domingo, maio 29, 2011

Eles dançam

Andrea Trompczynski
Anteontem eu assistia a novela América, quando apareceu a Mariana Ximenes dançando. (O senhor ali do fundo, o intelectual de gola rulê, por favor, não me atire tomates. Muito menos esse volume de Guerra e Paz aí. Vai, vai, resigna-se, homem! Todo mundo assiste novela.) Onde eu estava mesmo? Ah, sim a Mariana Ximenes dançava. Era a coisa mais linda que já vi. Não, não sou homossexual (apesar de ter desejado muito o ser, ao conhecer certos homens. O que, não adiantaria em nada, dizem-me serem os problemas idênticos). Mas, não é preciso ser homossexual para reconhecer a beleza de Mariana Ximenes. E o que quase me matou de inveja: ela dança. Com o corpo todo, sabe? Tem uma graça imensa na maneira como ela dança. 

Sou uma mulher que não dança. Uma meia-mulher. Porque, não dançar é um atestado de feminilidade baixa nos dias de hoje. Não concordo, mas é assim, para os outros. Todas as vezes em que tentei dançar, senti como nunca antes, o peso da gravidade. Meus joelhos emperravam. Meus braços pareciam ter bolas de ferro nas pontas. Meu pescoço endurecia, na sensação de pesadelo que é a de todos estarem olhando pra mim. Se fechava os olhos, eu me olhava. Tinha a consciência de como cada pedacinho do meu corpo era atrapalhado e sem graça. E, o pior, eu não sabia que cara fazer. Que cara se deve fazer quando dançamos? De felicidade, de sedução, de relaxamento, de distração? Eu não conseguia definir, em todas as minhas tentativas de dança, que cara eu tinha que ter. Olhava as outras pessoas, e, pareciam estar à vontade com as caras que escolheram fazer.

Uma amiga disse-me que tenho, certamente, couraças emocionais que me impedem de dançar. Nos ombros, porque carrego o mundo nas costas. No pescoço, pelo peso de raciocinar. Nos quadris, por medo de uma paixão avassaladora. Nas pernas, por comodismo, preguiça de ir. Nos braços, que cruzo no tórax, ela disse ser um movimento de proteção e medo de revelar os sentimentos no meu peito. Também explicou-me que, posso livrar-me delas com auto-conhecimento e meditação transcendental. Mas, eu penso que não deve haver um problema sério em continuar com as minhas couraças. Gosto delas. São quentinhas e me protegem. E tão, tão pesadas como uma armadura medieval, impedem que meus pés andem nas nuvens.

Mas, uma vez, dancei. E foi bom. Só havia uma pessoa olhando. Descobri naquele dia, um zíper escondido que deixava cair as couraças, como as roupas. Ufa, nem foi preciso fazer meditação transcendental. Usei minha própria cara, como ele usou a dele. 


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Andrea Trompczynski – O livro é um prazer sensorial para mim. Capas antigas, o cheiro, anotações. Meu sonho de consumo é uma primeira edição de Finnegan's Wake, com anotações, nas margens, da Lígia Fagundes Telles. Não há arte maior que a literatura. Não há arte mais intensa e nem mais difícil. É a única e verdadeira arte. Escrever. Vou em teatro, ouço música, sim. Mas até a HQ para mim está acima da música. Não adianta. No princípio era o verbo. Os homens são minha forma favorita de design. Não a humanidade, os homens. Anti-feminista convicta, acredito que as super-mulheres perdem o que há de melhor nos homens. Passei por essas fases de queimar sutiã e hoje vejo que certa estava minha avó, não se deve lutar contra a natureza. Tenho uma estranha sensação de déjà-vu quando conheço coisas novas, é sempre como se já tivesse visto. Como se nada fosse muito novo. Por ter andado por muitos lugares e vivido tantas coisas sem sair do meu quarto, agora finalmente vendo "de verdade e se mexendo" o mundo, não me deslumbro, não me fascino. Prefiro os livros. 

domingo, maio 22, 2011

Se o Lula falasse inglês...

Andrea Trompczynski 
Tudo seria diferente se o Lula falasse inglês. Que atire o primeiro pote de barro quem discordar de que não passamos de, como dizia Assis Chateaubriand, uns índios botocudos. Digo isso porque, nos últimos dias, hospedei um amigo de educação britânica e, por muitas vezes, quis enfiar minha cabeça num cesto. 

Também morei numa cidade de colonização britânica por um certo tempo, e percebi que o aprendizado da língua inglesa é bem mais que apenas um idioma. É uma questão de educação, polidez e respeito ao próximo. No início, a rudeza tende a gritar contra o excesso de boas-maneiras e saímos a defender nosso país. Depois, a britanidade vence. A maneira como eles se importam se você está ou não apreciando seu chá não é uma superficialidade, eles realmente estão se importando com isso. Aquele círculo de individualidade que aprendemos nas aulas de inglês, que não se deve invadir, cerca de um metro, torna um abraço algo de um valor inestimável. Há coisas engraçadas na língua, como os adultos entarem sempre indo up em tudo: wake upget up, e as crianças, forçadamente, tendo que irem downslow downcalm downsit down.

E se não fazem certas coisas que por aqui andam fazendo, é por elegância e respeito ao próximo, palavras que, para alguns, nada significam. A polidez, como o nome diz, é, sim, superficial, mas, como hábito, ela se torna uma característica profunda da personalidade e quando eles lhe perguntarem se você está apreciando seu dia, creia, eles desejam realmente saber.

Se o Lula falasse inglês e tivesse assimilado um pouco da cultura britânica, teria me poupado uma grande vergonha. Meu amigo aqui estava quando o Lula apareceu numa entrevista ao Fantástico. "Este é o seu Presidente?", ele perguntou. Baixei os olhos, dizendo que sim,aquele era meu presidente. Ele poupou-me, sem dúvida, dos comentários, mas nem foi necessário dizer que Lula se sentava como se estivesse num churrasco com amigos na laje de sua casa. Gesticulava por demais para um Presidente da República. Depois, no mesmo programa, Lula apareceu falando em português para uma platéia de língua inglesa. Vexame, o presidente de uma nação continental não falava inglês. Por sorte, meu amigo não entendia tão bem o português para perceber os deslizes de nosso presidente até mesmo na língua pátria.

Antes do programa terminar, tentei diminuir o problema e contar a ele a história de tempos áureos onde tivemos um presidente sociólogo, que perguntava, antes de discursar, fosse aonde fosse: "em que língua quereis que vos fale?", mas, começara a reportagem sobre o dinheiro dentro das cuecas e malas e pensei que ele não iria mesmo acreditar. Fui para a rede dormir, sem ao menos tirar a tinta de beterraba do corpo.

Um livro esplêndido
Pequeno Dicionário de Percevejos, coletânea dos melhores contos de Nelson de Oliveira, tem somente um defeito: poderia ser mais resistente. Porque eu o apertei em muitos momentos, acariciei sua capa, andei com ele pela rua junto ao coração, por isso, ele está a se desmanchar um pouco. Nelson, artesão e musicista da palavra, não é um homem, é vento, como o menino-vento que foi no conto "Éramos Todos Bandoleiros". Tem que se ler em voz alta, como os loucos.

"Literatura é morder o próprio rabo – em público. E há senhores que fazem isso há tanto tempo – às favas o pudor! – que já passaram a embolsar, sem enrubescer, altas somas de dinheiro pelo espetáculo. Literatura é pão e circo – instante em que o grotesco deixa de ser obsceno." (Nelson de Oliveira) 

Um livro péssimo
Alguns tradutores deveriam ser banidos: "Algumas redes rasgadas secavam ao sol", em O Enigma Maria Madalena, de Gerald Messadié, tradução de Maria Helena Kühner, fez-me lembrar de de "o rato roeu a roupa do rei de Roma". "Três homens calafetavam um barco com nafta", lembrou-me outra dessas brincadeiras de infância. Mas, cada livro tem o tradutor que merece. Este conta a história de um Jesus que não morreu na cruz, ficou curando as feridas, protegido e escondido por todos e viveu até a velhice. Prefiro a Bíblia. Ou, se é para criar histórias sobre Jesus, leio O Código da Vinci

Inglês Enrolation
Num comercial de cerveja, o rapaz se depara com uma linda loira americana e seu cérebro procura palavras em inglês para poder flertar com a garota. Obviamente, não encontra e decide pela língua "enrolation". Descobri que a "enrolation" não é uma opção preguiçosa apenas do rapaz. Os empregados das companhias aéreas têm um inglês sofrível, e, pelo que tenho visto, a maioria das pessoas está como a personagem do filme Terminal.

