“𝐍ã𝐨 𝐦𝐞 𝐯𝐞𝐧𝐡𝐚𝐦 𝐜𝐨𝐦 𝐜𝐨𝐧𝐜𝐥𝐮𝐬õ𝐞𝐬!
𝐀 ú𝐧𝐢𝐜𝐚 𝐜𝐨𝐧𝐜𝐥𝐮𝐬ã𝐨 é 𝐦𝐨𝐫𝐫𝐞𝐫”
Fernando
Pessoa, com sua vasta obra marcada por heterônimos e abordagens múltiplas,
desafia qualquer tentativa de definição rígida. Em “Não me venham com
conclusões! A única conclusão é morrer”, o poeta deixa evidente sua recusa a
aceitar respostas definitivas. Este aforismo encapsula a visão pessoana da
existência como algo fluido, constantemente em movimento, e desafia o desejo
humano por certezas. Pessoa considera a “conclusão” como algo tão terminal
quanto a morte, o único fim definitivo e inescapável. O poeta aqui recusa
qualquer fechamento que limite o pensamento, preferindo a liberdade de uma vida
aberta a questionamentos e reavaliações.
Ao
usar a palavra “conclusão”, Pessoa indica um ponto de fechamento, algo absoluto
que encerra as possibilidades. Para ele, concluir significa interromper o fluxo
da experiência, interromper a exploração e a indagação que caracterizam a
verdadeira liberdade. Neste sentido, a “conclusão” assemelha-se à morte, pois
marca o fim do movimento vital, um destino do qual não se pode retornar. Pessoa
se vê como um explorador de realidades interiores, alguém que não se satisfaz
com respostas prontas, mas que prefere habitar o espaço aberto da dúvida, onde
novas possibilidades podem ser sempre investigadas.
Inserido
num contexto modernista e influenciado por tendências existencialistas, Pessoa recusa
valores estáticos e “sistemas completos”. Sua obra é uma resistência a tudo o
que é estático ou fechado, desafiando convenções morais, estéticas e
científicas. Em um mundo que busca explicações definitivas e sistemas
coerentes, Pessoa expressa, através dos heterônimos e da multiplicidade de
perspectivas, sua inquietação com a natureza da verdade e da realidade. Sua
escrita reflete uma alma em constante rebelião contra qualquer estrutura de
saber que pretenda encerrar a vida em moldes fixos e imutáveis.
A
aversão às conclusões de Pessoa não é apenas um grito contra as limitações
externas, mas também uma expressão de sua própria fragmentação interna. Os
heterônimos que cria — cada um com uma personalidade, estilo e visão de mundo
distintos — são, em essência, uma rejeição de uma identidade única e coesa.
Para Pessoa, uma “conclusão” significaria a fixação de uma dessas identidades,
aprisionando o “eu” em uma forma singular, quando na verdade ele é plural e
constantemente em mudança. O aforismo traduz, portanto, a resistência à
identidade fixa, ao fechamento do “eu” em uma única verdade ou conclusão.
O
verso “não me venham com conclusões” é um convite à contestação, um grito
contra o conformismo. Pessoa recusa ser colocado em categorias simplistas e
rejeita as convenções que demandam uma visão de mundo segura e tranquilizadora.
Sua preferência pela liberdade de pensamento se traduz em um ato de subversão,
uma recusa em alinhar-se a qualquer ideia de verdade que seja permanente e
imutável.
Na
filosofia pessoana, há uma tensão constante entre ser e não-ser, entre a
realidade e o desejo de transcendê-la. A “conclusão” representaria o fim dessa
dialética, um ponto final que impõe a morte ao dinamismo essencial da
existência. Pessoa aceita que o ser é um processo contínuo e que qualquer
tentativa de fixá-lo em uma única interpretação é equivalente a matá-lo. A
vida, para ele, está na incerteza e na constante reinvenção.
O
verso nos leva a entender a filosofia do inacabado que atravessa a obra de
Pessoa. Ele valoriza a indeterminação, pois esta permite o questionamento
contínuo, o amadurecimento e a abertura ao inesperado. Na incerteza, reside a
vitalidade da existência; o inacabado não é visto como uma falha, mas como a
própria condição que torna a vida rica e significativa.
Para
Pessoa, a morte é a única conclusão verdadeira, pois é inescapável e definitiva.
Todos os demais encerramentos, sejam estéticos, morais ou científicos, são
forçados e artificiais. Concluir significa, para o poeta, antecipar a morte, um
fechamento prematuro. Neste sentido, as “conclusões” são formas de
superficialidade, de recusa à plena exploração do mistério da vida.
Assim
como o existencialismo, Pessoa vê a vida como uma experiência que deve ser
vivida, e não resolvida. Sua recusa por conclusões nos lembra da visão
existencialista de que a vida é marcada pela subjetividade e pela ausência de
uma verdade absoluta. Viver é, para ele, experimentar, sofrer e sentir.
Em
sua produção literária, Pessoa incorpora sua aversão a conclusões. Seus
heterônimos, cada qual com suas nuances e perspectivas, são expressões dessa
visão: ele escreve para explorar, não para definir ou concluir. Em cada verso,
reflete o entendimento de que a literatura é um campo aberto à experimentação e
que o verdadeiro valor de uma obra não está em seu fim, mas em seu processo
contínuo de criação.
Para
Pessoa, o verdadeiro saber reside na aceitação das limitações humanas, naquilo
que chama de “ignorância sábia”. Em lugar de pretender abarcar o mundo com
conclusões, ele nos convida a abraçar a dúvida e a viver com a consciência de
que o conhecimento é sempre limitado e falho. A sabedoria, para ele, está na
humildade de reconhecer a complexidade do universo e de admitir que o saber
nunca é total.
Os
versos de Pessoa, ao recusar conclusões, nos lembra do desconforto e da
angústia da existência, mas também da liberdade que a dúvida proporciona.
Recusar a certeza torna a vida mais incerta, sim, mas também mais autêntica e
plena de significados. Pessoa, ao abrir mão das conclusões, deixa um legado que
desafia a fixidez e inspira gerações de leitores e escritores a valorizarem a
incerteza como caminho para a liberdade. Sua obra é um convite a viver com
coragem e a reconhecer o valor das perguntas sem resposta, da vida sem
definições finais.
LISBON REVISITED (1923)
NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
𝐍ã𝐨 𝐦𝐞 𝐯𝐞𝐧𝐡𝐚𝐦 𝐜𝐨𝐦 𝐜𝐨𝐧𝐜𝐥𝐮𝐬õ𝐞𝐬!
𝐀 ú𝐧𝐢𝐜𝐚 𝐜𝐨𝐧𝐜𝐥𝐮𝐬ã𝐨 é 𝐦𝐨𝐫𝐫𝐞𝐫.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me
enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das
ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização
moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro
da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a
sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e
tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de
qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a
todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser
sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da
companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de
hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que
eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca
tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero
estar sozinho!
Álvaro de Campos
𝐕𝐢𝐜𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐅𝐫𝐞𝐢𝐭𝐚𝐬 𝐋𝐢𝐨𝐭
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