Andrea Trompczynski |
Não bastava ler Asterix. Era preciso
ter lido muitas vezes cada exemplar da coleção ensebada e encadernada com
papelão. Era preciso saber os nomes, a cor do vestido de Falbalá, quem era o
dono da loja de malhar o ferro? Automatix? Eu acho que o Panoramix
devia dar um pouquinho só de poção para o Obelix, mas o Obelix caiu no
caldeirãao quando era pequeno, mas só um pouquinho não faria diferença, ah, eu
não acho não. As listras verticais emagrecem, sim, o Obelix que disse, ixi, se
o Idéiafix estivesse aqui iria chorar vendo o vizinho cortando a árvore... Esse
tio quando canta é tão chato que devíamos amarrá-lo numa árvore como eles fazem
com o bardo Chatotorix no banquete final. Eram comentários comuns porque
para meu deleite meus dois irmãos eram fanáticos por Asterix também. E haviam
exemplares em todos os lugares da casa. A coleção completa. Alguma dúvida ou
discordância? Pegava-se o gibi para provar. Olha aí ó, viu só, seu
bobão, quem quebrou o nariz da esfinge no Egito foi o gordão do Obelix! Não,
gordo, não, o forte guerreiro de traços ruivos.
Os close-ups trabalhados como na cena em que o
casal está lendo o folder em pedra da novidade total que era o resort
"Domínio dos Deuses", e depois, na cena mais engraçada do mundo, a
invasão que Asterix e Obelix fazem ao prédio, na ida e na volta, batendo em
todos. As intimistas, quando após brigas ciumentas os dois andavam abraçados
pela floresta. Os rótulos: todos os romanos são burros e neuróticos. O que é
fascinante em Goscinny e Uderzo são os detalhes, os olhos de diretor, a
incrível inteligência das histórias que podem fazer uma criança de 8 ou 9 anos
saber citações em latim, conhecer muito de história antiga e a alma humana
muito melhor que se tivesse lido o tedioso Shakespeare.
Com sua primeira caixa de lápis-de-cor, o
cartunista Albert Uderzo pintou o tronco da árvore de verde e a grama de
vermelho. Era cego para as cores. Trabalhou no Word Press, em Bruxelas, onde no
tédio de sua mesa de desenhos conheceu aquele que seria seu amigo de toda a
vida, René Goscinny. Goscinny era roterista e cartunista. Fazia muita
"continuidade de personagem" para Timtim, Lucky Luke, Spaguetti,
Strapontim, Oumpah-pah e outros. Asterix nasceu em 1959, como um guerreiro
forte e alto no primeiro esboço, mas o baixinho enfezado e piadista venceu.
Obelix engordou muito com o tempo. Uderzo sofreu com cãimbras de escritor, pois
fazia cinco páginas diferentes por semana. Em 1974 fundaram o estúdio
"Idéiafix" para animações. Quando Goscinny morreu em 1977, a mesa de
desenho ficou novamente vazia. Uderzo demorou para se recuperar e decidir
continuar o trabalho. Escreveu as novas histórias sozinho: cerca de três meses
para o roteiro e seis meses para os desenhos. Mas como os dois guerreiros gauleses,
a dupla era imbatível e nada, nunca mais, irá se comparar.
Bando de Pardais
Bando de Pardais
Takashi Matsuoka não
tenta imitar Xogum, de James Clavell, ao contrário de alguns
comentários que li sobre este livro. O romance entre o imperador e a gueixa não
é "pungente", e a história é muita mais irônica e cheia de críticas
bem-humoradas à sociedade japonesa e americana. Não tem pretensões, é divertido
com a intenção de ser somente isso. Um bom passatempo. Que também é dever de
alguns livros, ser um bom entretenimento, como alguns filmes. É difícil
largá-lo antes do final, mas quem procura épicos japoneses, melhor desistir. Me
pergunto quem são as pessoas que fazem as "resenhas" de livros
vendidos na internet a sensação que tenho é que é uma espécie de
"telefone-sem-fio", aquela brincadeira onde um diz uma frase para o
outro e quando chega no fim da fila a frase está distorcida, porque até hoje
não li uma dessas que fosse parecida com o que o livro é. Dizer que este livro
é como Xogum é uma distorção total.