Ainda sobre o filme Terminal 
Vemos a Krakhovia explodindo e nem sequer sentimos vergonha. Dizemos, orgulhosos: "oh, é a nossa casa, as praias são lindas. E tem carnaval e futebol." Quanto a mim, volto em breve para aquela linda cidade de colonização britânica. Sem levar nenhuma saudades da Krakhovia a explodir. Este país é  carnaval e futebol. 


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Andrea Trompczynski – O livro é um prazer sensorial para mim. Capas antigas, o cheiro, anotações. Meu sonho de consumo é uma primeira edição de Finnegan's Wake, com anotações, nas margens, da Lígia Fagundes Telles. Não há arte maior que a literatura. Não há arte mais intensa e nem mais difícil. É a única e verdadeira arte. Escrever. Vou em teatro, ouço música, sim. Mas até a HQ para mim está acima da música. Não adianta. No princípio era o verbo. Os homens são minha forma favorita de design. Não a humanidade, os homens. Anti-feminista convicta, acredito que as super-mulheres perdem o que há de melhor nos homens. Passei por essas fases de queimar sutiã e hoje vejo que certa estava minha avó, não se deve lutar contra a natureza. Tenho uma estranha sensação de déjà-vu quando conheço coisas novas, é sempre como se já tivesse visto. Como se nada fosse muito novo. Por ter andado por muitos lugares e vivido tantas coisas sem sair do meu quarto, agora finalmente vendo "de verdade e se mexendo" o mundo, não me deslumbro, não me fascino. Prefiro os livros. 

domingo, maio 15, 2011

Por Tutatis!

Andrea Trompczynski
"Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos nos campos fortificados de Babaorum, Aquarium, Laudanum e Petibonum..."
Não bastava ler Asterix. Era preciso ter lido muitas vezes cada exemplar da coleção ensebada e encadernada com papelão. Era preciso saber os nomes, a cor do vestido de Falbalá, quem era o dono da loja de malhar o ferro? Automatix? Eu acho que o Panoramix devia dar um pouquinho só de poção para o Obelix, mas o Obelix caiu no caldeirãao quando era pequeno, mas só um pouquinho não faria diferença, ah, eu não acho não. As listras verticais emagrecem, sim, o Obelix que disse, ixi, se o Idéiafix estivesse aqui iria chorar vendo o vizinho cortando a árvore... Esse tio quando canta é tão chato que devíamos amarrá-lo numa árvore como eles fazem com o bardo Chatotorix no banquete final. Eram comentários comuns porque para meu deleite meus dois irmãos eram fanáticos por Asterix também. E haviam exemplares em todos os lugares da casa. A coleção completa. Alguma dúvida ou discordância? Pegava-se o gibi para provar. Olha aí ó, viu só, seu bobão, quem quebrou o nariz da esfinge no Egito foi o gordão do Obelix! Não, gordo, não, o forte guerreiro de traços ruivos.
Os close-ups trabalhados como na cena em que o casal está lendo o folder em pedra da novidade total que era o resort "Domínio dos Deuses", e depois, na cena mais engraçada do mundo, a invasão que Asterix e Obelix fazem ao prédio, na ida e na volta, batendo em todos. As intimistas, quando após brigas ciumentas os dois andavam abraçados pela floresta. Os rótulos: todos os romanos são burros e neuróticos. O que é fascinante em Goscinny e Uderzo são os detalhes, os olhos de diretor, a incrível inteligência das histórias que podem fazer uma criança de 8 ou 9 anos saber citações em latim, conhecer muito de história antiga e a alma humana muito melhor que se tivesse lido o tedioso Shakespeare.
Com sua primeira caixa de lápis-de-cor, o cartunista Albert Uderzo pintou o tronco da árvore de verde e a grama de vermelho. Era cego para as cores. Trabalhou no Word Press, em Bruxelas, onde no tédio de sua mesa de desenhos conheceu aquele que seria seu amigo de toda a vida, René Goscinny. Goscinny era roterista e cartunista. Fazia muita "continuidade de personagem" para Timtim, Lucky Luke, Spaguetti, Strapontim, Oumpah-pah e outros. Asterix nasceu em 1959, como um guerreiro forte e alto no primeiro esboço, mas o baixinho enfezado e piadista venceu. Obelix engordou muito com o tempo. Uderzo sofreu com cãimbras de escritor, pois fazia cinco páginas diferentes por semana. Em 1974 fundaram o estúdio "Idéiafix" para animações. Quando Goscinny morreu em 1977, a mesa de desenho ficou novamente vazia. Uderzo demorou para se recuperar e decidir continuar o trabalho. Escreveu as novas histórias sozinho: cerca de três meses para o roteiro e seis meses para os desenhos. Mas como os dois guerreiros gauleses, a dupla era imbatível e nada, nunca mais, irá se comparar.

