Igreja de N. S. da Conceição, Bela Cruz - CE |
Sempre
gostei de ouvi-la contar as histórias de seus momentos felizes em companhia da
família e dos primos: Das pedrinhas ovaladas do Alto com que improvisava
fazendas de gado; dos cavalos de talos de carnaúba com olhos de piriquiti e
boca de sementes de mulungu; das bonequinhas feitas com ossos envoltos em
panos; dos passeios na Tabubas, dos banhos na Lagoa do Mato e de ter dormido
uma noite numa casa feita de varas e palhas de carnaúba, dizendo ter sido
“o dia mais feliz” de sua vida. Falava dos bailes que seus irmãos mais velhos
faziam em casa, sendo que, para dançarem, colocavam bastante pó de palha de
carnaúba para encerar o piso de tijolos. Isso era um divertimento para ela.
Contava muitas outras histórias próprias de uma criança de interior, cheia de
saúde e com poucas opções de lazer.
Uma
das coisas que lembrava com saudades, era da escola em que estudara. Falava com
muito carinho de uma professora chamada Marieta Santos. Teve pouco estudo.
Naquele tempo não havia distribuição em séries, mas aprendeu o suficiente para
alfabetizar a mim, meus irmãos e algumas crianças vizinhas a minha casa. Às
vezes, me admirava como fazia aquele trabalho com tanta eficiência. Tudo que
lhe perguntava, respondia com precisão. Lia e escrevia correto. Uma vez
declamou o soneto “Palhaço” do Padre Antônio Thomaz e perguntei como havia
aprendido. Respondeu-me que, quando era criança, o Padre poeta que era
vigário do Acaraú, sempre ia para Bela Cruz e se hospedava na casa paroquial. À
tarde, na calçada, conversava com o professor Nicácio Barbosa e lia alguns de
seus sonetos. Também falavam, às vezes, em Francês ou em Latim. Então, ela
sentava-se à beira da calçada, pois morava vizinho à casa paroquial, a fim de
escutar os dois conversarem. O melhor é
que aprendera algumas coisas de ambas às línguas e as passou para mim, tempos
depois. E eu a admirava por isso. Na escola, também assimilou tudo sobre as
quatro operações, em matemática, a ponto de ensinar meus deveres com muita eficiência.
O estudo que tivera fora bem aproveitado, porque de tudo sabia um pouco.
Com
o passar do tempo, a casa de meu avô enchia-se de rapazes e moças: três filhos
e sete filhas. Uma família unida pelos princípios religiosos e educativos. Mas
não era só entre os irmãos. A amizade estendia-se aos primos, tios, padrinhos,
todos que fossem unidos pelos laços do sangue. E ainda havia os amigos
secundários. Meu avô era uma pessoa alegre e adorava sua família. Minha avó,
mais recatada, era muito gentil, ótima dona de casa, esposa e mãe. Minha mãe
contava que ela herdara dos pais, umas terras com carnaubais e que havia doado
para a Igreja, ficando sem nada. Meu avô adoecera a ponto de não poder mais
trabalhar e chegaram a passar necessidade. Quando os conheci já estavam assim.
Na
fase da mocidade, os jovens de Bela Cruz iam dançar nos bailes da cidade do
Acaraú. Numa destas festas, minha mãe encontrou um rapaz de Sobral, de muito
conceito, que queria se casar com ela, mas não foi aceito. Passado algum tempo,
numa tarde de domingo, estava ela rezando uma novena de maio em substituição ao
vigário, quando avistou numa das portas laterais da Igreja, uma perna de homem
vestida de branco e usando sapato preto. Ele ficara detrás da parede e somente
a perna no batente da porta. Ficou ansiosa para saber quem era o dono daquela
perna...(rsrsrs) Era rapaz de fora! Haja curiosidade! Após a reza da novena,
foi ver de perto: “moreno, estatura mediana, olhos pretos”, enfim... Amor à
primeira vista! Ao se identificarem, ficaram sabendo que eram primos, não
legítimos. Chamava-se Francisco Chaves de Carvalho, amazonense, nascido em 04 de julho de 1917,
filho de Gaudêncio Frota Carvalho (cearense) e de Jovita Chaves (amazonense),
residentes em Massapé.
