é um marco da
literatura não só do Ceará.
A crítica e o ensaio literário estão limitados ao
espaço universitário, com uma ou outra exceção. Por esses gêneros, além de
ANGELA GUTIÉRREZ e BEATRIZ ALCÂNTARA, têm passeado autores como CARLOS D'ALGE,
PEDRO PAULO MONTENEGRO, LINHARES FILHO, JOSÉ LEMOS MONTEIRO, PEDRO LYRA,
TEOBERTO LANDIM, F.S. NASCIMENTO, NOEMI ELISA ADERALDO, CELINA FONTENELE
GARCIA, MARTA CAMPOS, VERA LÚCIA MORAES, BATISTA DE LIMA, JOSÉ LEITE DE
OLIVEIRA JÚNIOR, ÍTALO GURGEL, ANA VLÁDIA MOURÃO, LOURDINHA LEITE BARBOSA e,
principalmente, SÂNZIO DE AZEVEDO, o maior estudioso da literatura cearense e
um dos mais prestigiados ensaístas literários do Brasil nas últimas três
décadas.
A safra de poetas entre nós é imensa. Existem
autores nesse campo para todos os gostos. Não vou falar dos consagrados, como
FRANCISCO CARVALHO, JOSÉ ALCIDES PINTO e ARTUR EDUARDO BENEVIDES que, como
disse, ao lado de JOÃO CLÍMACO BEZERRA e EDUARDO CAMPOS, formam, possivelmente,
o quinteto dos maiores escritores cearenses eruditos, no campo específico da
criação artística, no qual a pena equilibrada de CIRO COLARES é o nosso
contraponto no terreno da crônica.
Falo de escritores de gerações recentes,
especificamente de poetas, os que foram surgindo a partir da década de 1960 e
conseguiram chegar até aqui. Acho que a elite desses poetas, abstraindo-se os
componentes do SIN, a quem me reportei linhas acima, responde pelos nomes de
PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO, LUCIANO MAIA, ADRIANO ESPÍNOLA, BATISTA DE LIMA,
JUAREZ LEITÃO e CARLOS AUGUSTO VIANA. Particularmente, tenho uma admiração
pessoal pela poesia de PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO e sobre ela organizei
recentemente (1997) o livro intitulado Tempo e Antítese. Trata-se de um poeta
antenado com a grande vertente da poesia universal deste século, a de língua
inglesa, completamente abstraído da nossa atmosfera rural, da linguagem
discursiva e da imitação gratuita que têm caracterizado boa parte da literatura
cearense atual.
Deixei propositalmente de fora da listagem os nomes
de OSWALD BARROSO e de FLORIANO MARTINS, para quem pretendo um tratamento
diferenciado, assim como de fora o nome de ROSEMBERG CARIRY, cuja vocação de
poeta foi totalmente sufocada pela de produtor cultural e de cineasta. GISELDA
MEDEIROS e REGINA LIMAVERDE são duas poetisas que também merecem uma
referência, ainda que seja de passagem, à obra literária que empreendem, a
segunda das quais com assento na Academia Cearense de Letras, fazendo jus assim
aos prêmios literários com que foi distinguida.
OSWALD BARROSO e FLORIANO MARTINS enveredaram por
caminhos diversos, mas são nomes que julgo definitivamente consolidados, com
dicção muito pessoal e remarcada por uma originalidade literária muito
proveitosa. Não desconheço que OSWALD BARROSO tem se desligado muito da poesia
e abraçado o teatro com dedicação e excelente reconhecimento. É, entre os
escritores de sua geração, talvez, o intelectual mais arrojado e o mais
dinâmico, com formação que, no geral, vai do popular ao erudito.
Já no pertinente a FLORIANO MARTINS, considerado um
escritor bastante polêmico, porém muito participativo, eu o tenho como poeta de
fala original e reconheço como meritório o seu trabalho de tradutor e de
produtor cultural. Sei que muitos aqui não concordarão com a inclusão de FLORIANO
na lista pela qual me debato, mas não posso falsificar a verdade e atender a
apelos e picuinhas estranhos ao mérito da escrita. Ele já externou de público e
por escrito que me considera uma ostensiva obscuridade (O Povo, 17.02.1996), ao
lado de outros poetas cearenses cuja poesia certamente não admira, mas não é
assim que eu o vejo, talvez porque se trate realmente de um poeta de
qualificação muita positiva, sendo, ademais, um crítico literário de boa
formação.