Maravilhas do Mundo Moderno
Após perder muitas coisas quando a bateria do laptop insiste
em terminar justamente onde não há tomadas, morrer de medo de que qualquer
substância estranha possa estragá-lo para sempre, perceber que é impossível
levá-lo na bicicleta, fiz uma descoberta incrível. Pensei até mesmo em
patenteá-la. Pode-se levar à praia, cabe no bolso, é leve como uma pluma, e
melhor, baratinho, baratinho: papel e caneta!
No Fundo é Tudo Igual II
Vai começar o Canadian Idol. Para quem
não sabe, é igual ao American Idol, que por sua vez é igual ao
concurso de calouros do Raul Gil com cinqüenta vezes mais dinheiro. Mas eles
aproveitam tudo, os vídeos dos recusados passam na tevê entre um comercial e
outro, o dia todo. Os jurados dão entrevistas falando de como é cansativo ouvir
péssima qualidade musical, de como eles fazem tudo para aparecer na tevê. Como
o Show do Gongo do Chuck Barry. Aposto um dólar que vai ter oBrazilian
Idol, e na Globo.
Leite Gelado e Suco de Couve é Bom Para
Amansar Úlceras
(Livro da Medicina Natural, pe.
Mariano Graça, pág. 67)
Anúncios de vídeos de educação sexual; uma
verdadeira enxurrada de anúncios de Relationship Specialists, por telefone ou
pessoalmente; serviços de fazer amizade por telefone do tipo "Você pode
ter alguém em sua cidade esta noite!"; toda a sorte de poções, pós,
cremes, tintas, aumentadores de busto, diminuidores de barriga, livros ou CDs
para aprender a como obter auto-confiança, brinquedos eróticos de uso
solitário... Parece anúncio daquelas revistinhas do Horóscopo do João Bidu?
Não, aqui ele poderia trocar seu nome para algo como Johan Bidè e publicar nada
mais nada menos que na Cosmopolitan e na UMM(Urban
Male Magazine), porque os homens também gostam de saber o que significa
quando ela move os cabelos na direção de Meca ou o que ela esta tentando dizer
com "você fala isso da Paris Hilton porque ela é muito cool e todos
queriam ser ela" (eu sinceramente apreciaria que misteriosamente fosse um
código para coisas mais interessantes, mas ando desconfiada que não é, eles
realmente estão falando da Paris Hilton e eles pensam sim que todos queriam ser
ela). O que não consigo entender quando vejo o grande business das
relações a dois, inclusive com consultoria mês a mês para que funcione, é que
ninguém namora, é raríssimo ver um casal que não seja casado, e o porquê desse
ar de "estou muito bem sozinho" se há espaço (e muito) para esse tipo
de negócio?
__________________________
Andrea Trompczynski – O livro é um prazer sensorial para mim.
Capas antigas, o cheiro, anotações. Meu sonho de consumo é uma primeira edição
de Finnegan's Wake, com anotações, nas margens, da Lígia Fagundes
Telles. Não há arte maior que a literatura. Não há arte mais intensa e nem mais
difícil. É a única e verdadeira arte. Escrever. Vou em teatro, ouço música,
sim. Mas até a HQ para mim está acima da música. Não adianta. No princípio era
o verbo. Os homens são minha forma favorita de design. Não a
humanidade, os homens. Anti-feminista convicta, acredito que as super-mulheres
perdem o que há de melhor nos homens. Passei por essas fases de queimar sutiã e
hoje vejo que certa estava minha avó, não se deve lutar contra a
natureza. Tenho uma estranha sensação de déjà-vu quando
conheço coisas novas, é sempre como se já tivesse visto. Como se nada fosse
muito novo. Por ter andado por muitos lugares e vivido tantas coisas sem sair
do meu quarto, agora finalmente vendo "de verdade e se mexendo" o
mundo, não me deslumbro, não me fascino. Prefiro os livros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário