quinta-feira, novembro 25, 2010

Clero, nobreza e povo de Sobral

Capa: Clero, nobreza e povo de Sobral
Esta resenha é espaço por demais diminuto para colocar a grandeza de Lustosa da Costa, o cronista, o jornalista e o romancista, e dizer da sua vida e da sua obra, e falar do primor e do encanto de sua prosa. Só agora chega-me às mãos o exemplar do seu belo livro "Clero, nobreza e povo de Sobral", acompanhado de generosa dedicatória que fica creditada à sua indulgente bondade.

Lustosa é colunista do "Diário do Nordeste", em Brasília. Foi Editor Chefe de "Unitário" e "Correio do Ceará". Em fins de 1974 passou a residir na Capital da República onde militou, por muitos anos, na sucursal de "O Estado de São Paulo" e escreveu crônicas no "Correio Braziliense". Em 2000 elegeu-se para a Academia Brasiliense de Letras e ganhou o Prêmio Ideal de Literatura, com o livro de crônicas "Rache o Procópio". Lançou em 2002, na Embaixada do Brasil em Lisboa, a edição portuguesa de seu romance "Vida, paixão e morte de Etelvino Soares", versão romanceada da atormentada trajetória do jornalista Deolindo Barreto.

A obra de Lustosa da Costa representa um marco da nossa tradição literária moderna e a seu respeito já se manifestou a crítica favoravelmente, me parecendo justo destacar o que escreveu o poeta e ensaísta José Alcides Pinto: "O material com que trabalha é o mesmo da ficção – a ficção de vanguarda, a de um Gabriel Garcia Marquez, por exemplo, ou de outros grandes vultos da literatura latino-americana. A caracterização dos personagens é perfeita, e em seu registro história e memorialística se juntam numa grandeza meridional e abrangente".Sobre sua obra ensaios e artigos importantes vêm sendo publicados no correr do tempo, tais aqueles redigidos por Evaristo Linhares, Moreira Campos, Adelto Gonçalves e Paulo Elpídio de Menezes Neto.

Segundo Milton Dias, "Lustosa da Costa se inscreve na lista dos melhores cronistas brasileiros – nome respeitado, estimado, admirado; freqüentador diário da imprensa, conseguiu um público numeroso e atento que corre ao jornal diariamente, fiel à sua colaboração de todo dia".

Acabo de ler seu livro e chego à conclusão de que ele – sobralense a valer nestas crônicas, feitas da mesma composição de seu rincão à beira do Acaraú – se nos apresenta o mais cáustico demolidor de fatuidades e carunchadas reputações, e – o incrível – faz tudo isso envolvido do mais puro senso de humor. Sua capacidade de encadear figuras e fatos em sucessão é o mérito maior do criador de tantos personagens divertidos, às vezes, turbulentos, que lembram as excentricidades dos heróis cômicos de Dickens. Não que seus personagens de carne e osso fossem cômicos – mas que assim nos são apresentados – na recriação fabulosa do cronista que une a psicologia ao estilo numa gota de tinta, com veneno e luz, caricatura da vida urbana-cotidiana da pequena cidade de Sobral, do início do século passado.

Sobral é cidade de filhos ilustres – ou que se tornaram interessantes mesmo depois da morte. Terra do filósofo Visconde de Sabóia, Domingos Olímpio, Padre Ibiapina, Dom Jerônimo, Dom José Lourenço, Dom José Tupinambá da Frota, Vicente Loiola, José Sabóia, Cordeiro de Andrade, Deolindo Barreto, que veio de Crateús para viver, lutar e morrer ali. Uma galeria interminável de padres, políticos, jornalistas, escritores e poetas de boa cepa. E tudo começou com uma fazenda de nome Caiçara, de propriedade do Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, cujo nome está ligado à história da cidade pela doação feita ao patrimônio da Matriz.

Ao redor da Igreja surgiram as primeiras casas da povoação, quase sempre de tijolos – cobertas de telhas – pertencentes a pessoas de boa linhagem, das quais descende grande parte das famílias sobralenses. Depois do Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, outros sesmeiros vieram ali se estabelecer – Manoel Madeira de Matos, Manoel Vaz de Carrasco, pai das sete irmãs, progenitoras das principais famílias do Vale do Acaraú [estabelecido no atual município de Bela Cruz], Jerônimo Machado Freire, Capitão-mor José de Xerez Furna Uchoa, Antônio Alves Linhares, Capitão-mor José de Araújo Costa, meu pentavô, português [estabelecido também em Bela Cruz, casado com d. Brites de Vasconcelos, uma das sete irmãs], Ignácio Gomes Parente, Gonçalo Ferreira da Ponte e, logo em seguida, os Frotas, os Coelhos, os Holandas Cavalcantes, os Rodrigues Limas, os Ferreiras Gomes, os Mendes Vasconcelos, os Paulas Pessoas, os Ximenes de Aragão e tantos outros que adquiriram sesmarias no Vale do Acaraú. Vieram das capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e até mesmo de Portugal. E ali ficaram encantados ou encantoados com as águas do Rio Conoribon, Conoribo, Coruybe, Rio dos Torrões Pretos, Rio das Garças, segundo as diversas denominações que lhe deram seus primitivos habitantes. E foi ali, à beira do rio, que nasceram [viveram suas proezas e escaramuças] as personagens de Lustosa da Costa.Ao encerrar essa desataviada prosa, quero dizer ao ilustre escritor que tive muito prazer em escrevê-la, assim como também experimentei ao ler o seu livro. E o prazer maior é fechá-la com chave de ouro, lembrando o impávido jornalista Deolindo Barreto: "Conte-se o caso como o caso foi, o cão é cão e o boi é boi".