Bando de Pardais
Takashi Matsuoka não tenta imitar Xogum, de James Clavell, ao contrário de alguns comentários que li sobre este livro. O romance entre o imperador e a gueixa não é "pungente", e a história é muita mais irônica e cheia de críticas bem-humoradas à sociedade japonesa e americana. Não tem pretensões, é divertido com a intenção de ser somente isso. Um bom passatempo. Que também é dever de alguns livros, ser um bom entretenimento, como alguns filmes. É difícil largá-lo antes do final, mas quem procura épicos japoneses, melhor desistir. Me pergunto quem são as pessoas que fazem as "resenhas" de livros vendidos na internet a sensação que tenho é que é uma espécie de "telefone-sem-fio", aquela brincadeira onde um diz uma frase para o outro e quando chega no fim da fila a frase está distorcida, porque até hoje não li uma dessas que fosse parecida com o que o livro é. Dizer que este livro é como Xogum é uma distorção total.

Maravilhas do Mundo Moderno
Após perder muitas coisas quando a bateria do laptop insiste em terminar justamente onde não há tomadas, morrer de medo de que qualquer substância estranha possa estragá-lo para sempre, perceber que é impossível levá-lo na bicicleta, fiz uma descoberta incrível. Pensei até mesmo em patenteá-la. Pode-se levar à praia, cabe no bolso, é leve como uma pluma, e melhor, baratinho, baratinho: papel e caneta! 

No Fundo é Tudo Igual II
Vai começar o Canadian Idol. Para quem não sabe, é igual ao American Idol, que por sua vez é igual ao concurso de calouros do Raul Gil com cinqüenta vezes mais dinheiro. Mas eles aproveitam tudo, os vídeos dos recusados passam na tevê entre um comercial e outro, o dia todo. Os jurados dão entrevistas falando de como é cansativo ouvir péssima qualidade musical, de como eles fazem tudo para aparecer na tevê. Como o Show do Gongo do Chuck Barry. Aposto um dólar que vai ter oBrazilian Idol, e na Globo.

Leite Gelado e Suco de Couve é Bom Para Amansar Úlceras
(Livro da Medicina Natural, pe. Mariano Graça, pág. 67)
Anúncios de vídeos de educação sexual; uma verdadeira enxurrada de anúncios de Relationship Specialists, por telefone ou pessoalmente; serviços de fazer amizade por telefone do tipo "Você pode ter alguém em sua cidade esta noite!"; toda a sorte de poções, pós, cremes, tintas, aumentadores de busto, diminuidores de barriga, livros ou CDs para aprender a como obter auto-confiança, brinquedos eróticos de uso solitário... Parece anúncio daquelas revistinhas do Horóscopo do João Bidu? Não, aqui ele poderia trocar seu nome para algo como Johan Bidè e publicar nada mais nada menos que na Cosmopolitan e na UMM(Urban Male Magazine), porque os homens também gostam de saber o que significa quando ela move os cabelos na direção de Meca ou o que ela esta tentando dizer com "você fala isso da Paris Hilton porque ela é muito cool e todos queriam ser ela" (eu sinceramente apreciaria que misteriosamente fosse um código para coisas mais interessantes, mas ando desconfiada que não é, eles realmente estão falando da Paris Hilton e eles pensam sim que todos queriam ser ela). O que não consigo entender quando vejo o grande business das relações a dois, inclusive com consultoria mês a mês para que funcione, é que ninguém namora, é raríssimo ver um casal que não seja casado, e o porquê desse ar de "estou muito bem sozinho" se há espaço (e muito) para esse tipo de negócio? 

