Andrea Trompczynski |
Germinal é doente. Feio.
Aquele amontoado de homens-animais, trabalhando
como escravos apenas pela fome, os mineiros da Voreux, há gerações. Quando
Etienne, o idealista fervilhando de idéias de direitos e leis, chega e pede por
um trabalho perguntando quem são os donos da mina-de-carvão, Boa-Morte –
chamado assim por insistir em não morrer nos inúmeros acidentes das escavações
– aponta um lugar no espaço, desconhecido, remoto, sem saber quem era que
alimentava com sua própria carne. As mulheres parindo suas crias para ter mais
uns contos, os filhos sempre contabilizados como mais alguns trocados para
alimentar a casa. Elas não têm nome, são a mulher de alguém. Se deixam derrubar
de costas atrás das árvores com qualquer mineiro que lhes faça esquecer a fome
por alguns instantes.
Esquálidos, doentes, quase se pode ouvir os
ossos batendo uns nos outros quando se deitam para amar, como Catherine e
Etienne em seu leito de lama, ela feliz pensando que era o amor quando era um
delírio de fome matando-a. Eles são feios e cheiram mal. Famintos, o tempo todo
famintos. As crianças como porcos no chão catando cascas de batatas, uma
refeição. E a frase mil vezes repetida: "se ao menos houvesse pão".
Uma humilhação insuportável quando a mulher de Maheu tenta pedir cem ducados na
casa cheirando a bolo dos Grégoire, donos da mina, bonitos como são os que não
precisam pensar se terão o que comer.
Quem quer ver isso, meu Deus? Quem pode acreditar
que um homem chegue a tremer ao receber seu salário, pelo pavor de saber que
não dará nem ao menos para o pão? Não, este livro é um absurdo.
O fracasso certo dos que tentam "mudar
alguma coisa". Etienne começa a greve, incita o povo à revolução contra o
que é impossível mudar. Lincham Maigrat, o dono do armazém que cobrava as
dívidas impagáveis deitando-se com as filhas dos burros-de-carga. Arrancam-lhe
os testículos, as mulheres-bichos, cuspindo e gargalhando, no dia sangrento dos
saques. Preferiam matar a pedir esmolas. Qual o problema em ver os filhos
pedirem esmolas? Afinal, somos todos tão caridosos e é um prazer dar a esmola e
sentir-se regozijado. Fora da caridade não há salvação.
O velho Boa-Morte, senil e louco encontra a filha dos Grégoire, Cécile. Ele, degenerado de pai para filho pelo século de trabalho e fome, seu escarro negro do pó da mina de carvão e ela, gorda e branca, as bochechas rosadas dos que comem. Ninguém na sala, o velho, num desvario, estrangula a garota.
O velho Boa-Morte, senil e louco encontra a filha dos Grégoire, Cécile. Ele, degenerado de pai para filho pelo século de trabalho e fome, seu escarro negro do pó da mina de carvão e ela, gorda e branca, as bochechas rosadas dos que comem. Ninguém na sala, o velho, num desvario, estrangula a garota.
Tudo em vão, Etienne é expulso da vila, por ser o
culpado de inculcar nas pessoas aquelas idéias loucas de revoluções e esperanças.
Eles voltam à mina, quietos. Dando graças a Deus por terem de novo seu trabalho
de bestas.
Por isso, queime-o sem dó nem piedade. Vamos
admirar a beleza de um vaso grego. Leiamos os escritores de hoje. Estes sim,
com os malabarismos de estilo, frases perfeitamente musicais e lapidadas,
brilhantes como os dentes de Cécile, valem a pena serem lidos. Conteúdo? Quem
se importa com conteúdo? Conteúdos são feios e esfomeados e tristes. Quem quer
realidade? Que venham os concursos de prosa, de contos, de blogs.
Que tenhamos vida longa e tempo para ler a todos os ourives da palavra. Temos
uma multidão deles, dando o sangue como os mineiros da Voreaux. A multidão de
contempladores de vasos gregos. Está aí a Era do Novo Parnasianismo da Prosa.
Fora comGerminal e realidades!
"De mãos nas costas! Marco eu o
compasso! Eia! Dois a dois! Primeira posição! Marcha! Todos para a Central do
meu rancor inebriante!"
(Mário de Andrade)
Entreguem suas armas
A Campanha pelo Desarmamento da População é uma
piada. As garruchas enferrujadas não valem nada e o governo paga por elas de
100 a 300 reais. A maioria é de armas que foram consideradas obsoletas pela lei
anterior, chamadas armas de pólvora preta, e, pela nova lei não são mais.
Ninguém entrega uma Walther, Glock ou Beretta para a campanha. Boa oportunidade
para colecionadores e atiradores limparem o armário e ganharem um dinheiro
extra (dica para colecionadores: pode ser usado para comprar besta e arco e
flecha, que não são armas de fogo). Aquele ferro-velho não tem valor nem poder
de tiro. Depois da campanha o número de latrocínios em São Paulo aumentou em
80% (o Paraguai é logo ali). Em 2005 haverá um referendo em que a população
votará se é possível a comercialização de arma de fogo ou não. Estou até
imaginando já a campanha da Globo e as passeatas, com pessoas vestidas de
branco, balões e pombas da paz nos cartazes, além da Xuxa fazendo aquele sinal
da pomba com as mãos. Os não-conhecedores de armas acham que estão fazendo
grande coisa. Alguém está ganhando muito com isso.
O assunto do momento
O governo Bush será um estouro.
As pessoas mudam
Paulo Polzonoff Jr mudou.
Foi arrogante, inquieto e algumas vezes fatalista como crítico no passado (e já
era bom) e agora escreve melhor do que nunca. Lendo seus artigos, desde os
antigos, muitos aqui noDigestivo,
até os de hoje, acompanho a evolução intelectual e emocional de um jornalista
que tem toda a minha admiração (palavra mais bonita para não ter que dizer a
verdade: inveja). Ele não tem mais que mostrar erudição ou necessidade de
aceitação, escreve sobre o que quer, o que gosta.
Meu assunto predileto
Algumas críticas superam a obra. Ler A Orgia
Perpétua, estudo crítico de Madame Bovary, escrito por Mario Vargas Llosa é
melhor que ler o livro de Flaubert.
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Andrea Trompczynski – O livro é um prazer sensorial para mim.
Capas antigas, o cheiro, anotações. Meu sonho de consumo é uma primeira edição
de Finnegan's Wake, com anotações, nas margens, da Lígia Fagundes
Telles. Não há arte maior que a literatura. Não há arte mais intensa e nem mais
difícil. É a única e verdadeira arte. Escrever. Vou em teatro, ouço música,
sim. Mas até a HQ para mim está acima da música. Não adianta. No princípio era
o verbo. Os homens são minha forma favorita de design. Não a
humanidade, os homens. Anti-feminista convicta, acredito que as super-mulheres
perdem o que há de melhor nos homens. Passei por essas fases de queimar sutiã e
hoje vejo que certa estava minha avó, não se deve lutar contra a
natureza. Tenho uma estranha sensação de déjà-vu quando
conheço coisas novas, é sempre como se já tivesse visto. Como se nada fosse
muito novo. Por ter andado por muitos lugares e vivido tantas coisas sem sair
do meu quarto, agora finalmente vendo "de verdade e se mexendo" o
mundo, não me deslumbro, não me fascino. Prefiro os livros.
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