Vicente Freitas
______________________________
VICENTE FREITAS – jornalista e escritor cearense – nasceu na cidade de Bela Cruz, Ribeira do Acaraú. Dedica-se à literatura e às artes plásticas, distinguindo-se como historiador, cronista e caricaturista. Graduado em História e Geografia, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. É autor dos livros: Almanaque poético de uma cidade do interior (1999); Nicodemos Araújo – uma antologia (2000); Bela Cruz – biografia do município (2001); O carpinteiro das letras (2002); Esboço genealógico de Bela Cruz (2006). É verbete da Enciclopédia de literatura brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, MinC/ABL/ Global Editora (2001).
http://bibliotecalustosadacosta.blog.uol.com.br/

O leilão da virgindade

Irina Sopas
A virgindade tem seu conceito construído pela sociedade desde a antiguidade, e pode variar entre as culturas, sendo muito valorizado em alguns meios sociais ou religiosos. Em lato sensu a palavra virgindade ou virgem está associada à mulher, e está fortemente correlacionada à integridade do hímen, por isso, em algumas culturas, é aceitavel a prática de outras formas de sexo que não o rompa, tais como o sexo anal ou oral, por conseguinte, o status de virgem da mulher é mantido.

É de conhecimento geral que historicamente os costumes e as tradições fizeram com que a mulher fosse criada dentro de uma doutrina onde só podiam deixar de ser virgens após o casamento. Na Grécia antiga, por exemplo, as jovens que perdiam a virgindade eram vendidas como escravas por arruinarem a honra familiar. Por outro lado na Roma imperial, um pai podia matar a filha e o homem que a seduziu se ela perdesse a virgindade antes do casamento. Já os orientais seguem essa doutrina e fazem valer os costumes de seus antepassados, até os dias de hoje.

Com o relatado nos parágrafos anteriores ficou obvio que a virgindade feminina é um assunto milenar, um tabu a ser desvendado, um tema que raramente era falado abertamente, que divide a sociedade em duas opiniões: uns que acreditam que a virgindade tem que ser levada a sério e os que acreditam que isso é algo ultrapassado.

Seja como for, apesar de ser um tabu, atualmente este assunto encontra-se constantemente em destaque na mídia, aparecendo na página principal de grandes jornais e revistas do âmbito nacional e também internacional. Mas a que se deve isso? Porque um assunto tão acautelado e pessoal auferiu tamanha notoriedade? A resposta é mais simples do que se pode imaginar.

Nos últimos tempos em que as mulheres virgens encontram-se em vias de extinção, existem jovens oferecendo suas virgindades para venda ou rifa, anunciando publicamente suas ofertas através da internet e de outros meios de divulgação.

Ou seja, se até algumas décadas atrás, os pais ainda exerciam uma severa vigilância na vida das filhas solteiras para que a virgindade delas fosse preservada a todo custo, atualmente pracear a “pureza” virou modismo, é o famoso “leilão da virgindade”.

No ano de 2004 uma britânica de 18 anos, leiloou a sua virgindade pela Internet por 8.400 libras para pagar os estudos. Já em 2007, outra britânica da mesma idade, vendeu a sua primeira vez por 10.000 libras. Mas, a história não parou aí, uma norte americana que utiliza o pseudônimo de Natalie Dylan e uma romena, de 18 anos, também decidiram almoedar publicamente a castidade utilizando a cansada e ordinária desculpa de que o dinheiro proveniente da alienação da virgindade seria para pagar os estudos.
Essas jovens de diferentes nacionalidades estão cobrando para ter a primeira relação sexual de suas vidas, leiloando o rompimento do seu hímen (como se este fosse um objeto), pelo pênis de um homem estranho, contanto que este ofereça e pague o maior lance. Como se isso o mencionado já não fosse bastante infame, uma das jovens destacou que vai renunciar ao uso de preservativos. Han? Como assim, renunciar a utilização de preservativos?

SIMPLES, ela contou que vai entregar ao vencedor do leilão um atestado médico que mostra que não tem nenhuma doença sexualmente transmissível. Pergunto: e quanto ao vencedor do leilão? Provavelmente também será exigido um atestado médico comprovando que este não tem nenhuma DST, mas será que alguém já informou essa jovem de que existem DST, cujo resultado do exame pode ser um falso negativo? Isto é, a pessoa é portadora da DST, porém o seu corpo ainda não produziu anticorpos suficientes para serem detectados no exame?

OK! Não estou aqui para julgar a virgindade de ninguém, mas essa “moda” do leilão da virgindade e da divulgação de tal comércio na mídia revela a banalização e depreciação do ato sexual em si. Falar de virgindade nos dias de hoje parece uma “piada”, um “rótulo”. Tal como as mulheres que praticam outras formas de sexo que mantêm o hímen intacto e ainda assim intitulam-se de virgens. Essas mulheres a meu ver já não são virgens, nem aqui nem em Marte.

Tudo bem, eu concordo que é necessário superar as barreiras e os (pré)conceitos sobre os assuntos da sexualidade e da virgindade, pois, isto é intrínseco ao avanço da sociedade e do mundo moderno, da mesma forma que: cada um cuida de sua vida e faz dela o que bem quiser; nenhuma mulher deve carregar a sua virgindade até o casamento a não ser por livre vontade; e quanto a “perseguida” que dêem, distribuam, ofereçam, mas vender?

Não consigo aceitar o exibicionismo e a vulgarização de algo tão pessoal e íntimo. A grandiosidade da virgindade e a sua perda, que deveria ser praticada com a pessoa “certa”, com consciência e proteção, foram transformadas em coisas triviais, vexatórias. Se continuarmos assim chegaremos ao dia em que a intimidade inexistirá, e ao invés do leilão virtual, veremos virgens nas ruas com cartazes dizendo “promoção, oferta imperdível, apenas por hoje, pague X, e rompa meu hímen”.