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Andrea Trompczynski – O livro é um prazer sensorial para mim. Capas antigas, o cheiro, anotações. Meu sonho de consumo é uma primeira edição de Finnegan's Wake, com anotações, nas margens, da Lígia Fagundes Telles. Não há arte maior que a literatura. Não há arte mais intensa e nem mais difícil. É a única e verdadeira arte. Escrever. Vou em teatro, ouço música, sim. Mas até a HQ para mim está acima da música. Não adianta. No princípio era o verbo. Os homens são minha forma favorita de design. Não a humanidade, os homens. Anti-feminista convicta, acredito que as super-mulheres perdem o que há de melhor nos homens. Passei por essas fases de queimar sutiã e hoje vejo que certa estava minha avó, não se deve lutar contra a natureza. Tenho uma estranha sensação de déjà-vu quando conheço coisas novas, é sempre como se já tivesse visto. Como se nada fosse muito novo. Por ter andado por muitos lugares e vivido tantas coisas sem sair do meu quarto, agora finalmente vendo "de verdade e se mexendo" o mundo, não me deslumbro, não me fascino. Prefiro os livros. 

domingo, maio 08, 2011

Ter ou não futuro à luz de Hegel

Andrea Trompczynski
Para Hegel, o futuro é o progresso, o devir. O devir é o ser em movimento, as rodas da engrenagem do pensamento indo e indo, barulhentas, aquele zumzum das conexões em nossa cabeça.

Qual é a chave então para que se progrida a até o ser para si? Tcharam ram ram ram! As leis, arrá! Descobrir as leis que governam o entendimento, a sensibilidade, a ação. Então, estou nem ligando, nesse estágio, se a sociedade impõe que deseja que eu seja rica, peituda e feliz como um comercial de margarina. Estou totalmente já desligada do dever-ser, já não me importa mais, as rédeas do status social se arrebentam totalmente. Inclusive, aqui estamos naquela tênue linha entre lucidez e loucura, percebo que já se romperam também as rédeas da razão e principalmente da razão socialmente aceita – que é medíocre e burra.

O salto é livre, jamais imposto, somente proposto. Nesse estágio, já não se baseia mais no outro. Nesse estágio, tudo é apenas – inclusive, e principalmente, o conhecimento e os livros – sugestão. Aqui, nós temos o raciocínio verdadeiro, o pensar puro. Puro! Mas, essencialmente é se descobrir o modus operandi de uma certa dinâmica da vida e inventar outra. Assim, bem doido: não gostei, vou criar outra. Mas, ainda assim, aqui nesse ponto é preciso reconhecer que se depende de certas coisas, afinal, somos as tais ovelhas e precisamos sobreviver, precisamos de água, comida e calor para isso. Infelizmente, no entanto, não é uma escada de progresso estanque, linear.

O salto é livre, jamais imposto, somente proposto. Nesse estágio, já não se
baseia mais no outro. Nesse estágio, tudo é apenas – inclusive, e principalmente, o 
conhecimento e os livros – sugestão.

Podem-se intercalar as fases. Posso ter dias mais primitivos, ou momentos ou segundos. Como o tempo também não é linear. Não se sabe exatamente ainda a forma gráfica de representação do tempo, apenas se tem certeza de algo: não é linear. Terei um futuro? – pergunto novamente. Posso, sim, ter um futuro agora e posso voltar a ser uma cebola irracional em poucos segundos e não terei futuro – intelectual, subentendido, já que o outro não me desperta interesse nenhum – algum. Não é linear, não é progressão pura e simples.
Os estágios convivem todos dentro do ser e, ao mesmo tempo em que somos a ponta da evolução, somos a cebola. A droga de estar na fase para-si é a negação total. Não sou mais o oposto dos meus pares, não tenho mais referências. Nos sentimos sem nome, sem rótulo, sem casa, sem ninho nenhum, sem um lugar no qual sentir igual aos outros. E precisamos, na vida, sentir identificação, ter “espelhos”, pelo menos é o que dizem os especialistas – e membros do Rotary Club. Então, há um futuro a nos esperar, depois de tudo. Não linear ou com degraus para escalar, mas, ainda assim, a possibilidade de um tempo, ainda assim um futuro. A superação. Uma ordem de realidade mais completa. Caramba, eu quero isso. Ambiciono isso. Aqui, eu acredito que, enfim, compreendemos. O quê? Gostaria muito de saber. Sim, tenho um futuro e ele coexiste com meu presente. Ele está aqui, lá e acolá e a qualquer momento vou senti-lo. Hegel, querido, sua visita foi um prazer. 
Friedrich Hegel 
Fascinado pelas obras de Spinoza, Kant e Rousseau, Friedrich Hegel (1770-1831) é o filósofo que, na visão de alguns teóricos, representa o ápice do idealismo alemão do século XIX, fator que teve profunda influência no materialismo histórico de Karl Marx. A totalidade, o saber absoluto, o fim da história, ou o filósofo que pensou o Estado. São inúmeras as variáveis de interpretação do pensamento hegeliano na atualidade. Difícil é enquadrá-lo em apenas um.