Quanto a LUCIANO MAIA, cumpre dizer que ele produz
uma poesia cujas características fundantes são indiscutivelmente a épica e a
tradição. É autor de uma vasta produção e que conhece como poucos a carpintaria
de verso, o labirinto do vernáculo e a escritura literária como um todo. As
formas fixas do poema, principalmente do soneto, são parâmetros aos quais se
tem agarrado. Mas é um poeta forte, com nome feito na literatura e a quem o
Ceará deve significativa revelação da sua saga e da sua rapsódia. Trata-se de
um poeta bastante seduzido pelos motivos rurais, pelas nossas raízes armoriais
e atávicas, com incursões pelo popular e o social.
ADRIANO ESPÍNOLA é um poeta de formação urbana,
sintonizado com os apelos da pós-modernidade e com os conflitos que apontam
para os novos signos da linguagem e para a fundação das tribos de uma nova
babel. A cidade, a sua parafernália e os seus encantos, as insinuações do corpo
e do prazer, a fragmentação e a transformação do gosto e do sentir nas relações
humanas, associadas à sonoridade e à elegância de uma nova ode triunfal, tudo
isso a conduzir o fluxo da lembrança e da memória pessoal que se quer
restaurada, parece ser a matéria-prima da sua textura poética, uma das mais
altas da literatura brasileira neste final de século.
BATISTA DE LIMA é um poeta engenhoso e sua poesia
tem raízes tanto rurais quanto sociais, apesar da lírica em geral e da solidão
interior serem motivações bastante proveitosas da sua escritura literária. Não
sendo um poeta cerebral, é no entanto o mais cabralino dos nossos poetas e
aquele que melhor sabe se voltar para a epopéia e as misérias das suas raízes
telúricas. Trata-se de um escritor que se tem destacado como ensaísta também,
com passeios igualmente pela ficção, julgando-se neste campo unicamente como um
contador de estórias. O Pescador de Tabocal, no entanto, publicado em 1997, é
um livro de contos que tem muito mais a dizer do que o autor imagina, apesar do
enfoque ter sido efetivamente projetado para o enredo e não especificamente
para o labirinto da escritura literária.
JUAREZ LEITÃO é épico e lírico a um só tempo.
Domina com muita fluidez a metáfora e a poesia de base erótica e sensual, com
grande poder de expressão, cujos motivos estão ligados à saga dos sertões
cearenses e a um apelo dionisíaco muito provocante, onde o arauto de eros
ressurge como a primeira das alucinações criativas. É um poeta de fala
arrebatada e sedutora e de ampla fundamentação discursiva, transfigurada pela
lucidez e pelo fogo sagrado da paixão, sempre a sufocar e a seduzir as vinhas
amargas do silêncio. Já CARLOS AUGUSTO VIANA é um caso à parte, que há mais de
quinze anos não nos permite ler a poesia que vem armazenando. Estreou com
Primavera Empalhada, em 1982, e por aí ficou, nos inquietando com uma poesia
marcada pelo signo da estética e de uma refinada força criativa, que o coloca,
com justa razão, entre os poetas que mais renovaram a morfologia e a semântica
da nossa poesia na década de 1980.
SOARES FEITOSA, um poeta que surge inesperadamente
maduro para o universo literário, é um nome que muito tem sido discutido nas
rodas literárias cearenses. Mais discutido do que lido, diga-se a bem da
verdade. Parece que ambiciona um lugar na poesia brasileira de hoje, tamanha a
avalanche de opiniões que tem colecionado em torno da sua poesia, quase todas
emitidas por nomes exponenciais da nossa literatura. A sua obra, ainda em fase
de elaboração, resultou num denso e substancioso livro de poemas, vindo a lume
em 1997, após algumas tentativas editoriais dos seus muitos alfarrábios
poéticos, feitas no geral fora dos parâmetros convencionais, sem desproveito,
no entanto, para a qualidade da sua produção. É ele o Editor do Jornal de
Poesia da Internet em língua portuguesa e para sua poesia tem atraído a atenção
de navegadores da Internet e da literatura.
Outra novidade que surge na literatura cearense,
com muito poder de convencimento e aplauso quase geral, responde pelos nomes de
PEDRO SALGUEIRO e PAULO DE TARSO PARDAL, contista ambos e ensaísta o segundo.
JORGE TUFIC, vindo do Amazonas e considerado um dos grandes poetas brasileiros,
é a dádiva que veio se somar à nossa poesia, pois optou por Fortaleza como sua
segunda e definitiva nação. Com ele, o soneto entre nós se revitalizou. E com
VIRGÍLIO MAIA, nome que deixei propositadamente por último, a literatura
brasileira ganha um excelente sonetista e a tradição literária brasileira é
indiscutível que se fortalece também. Sendo VIRGÍLIO um dos maiores produtores
culturais do Ceará, é também em contrapartida um dos escritores cearenses mais
eruditos, cujos motivos da sua criação e da sua pesquisa são os valores da
antropologia nordestina e os signos da heráldica e do armorial, sobressaindo-se
entre nós como um dos melhores poetas dos anos de 1990, principalmente depois
da edição de Palimpsesto e Outros Sonetos, publicado em 1996.