Em suma, para muitos isto pode significar uma evolução, mas para mim, é vergonhoso que no século XXI, as pessoas transformem a virgindade em mercadoria à venda. O que mais espanta é que existem compradores, pessoas dispostas a pagar milhões pelo produto exposto, rebaixando o ser humano a uma posição nunca antes ocupada, e por isso indescritível. Isto não passa de um insulto a própria condição humana, especialmente ao sexo feminino; uma involução e decadência de alguns membros da sociedade que parecem ter perdido as suas referências invertendo completamente os valores morais, e que provavelmente tentam compensar uma vida sexual frustrada e limitada com os milhões que têm no bolso.

Irina Sopas ® 2010
___________________________
IRINA SOPAS é o nome artístico de Irina Andrea Jacinto Sopas, nascida em 18.09.1984, em Luanda. Transferiu-se para o Brasil em 1999. Atualmente, reside no Rio de Janeiro. Cursa faculdade de Direito, pela UCAM, Universidade Cândido Mendes. Escreve poesia, crônica, artigo e ensaio. Participou da Antologia de Poetas Brasileiros – Volume 56 –Junho de 2009, organizada pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Tem trabalhos publicados na Internet, como no site “Amo Leblon”, editado por Luiz Aviz, do qual é colunista (www.amoleblon.com.br); "Club-k-Angola", editado no Brasil por Nelo de Carvalho (http://club-k-angola.com/); "Blocos", de Urhacy Faustino e Leila Míccolis  (www.blocosonline.com.br); bric-à-brac, de Vicente Freitas (http://vicentefreitas.blogspot.com). Edita desde 2009 o blog http://irinasopas.blogspot.com/. Sua "I Coletânea de Poemas” (nome provisório), que marcará sua estreia em livro, já recebeu avaliações positivas de escritores veteranos, como: Mano Melo e Ricardo Alfaya. Atualmente tem o seu primeiro romance em fase de produção, que se passa no Brasil (Rio de Janeiro) e relata a história de "Bia", uma advogada de 27 anos, que mora sozinha, é drunkholic e acredita ser uma vítima da Lei de Murphy. Leia, comente, participe! 

sábado, novembro 20, 2010

Carência Afetiva Versus Carência Sexual

Irina Sopas 
Em um trecho da música “Não há estrelas no céu”, do célebre cantor português Rui Veloso, ele afirma: “Por mais amigos que tenha, sinto-me sempre sozinho”. Será isso verdade? Não sei quanto a vocês, mas decidi formar ideias sobre o assunto. 

Desconheço se é unânime, mas qual de nós já não esteve rodeado de muitas pessoas, porém, mesmo assim, continuou se sentindo sozinho? Por outro lado, quantos terão saído por aí sem freios, buscando relações sexuais, e no final sentiu aquele vazio, que acreditava fosse desaparecer? 

É! Realmente isso acontece com mais frequência do que possamos imaginar. Talvez, porque a maioria de nós desconheça o verdadeiro sentido de “carência”, visto que o conceito se apresenta de muitas formas (carência econômica, legal, moral, etc.). Portanto, vamo-nos ater à concepção que nos interessa: a do âmbito da Psicologia. Buscaremos, paralelamente, os significados das palavras “afetiva” e “sexual”. 

O termo “carência” vem do latim vulgar carentia. Significa “falta de algo necessário”, “privação”, “necessidade”. 

Com relação à origem da palavra “afetiva”, sabe-se que parte do latim affectivu, relativo a afeto (do latim affectus), tendo como acepção “afeição por alguém”, “inclinação”, “simpatia”, “amizade”. É um estado emocional ligado à realização de um impulso que, reprimido, pode transformar-se em angústia. 

Caminhemos agora para o conceito do vocábulo “sexual”, que nada mais é do que um adjetivo relativo ao sexo. Etimologicamente, deriva do latim sexu, podendo apresentar diversos significados: desde a diferença física ou a conformação especial que distingue o macho da fêmea – conjunto de indivíduos que tem o mesmo sexo – quanto referir-se à relação sexual em si (coito, cópula). Este último sentido é o que nos desperta a curiosidade. Que tal uma pequena junção de signos?

A carência afetiva pode ser interpretada como uma necessidade de afeto, simpatia, amizade. Por isso, pode resultar na necessidade de um relacionamento com outrem. No entanto, não implica obrigatoriamente num relacionamento sexual. Por outro lado, a carência sexual é a necessidade da realização do coito; ou, se preferirem, da cópula carnal; da união sexual. 

Agora, pergunto: qual das duas carências é a mais fácil de ser suprida? A afetiva é intrínseca ao ser humano seja pela solidão circunstancial, seja pela sentida na infância. Desse modo, é muito mais difícil, por vezes quase impossível, de ser resolvida. Daí, aquela frivolidade após o coito; ou mesmo, a sensação de se estar só, em meio à multidão. Já a privação sexual é de solução bem mais simples e acessível. Até sem sair de casa, pode ser atendida. 

Em vista dos conceitos acima, é possível pôr fim à distorção de significados, que nos tem atordoado durante muito tempo. Assim sendo, agora que você se encontra um pouco mais munido, do que no início do texto, espero que consiga distinguir com clareza qual carência que o assombra (ou não). Pense de forma racional, antes de sair por aí de maneira imoderada, à procura de alguém ou algo para acabar com a sua carentia. Imagine: se a sua carência não for nem de caráter afetivo nem sexual, mas sim, financeiro, sair para “encher a cara” em bar ou ir para uma boate à procura de “alguém”, só vai aumentá-la ainda mais. E você não quer isso, pois não? Então reflita, reflita e reflita. Tentarei fazer o mesmo, sempre que me sentir carente.