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Andrea Trompczynski – O livro é um prazer sensorial para mim. Capas antigas, o cheiro, anotações. Meu sonho de consumo é uma primeira edição de Finnegan's Wake, com anotações, nas margens, da Lígia Fagundes Telles. Não há arte maior que a literatura. Não há arte mais intensa e nem mais difícil. É a única e verdadeira arte. Escrever. Vou em teatro, ouço música, sim. Mas até a HQ para mim está acima da música. Não adianta. No princípio era o verbo. Os homens são minha forma favorita de design. Não a humanidade, os homens. Anti-feminista convicta, acredito que as super-mulheres perdem o que há de melhor nos homens. Passei por essas fases de queimar sutiã e hoje vejo que certa estava minha avó, não se deve lutar contra a natureza. Tenho uma estranha sensação de déjà-vu quando conheço coisas novas, é sempre como se já tivesse visto. Como se nada fosse muito novo. Por ter andado por muitos lugares e vivido tantas coisas sem sair do meu quarto, agora finalmente vendo "de verdade e se mexendo" o mundo, não me deslumbro, não me fascino. Prefiro os livros. 

domingo, maio 01, 2011

Em defesa da Crítica

Andrea Trompczynski
"Uma tolice dita por um gênio continua a ser uma tolice"
(Bertrand Russel)

O jornalista gaúcho Juremir Machado da Silva foi convidado a retirar-se do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, porque escreveu um comentário que dizia “estou indeciso entre comprar meias ou um livro do Luís Fernando Veríssimo para presentear um amigo no Natal”. Veríssimo zangou-se e pediu para que o Zero escolhesse um dos dois. Adivinhem quem saiu?

Veríssimo é engraçado, inteligente, genial. Mas está padronizado. Alguns autores encontram uma fórmula de sucesso e usam-na exaustivamente, chamam-na estilo. As domingueiras de LFV distribuídas pela Agência O Globo poderiam facilmente ser substituídas por coisa muito melhor, porém escritas por mortais indignos de “améns” e "hosana nas alturas". Então: foi escrito pelo Veríssimo? Ah, é um gênio, sem comentários, nem precisamos criticar, que heresia.

Hoje todo mundo é escritor e o mau-gosto, o "ser engraçadinho" e apesquisa googleniana são considerados cultura (eu ouvi, com esses ouvidos que a terra há de comer, uma jornalista do SBT dizendo que estudou tal assunto "a tarde inteira no Google"). Engole-se qualquer coisa porque o crítico é chamado de um "escritor (ou jornalista ou autor ou escultor ou pintor) que não deu certo", portanto, "não sabe escrever e muito menos criticar".

Um leitor reclamava na Gazeta do Povo (jornal do Paraná, de 17 de outubro) de dois professores e críticos de arte que tiveram a ousadia de reclamar que faltava um músculo na escultura do Davi de Michelangelo, e terminava a carta com a “primorosa” frase a obra será sempre lembrada, o crítico logo esquecido.

Alguém tinha que falar, o músculo não estava lá e ponto final.

Outra celebridade sem críticos, Carlos Heitor Cony, no último domingo na FolhaNão tenho certeza, mas foi em 1972 ou 1973, quando o barril de petróleo chegou a US$34Também não tenho certeza, mas no embargo.... Não tem certeza? Pelo menos a jornalista do SBT tinha procurado no Google. Juremir Machado escreve muito, muito melhor. Mas tem certezas, o que não está muito na moda.