A
partir desse encontro, ficaram namorando e contraíram núpcias no dia 17 de
setembro de 1937, cuja cerimônia foi realizada em Bela Cruz, na Igreja de Nossa
Senhora da Conceição.
Dessa
união nasceram cinco filhos: José Renan, Maria de Jesus (eu), Antônio Guido,
Maria Dúnnia e Francisco Evilásio. O primeiro e o terceiro faleceram ainda
bebezinhos.
Caixeiro
viajante, meu pai trabalhava para uma firma de tecidos de Massapé,
representando o Piauí, no Ceará, inclusive em Bela Cruz. Era conhecido em minha
terra, como “Chico Poeta,” porque fazia poesias, principalmente sonetos. Quem
leu o livro “Relembranças” do escritor cearense Milton Dias, viu o Chico Poeta
mencionado pelo autor, como companheiro de serenatas onde declamava seus
poemas. Então, tomei a liberdade de colocar aqui, alguns de seus sonetos, que
nunca foram publicados, para prestar-lhe uma homenagem e para que não se percam
no tempo, já que falam de sua afinidade com a cidade de Bela Cruz. Constitui
para mim grande felicidade, o espaço concedido pelo amigo Vicente Freitas, onde
posso registrar memórias tão queridas, que guardo no coração desde os mais
tenros anos de minha existência. Obrigada, amigo.
*
1. Santa
Cruz
Francisco
Chaves Carvalho
(Massapé – 1939)
Tive o prazer de
conhecer-te um dia
Terra adorada! Bela
Santa Cruz!
O teu encanto meigo
delicia
Meu coração e muito
me seduz!
Tu, que não tens a
vil monotonia
Dos lugarejos
tétricos, sem luz!
Com teu enlevo
misto acaricia
Os que o destino
bom a ti conduz.
Fizeste-me cativo
num momento
Pois o encanto da
graça feminina
Guiou-me para lá o
pensamento...
Bendita sejas!
Glória e sempre glória.
Entre as mais belas
cidades praieiras,
Hás de ter,
infalível, a vitória.
***
2. Longe de Ti
Francisco Chaves
Carvalho
(Teresina,
17/09/1936)
Longe de ti, nesta
alameda triste,
De espinho a minha
vida já se tece.
Ó minha amada, que
pesar existe
Neste meu coração,
quando anoitece!
Sinto no peito um
mal que só consiste
No tédio do viver
que me fenece.
No mutismo
fantástico da prece,
Prevalece-me a fé
que me resiste.
Não poderei jamais
na soledade,
Sofrer a
dor-angústia da saudade
Longe de um ser que
tanto me cativa.
Nesta ausência
cruel, que me constrange,
O mal desta tortura
que me abrange:
É não poder te ver,
amada
Diva!
***
3. Prova
Francisco
Chaves Carvalho
(Massapé, 1937)
Mais esta prova do
meu puro amor
Autêntica, solícita,
veraz,
Resistindo firmeza
entre as demais
Impressas no meu
peito sonhador,
Aos poucos, vais
matando minha dor,
Dando-me mais
alento, amor e paz.
Imergida em meu
peito ainda jaz
Verdadeira esperança
multicor,
A iluminar-me o trono
deste amor.
Alma feita de luz e
de bondade
Rosa bela que
enfeita o meu viver,
Argêntea luz do
olhar – minha Deidade!
Unindo-te, pra
sempre, a minha vida,
Jorra-me impetuoso
deste peito,
O favo deste amor que
é teu, Querida!
***
Aos
meus pais queridos, eterna gratidão. Se fossem vivos estariam completando 75
anos de casamento (Bodas de Diamante), no próximo dia dezessete. Durante toda a
minha vida, estive cinco vezes em Bela Cruz, a primeira quando fui me batizar e
a última em 1998.
Um
abraço a todos os belacruzenses.
Maria de Jesus
Araújo Carvalho.
Fortaleza, CE
11/09/2012
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