Irina Sopas ® 2010 

sábado, novembro 13, 2010

Porque não podemos simplesmente nos formatar?

Irina Sopas 
Recentemente apercebi-me que por mais lembranças que tenhamos sempre nos remontamos às recordações mais tristes ou que nos fazem sofrer. Algumas recordações conseguem nos transportar para lugares onde estivemos no passado, coisas que vivemos, e por vezes conseguimos acordar lembranças adormecidas. Infelizmente a memória não se apresenta ao nosso bel prazer, por conseguinte vamos tentar compreender um pouco mais sobre o seu conceito e a sua forma de funcionamento e o que a ciência reserva para o futuro.

O conceito de memória pode ser confuso e complexo variando com a especialidade a ser aplicado, desta forma vamos analisar este termo inicialmente em lato sensu.


A palavra memória vem do latim memoria, “lembrança”, “recordação”, “reminiscência”, é a faculdade de reter as ideias, impressões e conhecimentos adquiridos anteriormente. É a capacidade de adquirir, armazenar e recuperar informações disponíveis no cerebro. Tem como foco coisas particularizadas, necessitando de grande energia mental além de se deteriorar com a idade. De acordo com estudiosos a memoria é o principio do conhecimento, portanto deve ser treinada e estimulada, com objetivo de formar novas ideias, acumular experiencias que utilizamos para significar o cotidiano, nos permitindo tomar decisões diarias.

Existem basicamente dois tipos de memoria: a declarativa, que se subdivide em memória imediata, de curto prazo e de longo prazo. Por outro lado temos a memória de procedimentos. Esta última seria a capacidade que temos de conservar e processar informações que não podem ser verbalizadas. É o tipo de memória com maior estabilidade e que apresenta menos grau de detrimento. Um exemplo típico desse tipo de memória é quando aprendemos a andar de bicicleta, mesmo se ficarmos anos e anos sem andar, não perdemos da lembrança. Tudo bem que até andarmos em linha reta de novo estamos susceptíveis a alguns tombos, mas a verdade nua e crua é que uma vez aprendido não esquecemos.

Esclarecendo um pouco as subdivisões da memória declarativa, a memória imediata é aquela que tem duração de frações de segundos, como a repetição do numero de telefone imediatamente após de ser ouvido. Este acontecimento é esquecido depois de um determinado tempo, na medida em que este tipo de memória tem limite na sua duração e pouco “espaço” de armazenamento. Porém, não vamos confundir com a memória de curto prazo que retendo algumas informações, demora algumas horas, e por isso somos capazes de nos lembrar o que vestimos no dia anterior (não vale ficar dois dias seguidos com a mesma roupa).

Chegamos agora à memória de longo prazo, a que pode nos causar tormento ou alegria, pois além de ter duração de meses, anos ou ilimitada, também tem capacidade de armazenamento sem fim. É aqui que se encontram as lembranças da nossa infância, o que aprendemos na escola ou a morte de um ente querido. Nesta memória residem lembranças boas e ruins, algumas que gostaríamos de guardar para todo o sempre e outras preferíamos esquecer ou simplesmente apagar.

Bom, eu não sei quanto a vocês, e pode até soar engraçado, mas confesso que já pensei varias vezes que gostaria de me formatar. Sim isso mesmo, como se fosse um computador, deletar da memória tudo o que é desagradável, embora eu até ficasse feliz em organizar a minha memória em pastas e simplesmente utilizar o sistema de arquivo oculto. Você já parou para pensar nisso? Porque não podemos simplesmente nos formatar?

Um pouco de esperança: cientistas através de testes realizados em ratos (para variar) comprovaram que é possível fazer com que o cérebro apague da memória lembranças indesejáveis. E sabem o que é melhor? Os ratos que receberam a injeção no cérebro na parte responsável pela memória, com fim de apagar o que haviam aprendido, foram capazes de aprender novamente, mostrando que este procedimento não causa problema algum a memória.

Agora pense... Não seria maravilhoso apagar da memória uma despedida triste? O fim de um relacionamento fracassado? A morte de alguém? Apagar de vez um comportamento corrompido que não é aceito na nossa sociedade como um vicio? Uma traição? Se fosse possível, você estaria disposto/a a receber injeções no cérebro para tal? Pois bem, os cientistas garantem que os resultados obtidos com os testes, podem ser semelhantes nos humanos.


Assim sendo, se você respondeu de forma positiva a ultima pergunta, inicie a sua lista e anote os momentos que você apagaria da sua memória, antes que isso não se transforme numa vaga lembrança. Eu já iniciei a minha, mas aprofundando o meu pensamento, questionei a minha pessoa: será que eu seria mais feliz apagando da minha memória as más recordações? Isso não seria uma fuga da realidade? Essas lembranças realmente afetam tanto o meu dia a dia, ou de contrario enobrecem a minha vida? Por enquanto, decidi rasgar a lista. Não quero cometer os mesmos erros do passado, apagando experiências de vida, que a minha memória insiste em guardar como inesquecíveis. E quanto a você?



