Seu primeiro impulso foi de estender o
braço e colher uma daquelas maravilhas. Sempre quisera ter em casa um pequeno
recanto onde pudesse cultivar a bela planta, mas para sua frustração, mora em
apartamento com pouco espaço, onde não pode curtir a beleza de um jardim. A rua
está tranquila e as almejadas papoulas cor-de-rosa estão ali, a colorir o
gramado bem cuidado daquela casa, como se fossem laços de fita. Os bons
costumes a impedem de realizar o impetuoso desejo. “Tirar uma rosa do jardim
alheio, de forma escondida, é roubo”, disse consigo mesma. Sente apertar o
coração e uma espécie de saudade leva-a ao encontro de seus sete aninhos.
Lembra-se do dia em que seus pais a levaram à casa dos avós maternos, em uma
cidade praiana a 72 km da sua, a fim de passar um período de inverno.
Localizada na praça
principal, em frente à Igreja Matriz, era uma casa humilde, mas havia em seu
interior tanto amor e compreensão, que causava bem-estar às pessoas que a
visitavam. Duas lindas e frondosas mangueiras erguiam-se no terreiro, dando-lhe
sombra e frescor. O quintal, atapetado de pedrinhas brancas, redondas e ovais,
ficava ao sopé de um alto que começava quase na porta da cozinha. Havia algumas
árvores frutíferas. Entre as árvores, um banheiro feito de varas e palhas de
carnaúba, tinha por teto os galhos de uma laranjeira. Como era gostoso
banhar-se ali, sentindo o perfume daquelas pequenas flores! Junto ao banheiro,
em um cantinho reservado, estava o pé de papoulas rosadas, com suas pétalas
dobradas, irradiando vida e beleza. Visto de longe, assemelhava-se a uma bela
árvore de natal coberta de laços de fita, dessas que vemos nas lojas e
residências, de outubro a dezembro.
Divana aprendera amar aquela
planta, dedicando-lhe todos os dias, alguns minutos do seu tempo, regando-a,
cuidando-lhe da aparência. Ao amanhecer, colhia a flor mais viçosa e bela e
depositava nos pés de Nossa Senhora das Graças, em um pequeno oratório de
estilo antigo. Aquele gesto era a prece silenciosa que emanava de seu coração
infantil.
Sua avó sempre
lhe dizia, ao vê-la com a flor:
– Uma rosa levando outra rosa...
E ela completava:
– Para a mais bela das rosas!
Ao ofertar a delicada papoula, dizia:
– Mãe do Céu, peço que arranje um emprego para o meu pai, lá na nossa
cidade. Quero ver minha família reunida todos os dias.
Sempre fora uma criança carente. Seu
pai trabalhava como representante de tecidos, viajando para outros Estados.
Sentia sua falta. Às vezes demorava dois ou três meses e ao voltar, passava uns
dois ou três dias em casa. Sua mãe, atarefada com os afazeres domésticos, não
dispunha de tempo para dedicar-lhe o carinho de que necessitava para ser uma
criança feliz.
Chegara maio. Nesse mês, tudo fica
legre e a natureza se veste dos mais variados matizes. A planta querida de
Divana era um verdadeiro hino de amor, adornando com mais carinho, o altar da
Santa. Colocava flores por toda parte: na mesinha que servia de altar, nos quadros de santos pendurados na
parede e no genuflexório onde, de joelhos, fazia sua prece silenciosa, olhar
fito nos olhos da Virgem como para ter uma confirmação de que seu pedido não
seria negado. Seu pai precisava arranjar esse emprego. Sua mãe assumia toda a
responsabilidade do lar quando ele estava ausente. Era notável a preocupação
com os filhos e com o numerário que ele mandava para o sustento da família.
Sempre repetia contando as cédulas e moedas:
– Aqui
é pesado, medido e contado!
Divana ouvia isso e pensava, com a
mentalidade de criança inteligente: _
– Não vai dar para comprar um vestido novo, nem um par de sapatos, nem
uma boneca, nem...
Era necessário, encarecidamente,
ganhar essa dádiva da Mãe de Deus.
Um dia, teve um sonho: Tomava
parte em um lindo cortejo de meninas vestidas de branco, com grinaldas da mesma
cor em suas cabeças, desfilando em frente ao altar de Maria. Entoavam cantos e
levavam flores. Surpresa ficou ao ver que suas papoulas aureolavam a fronte da
Virgem. Compreendeu, assim, que suas preces haviam sido ouvidas e, como prova,
recebe das mãos de Maria uma linda rosa dourada. Seus olhos brilhavam de
contentamento, confundindo-se com o brilho áureo que irradiava daquele mimo
celeste. Não tinha dúvida. Já ouvira o vigário falar na Igreja: – ”Tudo que
as pessoas pedem aos santos, eles atendem”. E Maria, sendo mãe de Deus e Rainha
dos céus, portanto tinha mais poder. A catequista também ensinava: – “A oração é a alavanca do espírito. Não sabia o significado disso, mas se
ela ensinava, era coisa boa e certa”.
Após o período de inverno, as águas já
haviam baixado e as estradas de piçarra permitiam a passagem de carros, sem que
houvesse atoleiros. Ao ir buscá-la de volta para casa, seu pai deu-lhe uma notícia
promissora:
– Minha filha, me inscrevi em um concurso para coletor federal em nossa
cidade. Se for aprovado, vou poder ficar mais tempo com a nossa família. Sei
que você sempre desejou que isso acontecesse. Não foi? Vamos ter vida nova, se
Deu quiser. Vou-me esforçar bastante para que isso aconteça.
Ao receber a notícia, ficou um
pouco triste, mas como a esperança é a última que morre e a sua fé bem viva,
seu primeiro pensamento foi de gratidão pela oportunidade do concurso. Já era
uma porta aberta para realizar o seu sonho! Correu aos pés de Nossa Senhora e
depositou duas lindas papoulas cor-de-rosa. Abraçou seu pai, a avó, os tios, os
primos e as amigas vizinhas. Queria que todos partilhassem de sua quase
felicidade.
Agora, após tantos anos, está ali a
recordar uma das facetas mais bonitas de sua infância. De repente, vem o jardineiro e
vendo a ansiedade com que a jovem olha para o interior da casa, pergunta: – Deseja
alguma coisa, senhorita?
Maria de Jesus
A. Carvalho.
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