O auditório poderia agora perguntar se esqueci
algum nome. Responderia que sim, pois considero impossível guardar todos os
escritores cearenses na memória. RICARDO ALCÂNTARA, por exemplo, é um nome a
ser considerado, medido e avaliado, de uma ou de outra maneira, assim como
CARLA BIANCA é uma agradável revelação nos escaninhos da nossa poesia que,
lamentavelmente, possui poucas fundações entre os novos, ficando com a ficção,
possivelmente, os nossos melhores acertos, como é o caso de RICARDO KELMER, autor
de O Irresistível Charme da Insanidade (1996) e de Guia Prático para
Sobrevivência no Final dos Tempos (1997), ambos recheados de ficção de boa
qualidade.
MARCO ANTÔNIO ROSA, autor de Reflexos (1995),
AFONSO BARROSO, autor de A Roca (1996), e JOSÉ TELLES DA SILVA, autor de Poemas
Estivais (1997), todos estreantes, são três nomes a serem considerados, com
certeza, ao lado, possivelmente, de ALEXANDRE BARBALHO, autor de uma poesia
minimalista, mas de instigante provocação estética (Passeio Público, 1996).
No entanto, entre os mais novos, sobre JORGE PIEIRO
e sobre ALANO DE FREITAS eu gostaria de falar de uma forma muito especial,
principalmente porque JORGE PIEIRO tem muito a ensinar aos escritores cearenses
de gerações anteriores à sua. É um nome a ser considerado no âmbito da
literatura cearense dos últimos dez anos, assim como ALANO DE FREITAS deve ser
visto como um escritor de dicção singular, sendo, de outra parte, um dos nossos
melhores artistas, pois inúmeros são os instrumentos que sabe manejar na área
da cultura, tal como AUDIFAX RIOS, que é artista de refinado trato com o
popular e com a ficção. AIRTON MARANHÃO, autor de A Dança da Caipora (1994), é
um romancista que em poucos anos o Ceará verá soerguido e com RUY CÂMARA a
longa ficção cearense poderá ganhar em breve uma surpresa e uma renovação
inesperada. Espero. Assim como tenho em TÉRCIA MONTENEGRO uma escritora prestes
a se revelar para o público.
Finalmente, caberia indagar o que representa o ano
de 1997 para a literatura cearense. Em primeiro lugar não podemos esquecer que
1997 é o ano do centenário de morte de ADOLFO CAMINHA e da publicação da sua
primeira biografia digna de confiabilidade e de respeito, com pontos altamente
positivos para o curriculum de SÂNZIO DE AZEVEDO, que cada vez mais se
consolida como um dos nossos maiores escritores. LINHARES FILHO traz a público
O Póetico Como Humanização Em Miguel Torga, indiscutivelmente um grande momento
da literatura cearense em 1997.
E se invoco a pesquisa literária de LINHARES FILHO,
é porque penso também em CARLOS D'ALGE e na sua poética do ensaio,
principalmente nos limites e na forma em que eu a vejo retratada em O Sal da
Escrita (1997). Nesse sentido, aliás, penso que poucos ensaístas quanto D'ALGE
foram tão longe utilizando a crítica e o ensaio como pretexto para a construção
de uma poética e de uma forma literária individuais, em vista a demarcação de
um terreno para a inserção da palavra, que nele é fundamentalmente memória,
mitologia portuguesa e consciência est(ética) e literária.
Além da volta de ARTUR EDUARDO BENEVIDES e de
FRANCISCO CARVALHO ao repasto do cena literária, com livros de poemas de
qualidade respeitável, o ano de 1997 é sacudido pela ficção de NILTO MACIEL e
de CARLOS EMÍLIO CORRÊA LIMA, que reaparecem para confirmar duas excelentes
vocações de ficcionistas. ADRIANO ESPÍNOLA e LUCIANO MAIA, por sua vez, atingem
possivelmente o ápice das suas carreiras literárias, com a publicação,
respectivamente, de Beira-Sol e de Rostro Hermoso, dois livros pejados de
criatividade e nos quais se divisa, talvez, a ruptura de ambos com a própria
estética literária que vinham elaborando.