Irina Sopas

___________________________
IRINA SOPAS é o nome artístico de Irina Andrea Jacinto Sopas, nascida em 18.09.1984, em Luanda. Transferiu-se para o Brasil em 1999. Atualmente, reside no Rio de Janeiro. Cursa faculdade de Direito, pela UCAM, Universidade Cândido Mendes. Escreve poesia, crônica, artigo e ensaio. Participou da Antologia de Poetas Brasileiros – Volume 56 –Junho de 2009, organizada pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Tem trabalhos publicados na Internet, como no site “Amo Leblon”, editado por Luiz Aviz, do qual é colunista (www.amoleblon.com.br); "Club-k-Angola", editado no Brasil por Nelo de Carvalho (http://club-k-angola.com/); "Blocos", de Urhacy Faustino e Leila Míccolis  (www.blocosonline.com.br); bric-à-brac, de Vicente Freitas (http://vicentefreitas.blogspot.com). Edita desde 2009 o blog http://irinasopas.blogspot.com/. Sua "I Coletânea de Poemas” (nome provisório), que marcará sua estreia em livro, já recebeu avaliações positivas de escritores veteranos, como: Mano Melo e Ricardo Alfaya. Atualmente tem o seu primeiro romance em fase de produção, que se passa no Brasil (Rio de Janeiro) e relata a história de "Bia", uma advogada de 27 anos, que mora sozinha, é drunkholic e acredita ser uma vítima da Lei de Murphy. Leia, comente, participe! 

sábado, novembro 06, 2010

A arte de ser resiliente


Irina Sopas 

Atualmente é habitual ouvirmos no dia a dia que temos que ser resilientes, ou que a resiliência deveria ser intrínseco ao ser humano, assim como os olhos, o coração etc. Se calhar até você já falou isso, mas por ventura já procurou saber o verdadeiro significado da palavra resiliência? Ou como pode ser proveitosa na sua vida, no seu trabalho, relacionamentos enfim no quotidiano? O assunto da resiliência é trabalhado em todas as áreas como saúde, finanças, indústria, sociologia, e psicologia.

No Brasil a resiliência é um tema recente, por isso o seu conceito por vezes torna-se incompreensível ou polêmico, porém este já é utilizado na America do Norte há alguns anos. Atualmente podemos encontrar alguns livros que abordam o tema da resiliência como Resiliência: Descobrindo as Próprias Fortalezas de Aldo Melillo e Elbio Néstor Suárez Ojeda, El Poder de La Resiliencia de Brooks, entre outros.

O que seria a arte da resiliência? A palavra “resiliência” origina do inglêsresilient e foi inicialmente utilizada na física. De acordo com o Dicionário Aurélio é a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica. De modo figurado é a resistência ao choque. No âmbito da psicologia é a capacidade do ser humano de vencer as dificuldades, superar adversidades, obstáculos, por mais fortes e traumáticos que eles sejam. Seria a faculdade de passar por experiências adversas sem prejuízos para o desenvolvimento. Essas experiências podem ser a morte de um parente querido, um fim de relacionamento, a perda de um emprego, pressão no trabalho etc.

O ser humano deve ser capaz de descobrir novas formas de lidar com a vida, traumas e sofrimentos e dessas experiências reorganizar-se de maneira eficaz, levando ao seu progresso ou crescimento.

"A vantagem, se existe alguma, em estar no fundo do poço é que qualquer movimento leva-nos para cima.” – Donald Trump

Um ser humano que ao ser submetido a adversidades tem a capacidade de superá-las sucessivamente, moldando-se a cada obstáculo e desafio, possui a arte da resiliência, mas para praticar a arte de ser resiliente é necessário um foco, pois sem um motivo concreto o individuo não se sentirá motivado e, por conseguinte terá uma maior dificuldade de superar as dificuldades. Existem dois tipos de indivíduos: os que nascem resilientes e os que se tornam resilientes.

O administrador Leonardo Grapeia, ressalta algumas dicas que podem ajudar na arte de ser resiliente que são úteis para todos nós, independente da área de atuação ou adversidade: Mentalizar seu projeto de vida, mesmo que não possa ser colocado em prática imediatamente. Sonhar com seu projeto é confortante e reduz a ansiedade – Aprender e adotar métodos práticos de relaxamento e meditação – Praticar esporte para aumentar o ânimo e a disposição. Os exercícios aumentam endorfinas e testosterona que, conseqüentemente, proporcionam sensação de bem-estar – Procurar manter o lar em harmonia, pois este é o “ponto de apoio para recuperar-se” – Aproveitar parte do tempo para ampliar os conhecimentos, pois isso aumenta a autoconfiança – Transformar-se em um otimista incurável, visualizando sempre um futuro bom –Assumir riscos (ter coragem) – Tornar-se um "sobrevivente" repleto de recursos no mercado profissional; Apurar o senso de humor (desarmar os pessimistas) – Separar bem quem você é e o que faz – Usar a criatividade para quebrar a rotina – Examinar e sobre a sua relação com o dinheiro – Permitir-se sentir dor, recuar e, às vezes, enfraquecer para em seguida retornar ao estado original.

Agora que você já sabe um pouco mais sobre a arte de ser resiliente, eu pergunto: você nasceu resiliente ou precisa tornar-se resiliente? Por via das dúvidas pratique essa arte, pois através dela você desenvolverá a faculdade de ultrapassar de forma positiva e progressiva obstáculos e infortúnios da vida e no âmbito profissional que no passado se mostravam como uma pedra no seu caminho. 
Irina Sopas
____________________________
A partir de hoje (e sempre aos sábados), iniciamos a publicação, neste blog, de artigos, resenhas, crônicas, ensaios e poemas da jovem escritora, Irina Sopas, uma revelação, vinda de Angola, para enriquecer a literatura brasileira. IRINA SOPAS é o nome artístico de Irina Andrea Jacinto Sopas, nascida em 18.09.1984, em Luanda. Transferiu-se para o Brasil em 1999. Atualmente, reside no Rio de Janeiro. Cursa faculdade de Direito, pela UCAM, Universidade Cândido Mendes. Escreve poesia, crônica, artigo e ensaio. Participou da Antologia de Poetas Brasileiros – Volume 56 –Junho de 2009, organizada pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Tem trabalhos publicados na Internet, como no site “Amo Leblon”, editado por Luiz Aviz, do qual é colunista (www.amoleblon.com.br); "Club-k-Angola", editado no Brasil por Nelo de Carvalho (http://club-k-angola.com/); "Blocos", de Urhacy Faustino e Leila Míccolis  (www.blocosonline.com.br). Edita desde 2009 o blog http://irinasopas.blogspot.com/. Sua "I Coletânea de Poemas” (nome provisório), que marcará sua estreia em livro, já recebeu avaliações positivas de escritores veteranos, como: Mano Melo e Ricardo Alfaya. Atualmente tem o seu primeiro romance em fase de produção, que se passa no Brasil (Rio de Janeiro) e relata a história de "Bia", uma advogada de 27 anos, que mora sozinha, é drunkholic e acredita ser uma vítima da Lei de Murphy. Leia, comente, participe!