Hemingway, o homem
Por quem os sinos dobram é mediano comparado a O sol também se levanta e Adeus às armas, mas é o melhor da literatura-reportagem de Ernest Hemingway. Ele cobria e -pasmem- lutava voluntariamente nas trincheiras da Guerra Civil Espanhola em 1938, a carnificina.

Robert Jordam é um inglês perito em bombas que deve explodir a ponte que possibilitava o acesso dos nacionalistas à cidade. Apaixona-se por Maria, a mulher bonita e educada que havia sido torturada em Valladolid e salva pelos rudes ciganos. Maria era diferente, culta, delicada, a "fêmea". Jordam balança em suas antigas convicções e passa a questionar a idéia da guerra pela paz, e estes são os melhores momentos do livro, seus pensamentos. Hemingway escreve de maneira “seca” e é explicável as cenas das matanças ficarem para sempre na memória: ele escrevia apenas o que havia vivido. 

Era um homem, e como homem, um poço de defeitos. O espantoso é descobrir depois de ler suas obras que o autor tinha uma personalidade odiosa. Seus biógrafos têm aversão à ele. Um invejoso, quando seu melhor amigo Scott Fitzgerald publica o Grande Gatsby, humilha-o solenemente, chamando-o débil, um talento desperdiçado. Beberrão, espojou-se na lama, raspou a cabeça, fez escândalos. E Fitzgerald, masoquista que só ele, perdoava "Papa" Hemingway: Há um complexo de inferioridade que surge quando alguém sente que não faz tudo o que poderia. Ernest bebe exatamente por isso

Profecias para Fernando Sabino
Em cinquenta anos O Encontro MarcadoO Grande Mentecapto e O Menino no Espelho ainda serão lidos. A dor com a morte do pai que Eduardo Marciano sofre em O Encontro Marcado foi a mais perfeita descrição da angústia (verdadeira angústia) que já li em toda minha vida. Seu livro Zélia, uma paixão, dito infeliz e oportunista pelos críticos será esquecido e seus clássicos lembrados. Mas que foi infeliz e oportunista, ah, isso foi.

CrussificadosO Show do Gongo
Crussificados iria fazer dois anos e foi uma das idéias mais engraçadas da internet. Sua missão era julgar, criticar e rotular blogs, e eram muito bons nisso. Tanto que os criadores perceberam que deveriam sair antes de tornarem-se repetitivos e entediantes. Venderam o blog, mudaram de assunto, mas ainda escrevem seu humor "escracho" e sem segundas intenções, em outro endereço: Cada Um Com Seus Problemas.

Justus, o aprendiz de Trump
Roberto Justus apresentará em novembro, na Record, a versão brasileira de O Aprendiz, de Donald Trump. O ganhador desse reality show, terá um emprego de pelo menos um ano com Justus, ano em que receberá R$250.000. Os princípios esperados que o candidato tenha são os mesmos de O Benfeitor: não ter princípios.

Espero que Justus não tenha que usar o mesmo penteado de Trump.


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Andrea Trompczynski – O livro é um prazer sensorial para mim. Capas antigas, o cheiro, anotações. Meu sonho de consumo é uma primeira edição de Finnegan's Wake, com anotações, nas margens, da Lígia Fagundes Telles. Não há arte maior que a literatura. Não há arte mais intensa e nem mais difícil. É a única e verdadeira arte. Escrever. Vou em teatro, ouço música, sim. Mas até a HQ para mim está acima da música. Não adianta. No princípio era o verbo. Os homens são minha forma favorita de design. Não a humanidade, os homens. Anti-feminista convicta, acredito que as super-mulheres perdem o que há de melhor nos homens. Passei por essas fases de queimar sutiã e hoje vejo que certa estava minha avó, não se deve lutar contra a natureza. Tenho uma estranha sensação de déjà-vu quando conheço coisas novas, é sempre como se já tivesse visto. Como se nada fosse muito novo. Por ter andado por muitos lugares e vivido tantas coisas sem sair do meu quarto, agora finalmente vendo "de verdade e se mexendo" o mundo, não me deslumbro, não me fascino. Prefiro os livros.