A esses dois poetas me parece oportuno também
adicionar o nome de MAJELA COLARES, cujo livro O Soldador de Palavras, São
Paulo, Ateliê Editorial, vindo a público com excelente acabamento gráfico,
constitui um dos melhores momentos da poesia brasileira em 1997, juntando assim
a sua voz ao nome do poeta cearense CÉSAR LEAL, residente em Recife, que também
em 1997 publica a sua antologia poética, intitulada Alturas, e que é uma prova,
há muito já confirmada, da sua inserção no rol dos maiores poetas de língua
portuguesa.
PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO, por iniciativa de
DIMAS MACEDO, tem a sua obra de poeta visitada por vários escritores e ganha o
primeiro livro de fôlego sobre a sua poesia, intitulado Tempo e Antítese e
considerado por LIRA NETO, um dos mais experientes críticos do jornal O POVO,
como um dos melhores livros publicados no Ceará em 1997, ficando com essa
atitude ressalvada também a competência do organizador do referido conjunto de
ensaios, como fez questão de frisar o jornalista atrás mencionado, sendo 1997
igualmente o ano de estréia de INÊS FIGUEIREDO, que aparece em público com o
rótulo de poetisa madura e muito consciente do ofício que empreende, juntando
assim a edição do seu livro O Poeta e a Ponte às reedições de Editor de
Insônia, de JOSÉ ALCIDES PINTO, Uma Chama ao Vento, de BRAGA MONTENEGRO, e O
Peso do Morto, de autoria de PEDRO SALGUEIRO.
Mas o ano de 1997 é rico também pela republicação
de Rimas, de JOSÉ ALBANO, de Trigo Sem Joio, de OTACÍLIO DE AZEVEDO, de Poemas
do Cárcere e Ânsia Revel, de CARLOS GONDIM, de As Verdes Léguas, de FRANCISCO
CARVALHO, e da Antologia Poética, de FILGUEIRAS LIMA, sendo também o ano da
estréia de ANGELA GUTIÉRREZ como poetisa e da publicação de um novo romance e
de um livro de crônicas de FRAN MARTINS, um dos maiores ficcionistas do Ceará
em todos os tempos.
Já sobre RODOLFO TEÓFILO, que em 1997 teve os
sonetos de Ocaso publicados pela primeira vez, foram editados dois livros
substanciosos: Rodolfo Teófilo / O Varão Benemérito da Pátria, de autoria de
WALDIR SOMBRA, e A Política do Corpo Na Obra de Rodolfo Teófilo, da lavra do
professor e escritor JOÃO ALFREDO DE SOUSA MONTENEGRO, sendo de registrar por
último que ANTÔNIO MARTINS FILHO é, na condição de memorialista, um nome também
a ser relembrado, pois que em 1997 publica o quarto e último volume das suas
memórias de mais de meio século.
Ao Prof. MARTINS FILHO devemos também as reedições,
em 1997, de Não Há Estrelas no Céu (romance) e Dois de Ouros (novela), de
autoria, respectivamente, de JOÃO CLÍMACO BEZERRA e de FRAN MARTINS. Trata-se,
no caso, de dois momentos riquíssimos da nossa ficção, nos quais o ciclo do
algodão e a saga do cangaço atingem, indiscutivelmente, os seus melhores
retratos artísticos, com pontos altamente positivos para a sociologia do
romance cearense como um todo.
Fora do espaço cearense, o ano de 1997 é alentador,
sobremodo, no caso de alguns escritores conterrâneos. Além dos nomes de NILTO MACIEL,
ADRIANO ESPÍNOLA e CARLOS EMÍLIO CORRÊA LIMA, aqui já referidos e que ganharam
projeção fora das fronteiras cearenses, cabe mencionar os nomes de ROBERTO
AMARAL (Não há Noite Tão Longa), GERARDO MELLO MOURÃO (Invenção do Mar),
FRANCISCO SOBREIRA (Crônica do Amor e do Ódio) e CLÁUDIO AGUIAR (Franklin
Távora e o Seu Tempo), que se distinguiram empalmando alguns dos melhores
momentos da literatura brasileira em 1997, com relevância, respectivamente,
para o romance, a poesia, o conto e o ensaio literário de caráter biográfico e
investigação erudita e criteriosa.
Finalmente, gostaria de confessar que tenho
presente a impossibilidade de aludir a cada um dos escritores cearenses de per
si, assim como reconheço que esqueci alguns nomes, principalmente e em certos
casos porque nem tudo que esquecemos é proposital. As circunstâncias do
Seminário e a limitação do tempo podem, por sua vez, serem tomados como fatores
que embargaram uma melhor clareza da exposição.
Dimas Macedo
Fonte:
Jornal Oboé. http://www.oboe.com.br/
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