quarta-feira, novembro 03, 2010

Agostinho Neto - o poeta maior de Angola


Nasceu em Catete, Angola, a 17 de setembro de 1922; faleceu a 10 de setembro de 1979. Estudos primários e secundários em Angola, licenciado em Medicina pela Universidade de Lisboa. Em Portugal, sempre esteve ligado à actividade política, onde com Lúcio Lara e Orlando de Albuquerque fundou a revista Momento, em 1950. Como aconteceu a outros escritores africanos foi preso e desterrado para Cabo Verde, tendo mais tarde conseguido a fuga para o continente. Presidente do MPLA, foi o primeiro presidente de Angola.

Obra Poética:
Quatro Poemas de Agostinho Neto, 1957, Póvoa do Varzim;
Poemas, 1961, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império;
Sagrada Esperança, 1974, Lisboa, Sá da Costa (inclui os poemas dos dois primeiros livros);
A Renúncia Impossível, 1982, Luanda, INALD (edição póstuma).

Quitandeira
A quitanda.
 Muito sol
e a quitandeira à sombra
da mulemba.

- Laranja, minha senhora,
laranjinha boa!

A luz brinca na cidade
o seu quente jogo
de claros e escuros
e a vida brinca
em corações aflitos
o jogo da cabra-cega.

A quitandeira
que vende fruta
vende-se.

- Minha senhora
laranja, laranjinha boa!

Compra laranja doces
compra-me também o amargo
desta tortura
da vida sem vida.

Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para um início.

Laranja, minha senhora!

Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava
eu já não choro.

E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.

Como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas
à beleza das ruas asfaltadas
de prédios de vários andares
à comodidade de senhores ricos
à alegria dispersa por cidades
e eu
me fui confundindo
com os próprios problemas da existência.

Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.

Tudo tenho dado.

Até mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei-as aos poetas.

Agora vendo-me eu própria.
- Compra laranjas
minha senhora!
Leva-me para as quitandas da Vida
o meu preço é único:
- sangue.

Talvez vendendo-me
eu me possua.

- Compra laranjas!

 (Sagrada esperança)
Voz do sangue
Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melancólicos do blue

Ó negro esfarrapado do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South

Ó negro de África

negros de todo o mundo

eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.

Eu vos acompanho
pelas  emaranhadas áfricas
do nosso Rumo

Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos.

 (A renúncia impossível)
Mussunda amigo
Para aqui estou eu
Mussunda amigo
 Para aqui estou eu

Contigo
Com a firme vitória da tua alegria
e da tua consciência

 O ió kalunga ua mu bangele!
 O ió kalunga ua mu bangele-lé-leleé...

Lembras-te?

Da tristeza daqueles tempos
em que íamos
comprar mangas
e lastimar o destino
das mulheres da Funda
dos nossos cantos de lamento
dos nossos desesperos
e das nuvens dos nossos olhos
Lembras-te?

Para aqui estou eu
Mussunda amigo

A vida a ti a devo
à mesma dedicação ao mesmo amor
com que me salvaste do abraço
da jibóia

à tua força
que transforma os destinos dos homens

A ti Mussunda amigo
a ti devo a vida

E escrevo versos que não entendes
compreendes a minha angústia?

Para aqui estou eu
Mussunda amigo
escrevendo versos que tu não entendes

Não era isto
o que nós queríamos, bem sei

Mas no espírito e na inteligência
nós somos!

Nós somos
Mussunda amigo
Nós somos

Inseparáveis
e caminhando ainda para o nosso sonho

No meu caminho
e no teu caminho
os corações batem ritmos
de noites fogueirentas
os pés dançam sobre palcos
de místicas tropicais
Os sons não se apagam dos ouvidos

 O ió kalunga ua mu bangele...

Nós somos!

 (Sagrada esperança)
Contratados
Longa fila de carregadores
domina a estrada
com os passos rápidos

Sobre o dorso
levam pesadas cargas

Vão
olhares longínquos
corações medrosos
braços fortes
sorrisos profundos como águas profundas

Largos meses os separam dos seus
e vão cheios de saudades
e de receio
mas cantam

Fatigados
esgotados de trabalhos
mas cantam

Cheios de injustiças
calados no imo das suas almas
e cantam

Com gritos de protesto
mergulhados nas lágrimas do coração
e cantam

Lá vão
perdem-se na distância
na distância se perdem os seus cantos tristes

Ah!
eles cantam...

 (Sagrada esperança)
Aspiração
Ainda o meu canto dolente
e a minha tristeza
no Congo, na Geórgia, no Amazonas

Ainda
o meu sonho de batuque em noites de luar

ainda os meus braços
ainda os meus olhos
ainda os meus gritos

Ainda o dorso vergastado
o coração abandonado
a alma entregue à fé
ainda a dúvida

E sobre os meus cantos
os meus sonhos
os meus olhos
os meus gritos
sobre o meu mundo isolado
o tempo parado

Ainda o meu espírito
ainda o quissange
a marimba
a viola
o saxofone
ainda os meus ritmos de ritual orgíaco

Ainda a minha vida
oferecida à Vida
ainda o meu desejo

Ainda o meu sonho
o meu grito
o meu braço
a sustentar o meu Querer

E nas sanzalas
nas casas
no subúrbios das cidades
para lá das linhas
nos recantos escuros das casas ricas
onde os negros murmuram: ainda

O meu desejo
transformado em força
inspirando as consciências desesperadas.

   (Sagrada esperança)
Poesia Africana
Lá no horizonte
o fogo
e as silhuetas escuras dos imbondeiros
de braços erguidos
No ar o cheiro verde das palmeiras queimadas

Poesia africana

Na estrada
a fila de carregadores bailundos
gemendo sob o peso da crueira
No quarto
a mulatinha dos olhos meigos
retocando o rosto com rouge e pó de arroz
A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas
Na cama
o homem insone pensando
em comprar garfos e facas para comer à mesa

No céu o reflexo
do fogo
e as silhuetas dos negros batucando
de braços erguidos
No ar a melodia quente das marimbas

Poesia africana

E na estrada os carregadores
no quarto a mulatinha
na cama o homem insone

Os braseiros consumindo
consumindo
a terra quente dos horizontes em fogo.

 (No reino de Caliban II -  antologia
 panorâmica de poesia africana de ex-
 pressão portuguesa)
Fogo e ritmo
Sons de grilhetas nas estradas 
cantos de pássaros 
sob a verdura úmida das florestas 
frescura na sinfonia adocicada 
dos coqueirais 
fogo
fogo no capim
fogo sobre o quente das chapas do Cayatte.
Caminhos largos
cheios de gente cheios de gente 
em êxodo de toda a parte 
caminhos largos para os horizontes fechados 
mas caminhos
caminhos abertos por cima 
da impossibilidade dos braços.  
Fogueiras
    dança
    tamtam
     ritmo

Ritmo na luz
ritmo na cor
ritmo no movimento 
ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços 
ritmo nas unhas descarnadas
Mas ritmo
ritmo.

Ó vozes dolorosas de África!


  (Sagrada esperança)
Fire and rhythm
The sound of chains on the roads
the songs of birds
under the humid greenery of the forest
freshness in the smooth symphony
of the palm trees
fire
fire on the grass
fire on the heat of the Cayatte plains
Wide paths
full of people full of people
an exodus from everywhere
wide paths to closed horizons
but paths
paths open atop
the impossibility of arm
fire
 dance
 tum tum
  rhythm 

Rhythm in light
rhythm in color
rhythm in movement
rhythm in the bloody
cracks of bare feerhythm on torn nails
yet rhythm
rhythm 

Oh painful African voices


  (Sacred hope)
kinaxixi
Gostava de estar sentado 
num banco do kinaxixi 
às seis horas duma tarde muito quente 
e ficar... 
Alguém viria 
talvez sentar-se 
sentar-se ao meu lado 
E veria as faces negras da gente 
a subir a calçada 
vagarosamente 
exprimindo ausência no kimbundu mestiço 
das conversas 
Veria os passos fatigados 
dos servos de pais também servos 
buscando aqui amor ali glória 
além uma embriagues em cada álcool 
Nem felicidade nem ódio 
Depois do sol posto 
acenderiam as luzes 
e eu 
iria sem rumo 
a pensar que a nossa vida é simples afinal 
demasiado simples 
para quem está cansado e precisa de marchar. 

    (Sagrada esperança)
Noite
Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.

Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.

São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.

Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.

Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.

Também a noite é escura.

  (Sagrada esperança)
Noche
yo vivo
en los barrios oscuros del mundo
sin luz ni vida.

voy por las calles
a tientas
apoyado en mis informes sueños
tropezando con la esclavitud
a mi deseo de ser.

barrios oscuros
mundos de miseria
donde las voluntades se diluyeron
con las cosas.

ando a los tropezones
por las calles sin luz
desconocidas
impregnadas de mística y terror
del brazo con fantasmas.

también la noche es oscura.


  (Sagrada esperanza)
Consciencialização
Medo no ar!

Em cada esquina
sentinelas vigilantes incendeiam olhares
em cada casa
se substituem apressadamente os fechos velhos
das portas
e em cada consciência
fervilha o temor de se ouvir a si mesma

A historia está a ser contada
de novo

Medo no ar!

Acontece que eu
homem humilde
ainda mais humilde na pele negra
me regresso África
para mim
com os olhos secos.

 (Sagrada esperança)

Civilização ocidental
Latas pregadas em paus
fixados na terra
fazem a casa

Os farrapos completam
a paisagem íntima

O sol atravessando as frestas
acorda o seu habitante

Depois as doze horas de trabalho
Escravo

Britar pedra
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol 
à chuva
britar pedra
acarretar pedra

A velhice vem cedo

Uma esteira nas noites escuras
basta para ele morrer
grato
e de fome.

 (Sagrada esperança)
Adeus à hora da largada
Minha Mãe
 (todas as mães negras
 cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
 (todas as mães negras
 cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

  (Sagrada esperança)

terça-feira, novembro 02, 2010

As leituras de Fernando Pessoa



Conhecer o que lia Fernando Pessoa, as anotações que fazia nos seus livros, como surgiam ideias durante suas leituras. Agora, isso vai ser possível: já está disponível na internet a biblioteca digital do poeta português, no site da casa-museu dedicada a ele. Os livros são os que acompanharam o poeta desde a adolescência - na época em que ele ainda morava na África do Sul. "O livro mais antigo é do século 19, quando Pessoa tinha 12 a 14 anos. São livros que vão desde essa época até sua morte, com 47 anos", conta o professor Jerônimo Pizarro, responsável pelo trabalho. O último livro foi parar na biblioteca do escritor em outubro de 1935, um mês antes de sua morte. No total, o espólio de Fernando Pessoa que está na casa-museu reúne 1.312 títulos. No entanto, apenas pouco mais de 1.100 estarão disponíveis para consulta.

Emília no País da Gramática


– E assim, se foi formando, e se vai formando a língua. Uma língua não para nunca. Evolui sempre, isto é, muda sempre. Há certos gramáticos que querem fazer a língua parar num certo ponto, e acham que é erro dizermos de modo diferente do que diziam os clássicos.

– Que vem a ser os clássicos? – perguntou a menina.

– Os entendidos chamam clássicos aos escritores antigos, como o Padre Antonio Vieira, Frei Luis de Sousa, o Padre Manuel Bernardes e outros. Para os carrancas, quem não escreve como eles está errado.
Mas isso é curteza de vistas. Esses homens foram bons escritores no seu tempo. Se aparecessem agora seriam os primeiros a mudar ou a adotar a língua de hoje, para serem entendidos. A língua variou muito e sobretudo aqui na cidade nova. Inúmeras palavras que na cidade velha querem dizer uma coisa, aqui dizem outra. BORRACHO, por exemplo, aqui quer dizer bêbedo; lá quer dizer filhote de pombo – vejam que diferença! ARREAR, aqui, é selar um animal; lá é enfeitar, adornar.

– Então lá há moças bem arreadas? – perguntou Emília.

– Sim – respondeu a velha. Uma dama bem arreada não espanta a ninguém lá do outro lado. Aqui, moço significa jovem; lá significa serviçal, criado.
Também no modo de pronunciar as palavras existem muitas variações. Aqui todos dizem PEITO; lá, todos dizem PAITO, embora escrevam a palavra da mesma maneira. Aqui se diz TENHO e lá se diz TANHO. Aqui se diz VERÃO e lá se diz V’RÃO.

– Também eles dizem por lá VATATA, VACALHAU, BACA, VESOURO – lembrou Pedrinho.

– Sim, o povo de lá troca muito o V pelo B e vice-versa.

– Nesse caso, aqui nesta cidade se fala mais direito do que na cidade velha – concluiu Narizinho.

– Por quê? Ambas têm o direito de falar como quiserem, e portanto ambas estão certas. O que sucede é que uma língua, sempre que muda de terra, começa a variar muito mais depressa do que se não tivesse mudado. Os costumes são outros, a natureza é outra – as necessidades de expressão tornam-se outras. Tudo junto força a língua que emigra a adaptar-se à sua nova pátria.
A língua desta cidade está ficando um dialeto da língua velha. Com o correr dos séculos é bem capaz de ficar tão diferente da língua velha como esta ficou diferente do latim. Vocês vão ver.

– Nós vamos ver? – exclamou Narizinho, dando uma risada. Então pensa que somos como a senhora, que vive toda a vida e mais séculos e séculos?

– Vocês também viverão séculos e séculos por meio de seus futuros filhinhos e netos e bisnetos – replicou a velha.

– Menos eu! – gritou Emília. Já me casei e me arrependi bastante. Felizmente não tive filhos – e como não pretendo casar-me de novo, não deixarei “descendência” nesse mundo...

– E se aparecer um grande pirata, como aquele Capitão Gancho, da história do Peter Pan? – cochichou Narizinho no ouvido dela.

– Isso é outro caso... – respondeu Emília, cujo sonho sempre fora ser esposa de um grande pirata – para “mandar num navio...”

Monteiro Lobato, Emília no País da Gramática, Editora Brasiliense, pp. 100-102.

segunda-feira, novembro 01, 2010

O depois da guerra

Escrito por Marina

A entrada das pessoas em nossas vidas funciona da seguinte forma: Elas são classificadas de acordo com as situações.

Mas a vida é tão safada, tão escrota e tão cafona que por dezenas de vezes nos fazem conhecer pessoas potencialmente sensacionais em situações deprimentes, em situações em que um ganha e o outro perde. E é justamente nessas situações (e só nessas), em que o sensacional é apenas uma característica e não uma qualidade, que todo e qualquer resto se torna algo menor, algo de pouca ou nenhuma importância.

E se então há um ganhador, há também necessariamente um perdedor. É assim que funciona, e não existe forma boa de lidar com isso.

É como na história que meu pai me contava: Numa guerra, um soldado arrancou o olho de outro com uma colher.

Não era nada pessoal, era apenas guerra.

Sim, todos nós sabemos que na guerra vale tudo, mas e no depois da guerra? Qual o ditado brega para defini-la?

Se depois da guerra, os soldados se esbarrassem no mercado, um apresentaria a esposa para o outro? Se os soldados se encontrassem num churrasco, apertariam as mãos? A guerra não existe mais, já acabou, e não importa mais quem ganhou, porque o que fica não é o resultado, mas a forma como seus soldados lutaram.

Por mais que os dois entendessem que estar na guerra (talvez) não tivesse sido nem uma escolha, um nunca poderia devolver a visão ao outro.

Seriam caminhos que nunca mais se cruzariam por uma situação única, que nada tivera realmente a ver com a pessoa, e sim com a posição que naquele momento ela ocupara.

Não estamos falando de pessoas ruins ou pessoas amargas. Estamos falando de pessoas sensacionais, e que mesmo conscientes disso, não conseguem ou não podem desconsiderar o que ficou de uma guerra.

Enquanto um ganhador se vangloria da sua vitória, um perdedor chora sua derrota. Um babaca e um ferido. Tem como sair coisa boa disso?

http://corramary.com/o-depois-da-guerra/